Manoel Emílio
Burlamaqui de Oliveira
Querida amiga: permita-me contar-lhe um
"causo", apenas com o intuito de lhe fazer rir, acontecido com um
amigo meu, neste Piauí de estórias mui duvidosas... Quis, ele, ter um animal de
estimação, para lhe fazer companhia, em sua casa, solteiro que o era, e foi
visitar um tal de pet-shop (acho que o nome é esse) para escolher um cãozinho
de raça, quando deparou-se com uma gatinha, toda felpuda, por quem
apaixonou-se, à primeira vista... Nem perguntou o preço e já levou a bichinha,
a quem deu o nome de Manhosa, nome mais que acertado pra quem vivia ronronando
e dormindo, na cama de meu amigo, quando não estava refestelando-se dos quitutes
e acepipes com que a empregada doméstica lhe propiciava... Que lindeza, a
Manhosa, que quase não dava trabalho, pois aprendera, inteligente que era, num
instante, onde enterrar suas sujeirinhas, no quintal de sua moradia... Mas, há
sempre um, mas, o tempo passou e Manhosa transformou-se numa senhora gata! Aí, também
se transformou a vida do meu amigo, passando noites insones, ouvindo serenatas
no seu telhado, sem que, ao menos, soubesse entender a letra daqueles miados,
repletos de sons, onde prevaleciam os de tenor, de todos os timbres... Meu Deus,
pensava ele, que deu na Manhosa pra me fazer tal maldade? Foi ao
veterinário, pensando que a lindeza estava ficando doida, pois tinha preferência
pela noite de 4º crescente a lua-cheia, quando soube que ela tinha virado
adulta e necessitava ser castrada! Ave Maria, e se capa fêmea? Credo, essa
malvadeza ele não iria fazer... Resolveu, com muito sofrimento, executar uma
menor, soltando sua querida longe de casa, para que uma alma caridosa se
apiedasse dela e a recolhesse. E, assim o fez. Pegou Manhosa, levou-a para o
carro e a soltou a mais de 1 km de distância. De coração partido, parou num
boteco pra tomar uma por causa daquela perda, e regressou ao lar,
desconsolado... Baita surpresa, quem o esperava na porta? a danada da Manhosa,
que, com aquelas antenas parecendo bigodes, não perdia o caminho de casa...
Alegria muita, abraços e beijos, consciência limpa, a De Jesus rindo sem saber
de que, a paz voltou a reinar no coração do Cláudio. Mas, olha ela de novo, as
serenatas recomeçaram. Quem aguenta aquilo, com tantos participantes? já era um
abuso intolerável! Agarrou Manhosa de novo, consciência adormecida, e correu no
carro pra bem mais longe. Jogou a gata fora e embalou no rumo de casa, pra que
não pudesse ser seguido. ao chegar, perguntou a De Jesus, vistes a Manhosa por
aí? -Não senhor, por quê? - nada não, é que estou sentindo a falta dela. Nisso,
um miado na porta, e eis que Manhosa aparece, rabo balançando prum lado e pro outro,
como se nada tivesse acontecido... Cláudio danou-se, assim, também, já era
demais! Essa gata tá querendo me gozar! Pois ela vai ver o que é bom pra tosse...
Deixou anoitecer, agarrou a ex-querida e, novamente, mandou-se no carro.
Percorreu bairros e mais bairros, atravessou pontes, passou em lamaçais, até
que, horas depois, largou a Manhosa na estrada! E tratou de voltar, cansado que
estava, pra casa, pensando na birita que ia tomar, em regozijo pela sacanagem
que havia feito com aquela safada... Quem disse que conseguiu? Sobe morro,
desce morro, entra por aqui, sai por ali, quebra esquina, entra em rua sem saída,
quando vê um orelhão e resolve telefonar pra De Jesus:- Alô, é a De Jesus? Sim
senhor.- De Jesus, a Manhosa, por acaso, está por ai? - Acabou de chegar, seu
Claudio... -Pois pega essa égua bandida e põe ela no telefone pra me ensinar
como chegar aí, que estou perdido... Depois dessa, Claudio passou a gostar das
serenatas... Deus que me livre duma gatinha manhosa...