quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

UMA GATINHA MUITO MANHOSA



Manoel Emílio Burlamaqui de Oliveira

       Querida amiga: permita-me contar-lhe um "causo", apenas com o intuito de lhe fazer rir, acontecido com um amigo meu, neste Piauí de estórias mui duvidosas... Quis, ele, ter um animal de estimação, para lhe fazer companhia, em sua casa, solteiro que o era, e foi visitar um tal de pet-shop (acho que o nome é esse) para escolher um cãozinho de raça, quando deparou-se com uma gatinha, toda felpuda, por quem apaixonou-se, à primeira vista... Nem perguntou o preço e já levou a bichinha, a quem deu o nome de Manhosa, nome mais que acertado pra quem vivia ronronando e dormindo, na cama de meu amigo, quando não estava refestelando-se dos quitutes e acepipes com que a empregada doméstica lhe propiciava... Que lindeza, a Manhosa, que quase não dava trabalho, pois aprendera, inteligente que era, num instante, onde enterrar suas sujeirinhas, no quintal de sua moradia... Mas, há sempre um, mas, o tempo passou e Manhosa transformou-se numa senhora gata! Aí, também se transformou a vida do meu amigo, passando noites insones, ouvindo serenatas no seu telhado, sem que, ao menos, soubesse entender a letra daqueles miados, repletos de sons, onde prevaleciam os de tenor, de todos os timbres... Meu Deus, pensava ele, que deu na Manhosa pra me fazer tal maldade? Foi ao veterinário, pensando que a lindeza estava ficando doida, pois tinha preferência pela noite de 4º crescente a lua-cheia, quando soube que ela tinha virado adulta e necessitava ser castrada! Ave Maria, e se capa fêmea? Credo, essa malvadeza ele não iria fazer... Resolveu, com muito sofrimento, executar uma menor, soltando sua querida longe de casa, para que uma alma caridosa se apiedasse dela e a recolhesse. E, assim o fez. Pegou Manhosa, levou-a para o carro e a soltou a mais de 1 km de distância. De coração partido, parou num boteco pra tomar uma por causa daquela perda, e regressou ao lar, desconsolado... Baita surpresa, quem o esperava na porta? a danada da Manhosa, que, com aquelas antenas parecendo bigodes, não perdia o caminho de casa... Alegria muita, abraços e beijos, consciência limpa, a De Jesus rindo sem saber de que, a paz voltou a reinar no coração do Cláudio. Mas, olha ela de novo, as serenatas recomeçaram. Quem aguenta aquilo, com tantos participantes? já era um abuso intolerável! Agarrou Manhosa de novo, consciência adormecida, e correu no carro pra bem mais longe. Jogou a gata fora e embalou no rumo de casa, pra que não pudesse ser seguido. ao chegar, perguntou a De Jesus, vistes a Manhosa por aí? -Não senhor, por quê? - nada não, é que estou sentindo a falta dela. Nisso, um miado na porta, e eis que Manhosa aparece, rabo balançando prum lado e pro outro, como se nada tivesse acontecido... Cláudio danou-se, assim, também, já era demais! Essa gata tá querendo me gozar! Pois ela vai ver o que é bom pra tosse... Deixou anoitecer, agarrou a ex-querida e, novamente, mandou-se no carro. Percorreu bairros e mais bairros, atravessou pontes, passou em lamaçais, até que, horas depois, largou a Manhosa na estrada! E tratou de voltar, cansado que estava, pra casa, pensando na birita que ia tomar, em regozijo pela sacanagem que havia feito com aquela safada... Quem disse que conseguiu? Sobe morro, desce morro, entra por aqui, sai por ali, quebra esquina, entra em rua sem saída, quando vê um orelhão e resolve telefonar pra De Jesus:- Alô, é a De Jesus? Sim senhor.- De Jesus, a Manhosa, por acaso, está por ai? - Acabou de chegar, seu Claudio... -Pois pega essa égua bandida e põe ela no telefone pra me ensinar como chegar aí, que estou perdido... Depois dessa, Claudio passou a gostar das serenatas... Deus que me livre duma gatinha manhosa...

AVISO AOS NAVEGANTES



Isaias Coelho Marques

Aos navegantes,
não deste mundo,
de todos os tempos e genomas,
sou obrigado a bradar meu grito de irmão,
                                     Minha ira egoísta.
Aos navegantes
de todos os mundos,
no ridículo espernear
de solitário,
no estreito caminho humano,
na vasta solidão de Deus,
no desespero involuntário,
na mão perdida no aceno,
em tudo que é esquina,
no medo incomensurável
de ser finito,
na agonia de não acabar nunca,
em tudo que é só tristeza,
em tudo que é só alegria,
nessa mancha de consciência,
nessa efervescência,
nesse nu esfrangalhado
de minha alma,
na dor, na imensa dor,
de estar só.

O BLOCO DOS GRISALHOS



Poncion Rodrigues
                Nos padrões contemporâneos que definem quem seja idoso, estaria eu correndo célere em direção à cadeira de balanço, à rede na soneca vespertina e às distrações domésticas das famigeradas novelas que tantos dizem “vale a pena ver de novo”.
                Como se não bastasse ser chamado de tio por homens de 25 anos de idade, amigos de infância dos seus filhos, o pré-idoso se sujeita à suprema humilhação do toque retal imposto pela crudelíssima condição masculina.
                 Se despede deprimido dos pecados gastronômicos (como a selvagem feijoada apimentada dos sábados) e das deliciosas expedições etílicas em companhia dos amigos de botequim, aliás cada vez mais jovens, já que sua geração vem sendo sistematicamente convocada por uma certa dama vestida de preto e portadora de gigantesca foice.
                      OPA, NADA DISSO!!!
                O tempo, senhor da razão (como copiava o tal presidente cassado, então dileto esposo de dentuça socialite rural), haverá de vos informar que nossa caminhada ao longo da vida nos transforma em interessantes instrutores para os aprendizes do existir.
                Que vivam os “cinquentões”, paradigmas da inteligência humana, portadores do charme grisalho de que já viu quase tudo e do insinuante olhar de que sabe decifrar anseios contidos e administrar mentes e corações.
                  É isso aí bicho!
                 PS: O carnaval está chegando. Imploro aos meus colegas cinquentões que, pelo amor de Deus, não saiam por aí arrastando os chinelos no passo miúdo das marchinhas, com os dedos indicadores apontados para o céu e a barriguinha de cerveja mal contida naquela ridícula camiseta de time futebol. Tenhamos estilo garotos!

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

CORPOS



Isaias Coelho Marques

Cheiro morno e longe de sertão
pousa disfarçado em tua voz

Longos finos macios
teus cabelos tecem a teia
onde repousa nosso amor,

Dois corpos brincando,
                     teimando,
                    recusando
                                    o óbvio
de não se unirem
na longa noite da vida.