quarta-feira, 24 de outubro de 2012

A COMPANHEIRA



Isaias Coelho Marques

quando acordo
tenho a tosse
como companheira
e, ainda que me roces,
ela
a tosse
será a amante
                    última
                            verdadeira.      

TOURADAS EM MADRI



Poncion Rodrigues

A velha Espanha, que deu ao mundo os geniais Cervantes e Picasso, entre incontáveis outros ícones da boa qualidade na produção humana, também tem horrorizado a dignidade ao longo da sua sinuosa história. Vejamos: Que país foi palco da mais selvagem ação, durante a chamada Santa (aliás, santíssima) Inquisição? Emblemática foi a figura do padre Torquemada, príncipe das torturas e das fogueiras que, com patológica dedicação, perpetrou as perversidades determinadas pelos tribunais do Santo Ofício. Que país promoveu o genocídio contra as civilizações pré-colombianas, apagando com crueldade e ignorância histórica a pujança de MAIAS, INCAS E ASTECAS? Já na contemporaneidade, qual nação, dita civilizada, patrocinaria, através dos seus líderes, o genocídio de parte do seu próprio, como fez a Espanha “revolucionária” do generalíssimo Francisco Franco? Seu estilo materializou-se no bombardeio de Guernica, imortalizado na obra do bom espanhol Pablo Picasso, que envergonhado diante do banho de sangue entregou-se ao autoexílio. Naquela época, Franco já flertava com a Alemanha nazista e recebeu de Hitler apoio político e também bélico, pouco antes de a loucura alemã incendiar a Europa.
                Sob Franco, a Espanha consolidou sua vocação de estado policial que ainda hoje é presente, disfarçado de país moderno e democrático. Seu rei, se bem observado, apresenta olhar soturno e ibérica feiura, produto dos cruzamentos consanguíneos na nobreza europeia.
                Sibilino, o país das touradas repleto de chifres e de castanholas protagoniza uma robusta presença financeira em nosso país. Seu grupo SANTANDER já engole um naco importante do Brasil e avança célere em todos os ramos. Da telefonia à indústria hoteleira, lá estão eles. Os espanhóis que nos visitam curtem com avidez a nossa abundante oferta de turismo sexual. Em contrapartida, os “bravos” descendentes de EL-CID nos tratam como criminosos em seu país. Humilham nas dependências do seu aeroporto-prisão de Madrid, turistas, estudantes e profissionais em viagens científicas, inclusive aqueles que estiverem apenas em escalas de voos, destinados a outros países.
                Sofrendo sede e fome, confinados, incomunicáveis e insultados, nossos compatriotas são lá chamados de “porcos” e “cachorros” pelos seus algozes. Esquecem os vermes que porcos e cachorros são animais infinitamente mais nobres do que aquele povo de negra história.
                O que dizer de uma gente que compraz, emitindo urros trogloditas diante do sádico massacre de um pobre touro? Naquele momento eles babam de prazer. É a herança coletiva da pátria de Torquemada.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

OS FILHOS BASTARDOS DE HIPÓCRATES



Poncion Rodrigues

O dia 18 de outubro é data dedicada aos médicos e médicas, homenageados com justiça pela sua nobre profissão. De repente me ponho a pensar naqueles “colegas” que, abdicando da nobreza, se despem também da honra, quando se associam a agenciadores, proprietários de pensões e hospedarias, numa confraria de mercadores da tragédia humana. Antes agiam sub-repticiamente praticando seu comércio entre quatro paredes. Hoje uma nova geração de uns tantos pobres-diabos já se orgulha do volume dos “negócios” mantidos com a pior espécie de gente, de quem não são diferentes, no seu desprezo pela ética e pelo sentimento humanista, que deveriam nortear os seres humanos de boa qualidade.
                Consta que montam seus alçapões nas proximidades da rodoviária e dos grandes hospitais, onde colhem suas vítimas, geralmente oriundas do Maranhão, Tocantins, Pará e outros estados; pobres criaturas fragilizadas pela doença e por estarem distantes de seu habitat. O agenciador aborda a “mercadoria” falando da imensa capacidade profissional do Dr. Fulano, das incríveis curas cirúrgicas promovidas pelo Dr. Sicrano, com quem, coincidentemente mantém laços de amizade que podem facilitar ao sortudo paciente o acesso à consulta, tão difícil para as pessoas comuns. Está então fechado o cerco, só restando saber de quanto dispõe a vítima, para proceder a divisão do butim. Se essas ações não são ilegais, constituem-se, com certeza, em uma imoralidade condenável sob todos os ângulos.
                Neste triste país onde a propriedade cultural é roubada nas barbas da polícia e da justiça, através da comercialização aberta de produtos pirateados (vide cds e dvds); onde as cadeias estão abarrotadas com os párias sociais, enquanto os grandes abutres da nação se refestelam no banquete do dinheiro público, não poderia faltar, em nome da democracia, um espaço de atuação para os filhos bastardos de Hipócrates.
                Quanto aos colegas médicos, que dignamente mantém acesa a chama divina do seu mister, me dobro em reverência e gratidão.
                É tudo muito simples: Sejamos dignos!                                                                       

