quarta-feira, 29 de outubro de 2014

A ESPERANÇA VESTE PRETO*


Manoel Emílio Burlamaqui de Oliveira
                
               Votei no Lula, enquanto ele foi candidato, até sua eleição. Fui, muitas vezes, criticado por preferir um “torneiro mecânico semianalfabeto”, a um doutor, ou qualquer letrado. Respondia, sempre que estava “cheio” de generais que não conheciam o significado de povo, que não gostavam nem do seu cheiro, que arrenegavam das senzalas, que tinham os aposentados como estorvo, que, gente era, apenas, números, que serviam, estatisticamente, para fins eleitoreiros.
                Veio o “mensalão”. Arreneguei do Lula. E, além de outros artigos, em jornais locais, escrevi o que segue, com o titulo “A Esperança veste preto”:
                Dias, anos, décadas, séculos, ela acompanha os sonhadores, os utópicos, os éticos, os que lutam pelo respeito à dignidade humana, os que clamam por justiça, os pacifistas, os generosos, os homens de boa vontade. Também, ela é encontrada no coração dos pobres, dos abandonados, dos excluídos, dos que querem ser gente, tratados como gente, respeitados como pessoas.
                Não sei quem é, ou quem são, o pai ou os pais, mas, de vez em quando, ela emprenha e pari filhos, talvez, nossos, que a temos em nossas vidas, frutos de nosso amor à criação e ao próximo... É fato, porém, que eles, parece, têm vida curta, vêm e se vão, deixando, todos nós, desconsolados!
                Uns, morrem como heróis, outros, como santos. Alguns se tornam mártires. Todos, como a mãe que os gerou, irremediavelmente, ligados a historia da humanidade...
                Mas, há aqueles, que depois de adultos, desconhecem a sua origem, os seus pais. Ignorantes, procuram atribuir sua existência a outrem, que deles se utilizam para fins iníquos.
                Heróis, santos, mártires, ainda que tenham sofrido, e nos feito sofrer, serão, sempre, motivos de jubilo para quem os reconhecem como lutadores por uma vida melhor, por um povo menos sofrido. Entretanto, os que traíram a nossa amada, a nossa Esperança, os que nos envergonharam por os termos gerado, esses, que nos fazem chorar, deixam a Esperança de luto (pois, também, não são filhos?), mas não acabam com ela, eterna que é, enquanto existirem os homens.
                Por isso, minha gente, deixemos o Lula de mão e saímos pra outra. Decepcionados? Sem duvida, porém, com a Esperança vestida de verde, mais uma vez!
                Está aí a D. Dilma, sacaneada por tudo o que não presta, nesse inacreditável Congresso Nacional, sem contar com os peixes miúdos, dos estados brasileiros. Cuidado, Presidenta, eles estão querendo mais PRIVATARIAS e MENSALÕES...

*Escolhi esse texto do meu livro "De Corpo Inteiro", quando a Presidenta Dilma foi eleita. Ela, talvez, pensando na reeleição, aguentou tudo o que não prestava, fruto do maquiavelismo do Lula e do Zé Dirceu, inclusive as uniões com as figuras mais amorais de nosso Brasil e as coligações espúrias, com partidos que, antes, e durante, apoiaram o Golpe Militar! Agora, está de volta, reeleita, com um discurso democrático, prometendo acabar com a corrupção, plebiscito para fazer as reformas política e tributária, imprescindíveis ao desenvolvimento social e econômico do país, e dando uma entrevista impecável ao Jornal da Globo ANULEI O MEU VOTO, NOS DOIS TURNOS. Mas sou obrigado a desejar que D. Dilma cumpra as promessas feitas, após sua reeleição, para o bem do povo brasileiro. Entretanto, como um pobre Quixote, inimigo do pragmatismo, queria alertá-la e aos que amam a nossa terra, LULA, NUNCA MAIS!).

