Daniel Cariello **
— Bom dia, senhor, eu preciso
carimbar um documento, por favor.
— Para carimbar documentos, você
tai ter de passar no Departamento das Demandas Dementes e conversar com o
subsecretário de autorizações urgentes. Ele vai consultar o secretário, que vai
falar com o diretor e pedir a anuência do gerente da área. Acontece que ele
certamente não tem poderes para deferir seu pedido, e vai solicitar gentilmente
o breve encaminhamento do seu documento à Secretaria de Serviços Simples e
Sossegados.
— É rápido?
— Claro que não.
— E não tem outra maneira?
— Até tem. Você pode passar na
Comissão das Causas Confusas e solicitar uma audiência com o relator de cartas
circulares. Ele não tem acesso ao carimbo, mas vai te apresentar o Cardoso da
contabilidade, que uma vez fez um favor à Danuza da informática, que já namorou
o Fonseca do almoxarifado, que emprestou uma grana ao Penedo da administração,
que dá sempre carona para a dona Solange.
— Então é a dona Solange que vai
me ajudar!
— Não. A dona Solange faz o
melhor café com pão de queijo da cidade. Você dá uma passadinha no local de
trabalho dela para recobrar as forças antes de continuar o périplo, que passa
pelo Tadeu da gerência, que...
— Ai, ai. Eu só preciso carimbar
esse papel. Não é possível que haja tanta burocracia.
— Bom, já que você tem pressa,
existe um caminho alternativo: passar na Administração dos Assuntos Adiáveis. O
gestor vai avaliar a pressa do seu pedido utilizando o algoritmo de Behr.
— Algoritmo de Behr?
— Uma fórmula desenvolvida pela
Nata dos Notáveis, que se reúne dez horas por dia, cinco dias por semana.
— Por que eles são notáveis?
— Porque se reúnem dez horas por
dia, cinco dias por semana e não chegam a conclusão alguma. Não é um fato
admirável? Assim que estão para terminar um assunto, a semana acaba e eles
precisam repassar o tema na segunda-feira seguinte, do começo, para que não
haja dúvidas sobre as decisões a serem tomadas. Em quinze anos de existência, o
grupo não resolveu nada.
— Você diz que a Nata dos
Notáveis não decide nada, mas não foi ela que criou o algoritmo de Behr?
— A fórmula está incompleta, mas
prometeram terminá-la na semana que vem.
— Então já vi, meu caso não tem
jeito, vou ter de desistir de carimbar minha certidão.
— Peraí, por que você não falou
logo que era uma certidão? Nesse caso, é comigo mesmo.
— Mas que sorte! Você pode então
carimbá-la, por favor?
— Desculpa, mas não vai dar.
— Não?
— Infelizmente, não. Você terá de
voltar depois.
O carimbo de certidões está
desatualizado. Mas não se preocupe, deve chegar um novo na semana que vem. Ou
no mês que vem. Ou no ano...
* Originalmente publicado na
revista Veja Brasília, de 6 de dezembro de 2013.