terça-feira, 16 de outubro de 2012

DEIFICAÇÕES X DEMONIZAÇÕES




A. J. de O. Monteiro

        A revista Veja, em sua edição nº 2.290, de 10 de outubro de 2012, traz em sua capa a reprodução de uma fotografia tamanho 3x4 do Ministro do STF, Joaquim Barbosa e a seguinte manchete: “O MENINO POBRE QUE MUDOU O BRASIL.” A capa, a manchete e a matéria em si, me levaram à reflexão sobre uma prática muito comum da imprensa de construir heróis, deificar ou demonizar pessoas ou instituições. As razões para esse comportamento devem ser estudadas por especialista, o que não é o meu caso, mas isso não me impede de conjecturar: Seria por razões econômicas, aproveitando um assunto acompanhado com muito interesse pela sociedade e com isso alavancar a venda da publicação? Seria para sedimentar na sociedade a ideologia que defende? Não sei, talvez as duas coisas juntas e, talvez outras mais, não sei.
     A História recente do Brasil oferece vários exemplos dessa prática os quais, creio, ainda estão bem nítidos em nossas memórias. Heróis construídos nos mais diversos ramos da atividade humana. Entre artistas e esportistas, a muitos são outorgados títulos nobiliárquicos (reis, rainhas, príncipes e princesas) e alguns, picados pela mosca azul, já chegaram a posar em trajes reais – manto, cetro e coroa. Vocês sabem de quem estou falando.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

ANGICAL REVISITADA



Isaias Coelho Marques

Seriema canta solidão
sol de flechas corta o sertão.

Um olhar de Angical,
o menino entranhado aqui
não foi para o bem nem para o mal.

Ciclo completado:
tristeza de aragem seca,
renasço em meus antepassados.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

NOITES DE IRA





Poncion Rodrigues

                Existe nas madrugadas de Teresina um mundo insuspeito; um universo paralelo de violência e medo, que dão o tom de insensatez e perversidade à rotina dos bairros e vilas que circunvizinham o chamado centro urbano da capital. Se já é tão perigoso circular nas ruas dos ditos bairros nobres, imaginem a versão mafrense dos bairros  selvagens de Nova York. É a Teresina marginal que liberta sua ira no avançar da noite; quadrilhas se digladiam e se matam peal posse do não-sei-o-quê. Vidas adolescentes se perdem nas escaramuças entre gangues em guerra que são registradas apenas parcialmente pela rotina das crônicas policiais, passando despercebidas pela nossa atenção seletiva na leitura matinal dos jornais.
                As madrugadas de ódio amedrontam os médicos e demais membro das equipes do SAMU, que socorrendo as vítimas se deparam quando em vez com seus algozes muito frequentemente impedindo o socorro que está tentando acontecer. Leio nos jornais que um certo indivíduo foi preso enquanto comemorava em uma festa o que teria sido seu quarto assassinato, façanhas até então não punidas pela eficiente e célere justiça brasileira, que, como sabemos todos, nos tem garantido os direitos constitucionais e castiga com rigorosas sentenças (cumpridas integralmente) os matadores que proliferam em nossas cidades. Sabe-se que certos juízes têm tanto amor à liberdade que não admitem que assaltantes e assassinos permaneçam presos, ainda que pegos em flagrante após troca de tiros com a polícia. Ouvi de uma autoridade policial que a constelação de bandidos em Teresina é composta por, não mais de trinta “estrelas”; são sempre os mesmos! Presos e soltos no jogo bizarro da impunidade que fascina os adolescentes, filhos da miséria, crescidos no vácuo da ausência total do Estado “protetor”.
É o caldo de cultura que transforma a criança pedinte em menor infrator e posteriormente no insensível assassino frio e irrecuperável, que pode estar à espreita de cada um de nós ou de nossas famílias, em esquinas e sinais de trânsito na perigosa Teresina. É da infância abandonada e ultrajada que são confeccionadas com progressiva perfeição as criaturas que protagonizam os terrores das noites desta triste cidade.

domingo, 7 de outubro de 2012

EU




Isaias Coelho Marques

Sou mar e carne,
mas de uma carne
que não há no mar.

Soletro ínfimos desejos
sem, no entanto,
saber falar.

Derivo de terra batida,
seca, sem aves no ar.