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

O BARALHO DO MICKEY*



Daniel Cariello**

Naquele dia, acordei todo embaralhado.
— Vó, vó, vó, vó, vó.
— O que foi, Daniel?
— A gente precisa sair para comprar o baralho do Mickey. Eu quero, quero sim, quero muito, quero agora. É lindo, cheio de cartas com números e figuras. Em algumas está o Mickey, em outras o Pato Donald, a Margarida, o…
— Pateta!
— É você, vó!
— O quê?
— Pateta.
— Estou falando do baralho. Deve ter até carta do Pateta, o meu personagem preferido. Vai ali colocar uma roupa, vamos sair para comprar.
— Mas, vó, eu não trouxe nenhuma. Só tenho este pijama de bolinhas.
— Bem, vamos assim mesmo. Veste este casaco por cima.
— Vó, esse casaco é seu. Vai ficar grandão e muito, muito feio.
— Prefere não ir?
Nesse momento, colocou-se diante de mim a situação mais complicada dos meus incompletos 6 anos: para divertir-me por toda a eternidade com o baralho do camundongo era preciso dar o vexame de desfilar em roupas de dormir de bolinhas, com um casaco verde por cima. Dificilmente poderia haver algo menos adequado para ir à rua.
Depois de breve ponderação, suspirei e vesti o enorme paletó, já que não tinha mesmo escolha. Antes de sair de casa, olhei para ambos os lados, para ver se havia algum vizinho. Ninguém. Pelo menos ali o caminho estava livre. Paramos o primeiro táxi que passou.
— Para o Conjunto Nacional! — disse, decidida, minha avó.
O taxista nem se mexeu. Pedi para acelerar. Ele respondeu:
— Garoto, você se esqueceu de vestir uma roupa. Vai lá se trocar, eu espero.
— Eu vou assim mesmo… — respondi, com um fio de voz.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

DESCUIDO*


João José de Andrade Ferraz

                Advogado de Ofício (como então era designado o cargo), o... patrocinava cada demanda cabeluda...
                Detestava injustiça, por princípio; secundariamente abominava agiota, banco, penhorista, receptador e senhorio. Ai daquele que um miserável qualquer lhe batesse à porta solicitando arrimo: Comia fogo, porque fazia pouca ou nenhuma distinção entre expedientes legais e inortodoxos para assegurar e/ou resguardar direitos dos seus constituintes.
                “Aprenda, rapaz! O que realmente interessa é o resultado, não os meios” – gostava de dizer.
                Considerado o ângulo de tais peculiaridades, era querido e odiado; não exigia recompensas de agradecidos, e nem se abalava com carantonhas de incidentais desafetos. Peitudo, ele.
                Instantânea e recíproca simpatia servira para nos aproximar, apesar da marcante diferença de idade. Tínhamos, evidentemente, conformidade nos gostos; e, logo descobri, nutria por mim algo parecido com sentimento fraterno – talvez até paternal. Fique claro que demonstrei agradecimento e retribuição à boa amizade até a morte dele, que infelizmente assisti.
                Noite de domingo, pouco antes do carnaval de 1970. Depois do horário de noivado atravessei a Senador Pacheco a fim de bater papo habitual na porta da casa dele: espreguiçadeiras na calçada, cervejinha, prato com ovos cozidos.
                Daí avistamos casal que vinha descendo pela rua, na altura da Barroso.
                 - A moça ali não é..., filha do...? O galego, quem é?
                 - Ela mesma; não conheço o camarada, não.
                Quando emparelharam, a jovem parou e disse:
                - Boa noite. Doutor..., Ferraz. Quero lhes apresentar o Engenheiro que está trabalhando no asfaltamento da rodovia que liga Teresina e Picos.
                Tendo levantado primeiro, cumprimentei:
                - Como vai? – estirando a mão.
                À vontade, afundado na cadeira e meio caneado, o  ... bufou para se erguer. Ao conseguir deu-se o vexame: desamarrada, obedecendo à gravitação a calça do pijama caiu-lhe aos pés.
                Se estivesse de cuecas, menos mal: mas estava em pelo!...
* Do livro Apanhados do Cotidiano

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

SEM TÍTULO


Isaias Coelho Marques

Uma curva em tuas flores de morta
recendia a miséria minimamente vivida.
No final daquela curva,
quantas ainda restarão?

