A. J. de O. Monteiro
Aos
primeiros acordes d’O GUARANY, começávamos sair de casa rumo à esquina mal
iluminada por uma lâmpada incandescente pendurada em um poste do IAEE
(distribuidora, à época, da oscilante energia da Capital). A esquina é formada
pela confluência da Av. Campos Sales com a R. 24 de Janeiro. Ali, todas as
noites a nossa turma de esquina se reunia para conversar, brincar e, às vezes,
brigar. Brigas de moleques amigos que não traziam consequência que se vê hoje,
nas brigas de gangues.
Na
R. 24 de Janeiro, duas ou três casas, a contar da esquina, morava “Seo”
Barbosa. Viúvo, velhinho (tinha eu a impressão que ele havia nascido daquele
jeito). Era uma casa simples, com uma porta e uma janela (naquele estilo
"capelinha"), com as paredes em tijolo aparente, não por um recurso arquitetônico
mas, sim, por falta de recursos econômicos para o reboco e a pintura. “Seo”
Barbosa vivia da pequena aposentadoria de um instituto qualquer e do minguado
salário de sua filha – professora e também viúva – que com ele morava
juntamente com o filho único, que atendia pelo apelido de “suçuarana” (não me
perguntem porque).
Naquele
mesmo horário, a Professora saia para seu 3º turno de aulas no grupo escolar
municipal, a um quarteirão dali, na Av. Campos Sales. Despedia-se do pai, sentado à porta da casa, e, ao
passar por nós, na esquina, fazia, sempre, a mesma recomendação ao “suçuarana”: -
“Você e seus amigos, prestem atenção no papai; não se afastem...”. E nós
ficávamos ali em nossas confabulações de reformadores do mundo... Quando batia a
sede, ou alguma necessidade premia, corríamos à casinha, cuja porta ficava
sempre aberta, passávamos pelo corredor com quatro portas que davam acesso à sala de
visitas, aos quartos, à cozinha – onde ficava a bilheira com os potes d’água e
alguns copos de alumínio, esmeradamente areados e, em seguida, o banheiro. Não havia
comunicação interna entre os cômodos. Toda movimentação era feita pelo
corredor.
Numa
dessas noites, atraídos por algum fato novo do qual não recordo, afastamos-nos
da esquina e demoramos um pouco a retornar. Ao voltarmos, ouvimos a Professora
falando alto com “Seo” Barbosa. Estava quase aos prantos: - “O que houve,
papai, levaram tudo; o rádio, roupas, “trens” da cozinha, mantimentos... Quem
entrou aqui? O Sr. não viu nada...? O velhinho, calmamente, respondeu: - "Ah,
minha filha, entrou um rapaz muito simpático e educado... Bem diferente desses
amigos de seu filho que entram e saem daqui sem nem mesmo olharem pra mim...
Esse rapaz me deu boa noite ao entrar e ao sair despediu-se educadamente.
Desejei-lhe boa viagem e ele se foi". – “Boa viagem por quê”? -“Ora”- respondeu
ele: - “O coitado ia viajar... Carregava uma enorme mala e duas sacolas
grandes. Recomendei-lhe pedir ajuda aos meninos, mas ele educadamente agradeceu
e subiu a rua...”