Acalmo minha certeza
em vastidão pequena,
espaço aberto
entre o coração e meu pisar.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

ESOFROMATEM*





A. J. de O. Monteiro
            Lá estava eu perambulando pelo mundo exterior, na cotidiana luta pela sobrevivência, catando migalhas, restos de comida caídos no chão, quando aquela densa nuvem me envolveu completamente. O odor era inconfundível: Inseticida! Desesperado e quase sem forças corri para o ralo, que era nossa comunicação com o mundo exterior. Joguei-me ralo abaixo semi-inconsciente. Movia-me o puro instinto. Senti todo meu exoesqueleto estalar ao chocar-se em decúbito dorsal com o cimento úmido do esgoto. Tudo escureceu.
            Acordei sentindo dores por todo o corpo e minha cabeça doía a ponto de explodir e uma sede como nunca sentira antes me atormentava. Parecia que todo o líquido da minha composição química evaporara. Pensei (pensei?): - Os humanos desenvolveram uma nova e poderosa arma na sua eterna luta por exterminar-nos... Tentei virar-me e caminhar em busca de água e aplacar aquela terrível sede. Balancei as pernas com toda a força que me restou e aí veio o primeiro susto: faltavam-me as pernas mesotoráxicas, mas, paciência, conheço muitas baratas que se saem muito bem sem elas, devem ter-se desprendido na queda. Liberei o que ainda retinha de feronômios na tentativa de atrair os demais membros da colônia, mas eles não se aproximaram, ficaram distante agitando freneticamente suas antenas e olhavam pra mim com expressão de pavor. Invoquei Barateus enquanto continuava agitando as patas restantes e, como num milagre, consegui virar-me. Agradeci e arrastei-me penosamente em direção a uma poça d’água para aliviar aquela sede lancinante.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

AO MESTRE, COM CARINHO




 Manoel Emílio Burlamarqui de Oliveira
            
          Sempre me pareceu quase impossível planejar o desenvolvimento. Relativamente fácil é planejar a economia, a saúde, a educação, etc, desde que sejam conhecidos objetivos, metas e recursos disponíveis. Mas, esse planejamento setorial pouco tem a ver com o desenvolvimento, pelo menos, como eu penso.
            Tenho o desenvolvimento como um espaço compreendido entre o nascimento e a morte de qualquer coisa, seja uma de uma ideia, de um projeto, ou de um ser, animado ou não. Penso o desenvolvimento como sobrevivência do homem na terra, como continuidade de sua existência em um universo do qual faz parte.
            E, pensá-lo assim, torna-se-me muito doloroso, pois aquilo em que foi transformado, meio de dominação e não preservação, é, apenas, uma arma para a manutenção do poder em mãos de poucos.
            O poder nunca se preocupou com o Homem, com pensar o mundo. Deixou essa tarefa para os “filósofos”, estigmatizados e afastados dos simples mortais, como teóricos, utópicos, criaturas inteligentes mas, muito chatas... No entanto, sempre utilizou seus ensinamentos, para deturpá-los e distorcê-los em causa própria. Pelo que parece, todos eles foram considerados subversivos, até Aristóteles, depois de ajudar Alexandre a dominar o mundo.
            Mas alguma cousa está mudando... Com o salto no mundo da comunicação, a Aldeia Global materializou-se. Compreende, hoje, que o projetado em qualquer parte do mundo, atinge o mundo todo. O desenvolvimento não se faz em ilhas, não elege regiões, não privilegia povos. Não há, mais, o que esconder, O REI ESTÁ NU! A Aldeia Global dá início ao seu clamor por solidariedade e fraternidade, participação, até subversão (dos seguidores do Buda, de Jesus, do Mahatma, de Mandela...), quer a humanização do poder.
            Continuarão, sem dúvida, os planos setoriais, a se multiplicarem insuportavelmente, seguindo os seus fracassos, uma vez que não visam, ou não veem o amanhã, no seu imediatismo descompromissado. O poder, ao pensar só o poder, atrasa o desenvolvimento, se não o destrói. O choque entre poder e desenvolvimento é o dilema atual: O Apocalipse está aproximando-se, ou a humanidade continuará sobrevivendo?
            Fez-se a luz no final do túnel! Descubro o papel dos planejadores do desenvolvimento, dos planejadores da conservação da vida:planejar a organização dos que clamam por um poder humanizado, para que transformem o Poder-dominação, em Poder-libertação!
                Talvez, o que escrevi acima sejam bobagens de um “caducante”. Se as publico, é que foi o meio, escolhido por mim, para expressar a minha admiração e o meu respeito por um querido e velho amigo, que me propiciou o distinguir o sério do caricato. Pensador e Mestre, ousou pensar o Mundo para chegar ao Piauí. E, ousou propor à Academia Piauiense de Letras, que se tornasse palco de discussões de ideias novas. O meu abraço, caríssimo professor Raimundo Nonato Monteiro de Santana, pioneiro do planejamento no meu Piauí.