Não contarão os dias infernais sem significados
nem aqueles em que teu sexo foi exposto à carnificina

Restam, porém,
você e o que virá após aquelas flores. 

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

SOPA DE PEDRAS


 Adaptação de A. J. de O. Monteiro
                Naqueles tempos sem televisão, sem jogos eletrônicos, sem celulares, sem computadores ou tablets e congêneres, a grande diversão da gurizada, principalmente nas noites, era ouvir histórias de trancoso. Sentávamos no chão, em volta de um adulto – no meu caso uma tia, a Tia Santana, que era exímia nessa arte. Contasse ela dez vezes a mesma história, sempre prendia nossa atenção, pois, criativa como ela só, reinventava as narrativas inserindo “cacos” e até novos personagens e situações inusitadas.
                Dentre as histórias do imenso repertório da titia, as que eu mais gostava eram as do Pedro Malasartes. Para quem não sabe, Pedro Malasartes é um personagem do folclore português e que foi incorporado ao brasileiro com se nativo fosse. Pedro Malasartes encarna o malandro astucioso e cínico que sobrevive de aplicar golpes às pessoas que por azar cruzem seu caminho. Caracteriza-se, também, pela total falta de escrúpulos ou remorsos. Das aventuras do malandro, uma agradava sobremaneira a “plateia” da nossa contadora de histórias: A SOPA DE PEDRAS. É assim:
                “Num final de dia, cansado e faminto, Pedro Malasartes avistou um casal sentado à porta de casa e resolveu pedir alguma coisa para matar a fome. Aproximou-se dos dois e fez uma breve narrativa de suas desditas. Acontece que o casal não era dado à caridade e despachou recomendando-lhe que fosse procurar trabalho. O espertalhão não se deu por vencido e choramingou: ‘Oh, cristãos, há dias não como, estou faminto. Deem-me uma panela, um pouco d’água e me deixem usar seu fogo para fazer uma sopa com umas pedras que trago nesta sacola.
                - Sopa de pedras? Que interessante e é muito barato, como se faz?
                Pedro então perguntou: nunca tomaram sopa de pedras? Não sabem o que estão perdendo. Garanto-lhes que é uma delícia.
                Os dois, já pensando em passar a perna em Pedro, logo o fizeram entrar, levaram-no até a cozinha, onde acenderam o fogo e deram a ele panela e água. Ele tirou da sacola duas pedras bem polidas e redondas, lavou-as cuidadosamente e as colocou na água já em estado de fervura.
                Observando o interesse o casal, Pedro disse que a sopa ficaria bem mais saborosa adicionando-se alguns temperos. O casal providenciou cebola, tomate, pimentão, sal e pimenta do reino, os quais Pedro colocou na panela, mexendo um pouco com uma colher de pau, dizendo que, com um pouco de toucinho e linguiça, a sopa ficaria irresistível. Prontamente o casal atendeu ao pedido. Pedro esperou o cozimento da sopa, então tirou da sacola um prato de alumínio e uma colher. O cheiro da sopa estava maravilhoso. Pedro sentou-se e tomou a sopa com muito gosto enquanto o casal observava. Ao fim, lavou os apetrechos e as pedras, colocando tudo na sacola. Os dois então perguntaram: ‘Vai levar as pedras’? Pedro então respondeu: ‘Vou, é claro, para fazer outras saborosas sopas de pedras onde me recusarem comida’”.
                Agora me diga: Pedro Malasartes não simboliza bem o caráter do brasileiro, principalmente dos políticos brasileiros?      

domingo, 12 de outubro de 2014

AQUI NESSE LUGAR...



