(*) Ferrer Freitas
O último número de Veja traz na capa o Papa Francisco, figura extraordinária que a todos emocionou com palavras, gestos e ações nesta sua vinda ao Brasil. Encarna e propaga a doutrina do Mestre de tal modo que leva às lágrimas. Que figura! Os políticos brasileiros, neste momento em que o povo sai às ruas clamando por mudanças, bem que poderiam tirar lições inspirando-se nele e mudando (ou largando) vezos antigos e nefastos.
Mas não é do Papa que tentarei ocupar-me e sim de algo que Veja também aborda em canto de página e que me chamou a atenção pela celeuma criada dias atrás. A proibição do uso do espaço aéreo de vários países europeus (Espanha, Portugal, França, Itália) por avião que trazia da Rússia o presidente da Bolívia, Evo Morales. Havia suspeitas de que estava a bordo o espião Edward Snowden, aquele que deixou vazar informações secretas do governo americano. A Áustria permitiu a aterrissagem para o abastecimento, que se fazia necessário, mas policiais, sem nenhuma autorização, fizeram revista interna da aeronave visando certificar-se de que o espião lá não se encontrava, o que, convenhamos, não seria de todo improvável, até pelo assentimento do governo boliviano em conceder-lhe asilo.
Pois bem. O assunto foi abordado em reunião do Mercosul, posterior ao acontecimento, inclusive pela presidente Dilma, que externou seu repúdio e se disse indignada com aqueles países. Sua participação foi, sem dúvida, a de maior impacto, por se tratar do Brasil que, mesmo não sendo um “estado bolivariano”, com todo respeito à memória do grande Simón Bolívar, muitas vezes procede como tal no que há de mais retrógrado.
Mas, afinal, o que traz a matéria a que me reporto? É o que segue. Há menos de dois anos, precisamente em outubro de 2011, em visita oficial à Bolívia o ministro da Defesa Celso Amorim (logo ele!) teve também o avião da FAB que o transportou revistado. Havia suspeitas de que seria seu companheiro na viagem de retorno o senador venezuelano Roger Pinto Molina, ferrenho opositor do governo que se encontra há cerca de um ano na embaixada brasileira em La Paz sem que lhe seja concedido salvo-conduto para asilo no Brasil, embora sua família já esteja aqui. A inspeção, em que foram usados até cães farejadores, mereceu do Itamaraty advertência de procedimentos de reciprocidade, o que levou Evo Morales a pedir desculpas. Como sempre, foi alegada a possibilidade de uso do avião pelo narcotráfico. Merece ser dito, por dever de justiça, que os países europeus também pediram desculpas a Morales.
Isso me fez lembrar uma velha tia-avó minha de nome Ana, conhecida de todos como Naninha, que gostava de usar o ditado “quem com ferro fere, com ferro será ferido”, que cai muito bem aqui como título. Poderia ser até outro que ela também não se cansava de repetir e serviria do mesmo modo: “aqui se faz, aqui se paga”.
(*) Ferrer Freitas é do Instituto Histórico de Oeiras