Isaias Coelho Marques

Aqui nesse lugar
Do fim do mundo
Aqui é o começo
Para mim
Às vezes
Até esqueço
Que  o sofrimento
Tem pousada longa
 E a felicidade
 É aquela onda que quebra
Pra nunca mais
Aqui nesse lugar
Viver e não viver
Tanto faz

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

ERA SÓ ABRIR A PORTA*




Daniel Cariello**
               
               Era só abrir a porta e entrar. As pessoas na sala de jantar estavam ocupadas em compartilhar comida e conversa e, geralmente, nem notavam a presença de uma criança. Elas entravam para pegar um copo d’água, ir ao banheiro ou apenas passar da frente para os fundos da casa, em busca de uma rota de fuga rápida no pique-esconde.
            Um dia, a porta estava trancada. Não só daquela, mas de todas as moradas da rua. Sem entendermos bem o motivo daquilo, precisamos tocar a campainha apressadamente, porque o Nilton estava quase terminando a contagem alta até cinquenta e logo sairia para nos procurar. Atento à nossa aflição, seu Élbio deu dois giros ágeis na chave e nos deixou passar, como sempre.
        Tempos depois, um dos vizinhos colocou uma corrente com cadeado. “Para reforçar a segurança. Há muita gente estranha passando por aqui, não podemos bobear”, afirmou. Em um encontro fortuito no gramado central, desses que aconteciam toda hora, o assunto veio à tona e todos decidiram que não dava mesmo para bobear. Logo, as casas passaram a exibir um pingente de cadeado, ornando as grades de entrada. Para sair, já não bastava mais girar a maçaneta, agora era preciso duas chaves, o que obrigou os adeptos do pique-esconde a inventar outras rotas de fuga.
             Até chegar o dia em que alguém deu um basta, pois a situação estava “quase insustentável”, e levantou a primeira cerca, de ferro, de uns 2 metros, cheia de lanças em cima. Para as crianças, que ficavam o dia inteiro na rua e nunca haviam presenciado um episódio de violência, aquele encastelamento de um vizinho parecia muito desproporcional, mesmo que não soubéssemos o significado de desproporcional. E o pior é que alguns dos nossos amigos moravam ali e, às vezes, não conseguiam sair, porque ninguém sabia onde estavam todas as chaves necessárias.
            Como uma praga, a iniciativa contagiou os moradores. Não demorou muito, a casa da esquina subiu uma grande cerca. A da frente fez o mesmo e ainda instalou um interfone. Uma outra aproveitou as laterais já erguidas pelos vizinhos e só fechou a parte da frente. Rapidamente, todas estavam escondidas pelas enormes barreiras.
             Tão protegidas que já não sabíamos mais quem morava atrás daqueles muros. Tão invioláveis que ninguém mais passava por aquelas portas. Tão surreais que não mais se compartilhou conversa. E muito menos comida. Tão invencíveis que nunca mais brincamos de pique-esconde.
*Publicado originalmente em Veja Brasília de 08.out.2014
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br

terça-feira, 7 de outubro de 2014

SEM TÍTULO


Isaias Coelho Marques

Vida
em amplidões
de margaridas.
Vida
apertada em garrote vil
desencontrada
em outras mil.
Vida
de antes da vida,
sem dor.
Multiplicidade incolor.
Vida
passando
escorregando
entre dedos divinos...

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

O DISCURSO DOS “JOVENS HERDEIROS”

fuxiqueiro.viajeblog.com.br


Manoel Emílio Burlamaqui de Oliveira
               
           A ganância pelo poder tornou os mestres da politicagem piauiense, esquecidos e despudorados. Não pensam o que falam, da mesma maneira que não falam o que pensam... Não falam do que praticam, como não praticam o que falam. Contradizem-se com a maior tranquilidade, na convicção de que continuarão convencendo o povo de que eles serão, ainda, o santo remédio para os males do Piauí.
                Recomeçou o discurso da “reconstrução do Estado”... No próprio discurso, admitem que o Piauí transformou-se em escombros, porque não se reconstrói o nada. Reconhecem, insensatos como eles o são, que a deterioração do Estado deve-se às más administrações, aos maus políticos que têm dirigido essas administrações. E, tentam dar a entender ao povo, que eles nada têm com isso, como se estivessem ausentes, como se não existissem, como se não fossem, eles próprios, os donos do poder, os “representantes do povo”, os dirigentes do Estado, nestas longas décadas.
                Os Jovens Herdeiros, dos velhos “Coronéis” (alguns deles bem que merecem, ainda, o titulo de ‘coronel’), estarão renegando o seu passado? Estarão maldizendo o antigo (e atual) domínio do latifúndio, que impediu o desenvolvimento do Piauí, e que lhes entregou, como se fosse herança, o comando do Estado? Ou estarão fazendo um mea-culpa dos seus atos e omissões, que conduziram nossa terra à derrocada?
                De 4 em 4 anos, uns falam como oposição, outros defendem o governo. Depois, quase sempre, há um revezamento. Mas, o analfabetismo continua, a mortalidade infantil continua, o êxodo rural continua, o desemprego continua, as favelas continuam, e, eles, os políticos de sempre, continuam a falar que vão reconstruir o Piauí.
                Cícero, o tribuno romano, haveria de clamar, em linguagem atual, “até quando, minha gente, irão, esses demagogos, abusar de nossa paciência?”
                Não, os Jovens Herdeiros não estão arrependidos do que fizeram e do que fazem. Não estão maldizendo um passado que os colocou no Poder. Não estão insatisfeitos com os empregos de seus familiares. Não estão querendo devolver os cargos públicos por que tanto brigaram. Não torcem pela anulação dos contratos de serviços, de que tanto se beneficiam. Não estão pedindo para prestarem conta dos dinheiros públicos recebidos. Estão, isso sim, é querendo mais...
                Políticos profissionais, querem continuar a viver à custa do povo, a mandar à custa do povo, a gozar à custa do povo!
                Exploram, quando estão na oposição os salários de miséria do funcionalismo público, mas, os seus, estão sempre aumentando. E, tão profissionais eles são que já criaram aposentadorias para si próprios. Só falta a carteira do Ministério do Trabalho para nem precisarem mais de eleições nem de votos populares, pois se considerariam com estabilidade nesse emprego “representantes do povo”. Belos representantes!
                O discurso da “reconstrução” não vai mudar. O discurso da “moralização” não vai mudar. As promessas de sempre, nunca cumpridas, não vão mudar. Do mesmo jeito, com esses, “profissionais”, o Piauí, também, não vai mudar.
                Que tal mudarmos eles?
                Gente, isto foi escrito há 22 anos! E, tudo, continua sem mudar... Credo! Acho que vou deixar de malhar em ferro frio...

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

PROPAGANDISTA



A. J. de O. Monteiro

                Era mais ou menos assim, o tipo: chapéu de massa marrom ou preto, de abas largas, para proteger da canícula, calça e camisa de linho branco, bem passadas e engomadas; cinturão e sapatos mocassim também brancos, afinal o propagandista, como se auto intitulava, era um profissional da saúde e para os profissionais dessa área, as vestes brancas eram e são, ainda, marca registrada e símbolo de status.  Ele usava óculos tipo “ray ban”, de lentes escuras, cultivava um fino e bem aparado bigodinho e, quando falava ou sorria, deixava à mostra pelo menos um reluzente dente de ouro.
                Nos dias de feira ele chegava muito cedo as Praças da Bandeira ou Rio branco, escolhidas, creio, pela proximidade com o mercado central e com o centro comercial da cidade, pontos de convergência de seu “público alvo”: Pequenos produtores rurais que vinham à cidade em dia certo da semana, vender os produtos de suas roças e hortas e, ainda, animais de pequeno porte tais como suínos, caprinos e ovinos, bem como aves (galinhas, capões e perus).
                Os pequenos produtores logo vendiam seus produtos para os atravessadores de plantão e, com o apurado, faziam compras de gêneros alimentícios no próprio mercado e se dirigiam ao centro para adquirir outros produtos de loja, como peças de chita para a confecção de vestuário.  
                No trajeto entre o mercado e centro, os simplórios agricultores, que se deslocavam em grupo, encontravam, já devidamente instalado, o “propagandista”. Um pedaço grande lona estendido no chão, onde depositava vidros de todos os tamanhos e formas, arrolhados, com rótulos escritos à mão e envolvidos em papel celofane. Ao seu lado, também no chão,  o “propagandista” colocava uma cobra empalhada, com um cigarro na boca... O apelo era: “DAQUI A POUCO A COBRA VAI FUMAR”.