segunda-feira, 28 de abril de 2014

UM POEMA



Isaias Coelho Marques

Um poema como chocolate quente
embalando a doçura das crianças
como a água cristalina redentora
na boca desesperada do náufrago

Um poema chave
para enigmas simples
sem desespero
sem agonia
sem fim

quinta-feira, 24 de abril de 2014

KAFKA CANDANGO*



Daniel Cariello **

—  Bom dia, senhor, eu preciso carimbar um documento, por favor.
— Para carimbar documentos, você tai ter de passar no Departamento das Demandas Dementes e conversar com o subsecretário de autorizações urgentes. Ele vai consultar o secretário, que vai falar com o diretor e pedir a anuência do gerente da área. Acontece que ele certamente não tem poderes para deferir seu pedido, e vai solicitar gentilmente o breve encaminhamento do seu documento à Secretaria de Serviços Simples e Sossegados.
— É rápido?
— Claro que não.
— E não tem outra maneira?
— Até tem. Você pode passar na Comissão das Causas Confusas e solicitar uma audiência com o relator de cartas circulares. Ele não tem acesso ao carimbo, mas vai te apresentar o Cardoso da contabilidade, que uma vez fez um favor à Danuza da informática, que já namorou o Fonseca do almoxarifado, que emprestou uma grana ao Penedo da administração, que dá sempre carona para a dona Solange.
— Então é a dona Solange que vai me ajudar!
— Não. A dona Solange faz o melhor café com pão de queijo da cidade. Você dá uma passadinha no local de trabalho dela para recobrar as forças antes de continuar o périplo, que passa pelo Tadeu da gerência, que...
— Ai, ai. Eu só preciso carimbar esse papel. Não é possível que haja tanta burocracia.
— Bom, já que você tem pressa, existe um caminho alternativo: passar na Administração dos Assuntos Adiáveis. O gestor vai avaliar a pressa do seu pedido utilizando o algoritmo de Behr.
— Algoritmo de Behr?
— Uma fórmula desenvolvida pela Nata dos Notáveis, que se reúne dez horas por dia, cinco dias por semana.
— Por que eles são notáveis?
— Porque se reúnem dez horas por dia, cinco dias por semana e não chegam a conclusão alguma. Não é um fato admirável? Assim que estão para terminar um assunto, a semana acaba e eles precisam repassar o tema na segunda-feira seguinte, do começo, para que não haja dúvidas sobre as decisões a serem tomadas. Em quinze anos de existência, o grupo não resolveu nada.
— Você diz que a Nata dos Notáveis não decide nada, mas não foi ela que criou o algoritmo de Behr?
— A fórmula está incompleta, mas prometeram terminá-la na semana que vem.
— Então já vi, meu caso não tem jeito, vou ter de desistir de carimbar minha certidão.
— Peraí, por que você não falou logo que era uma certidão? Nesse caso, é comigo mesmo.
— Mas que sorte! Você pode então carimbá-la, por favor?
— Desculpa, mas não vai dar.
— Não?
— Infelizmente, não. Você terá de voltar depois.
O carimbo de certidões está desatualizado. Mas não se preocupe, deve chegar um novo na semana que vem. Ou no mês que vem. Ou no ano...

 * Originalmente publicado na revista Veja Brasília, de 6 de dezembro de 2013.
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris (www.cheriaparis.com.br)

segunda-feira, 21 de abril de 2014

RÉQUIEM PARA ZAIAZE LEBRE



Zara Truta

Oh impuro entre os impuros.
Oh desgraçado entre os desgraçado.
Oh tu que viveste tão brevemente
 e que, num único suspiro, num átimo,
vomitaste os mais infames versos.
Não nasceste morto posto que tinhas uma missão:
Lançar à terra a semente do mal...
E o fizeste bem.
Cumpriste, naquele átimo, o teu nefasto destino.
Nasceste e morreste.
A tua massa cadavérica, disforme,
condenada a permanecer insepulta,
lançada na sarjeta,
desprezada pelos abutres,
pelos urubus,
pelos vermes mais primitivos,
foi tragada pelo abismo mais profundo da Terra
E lá permanecerá “ad aeternam”.
O odor fétido que exalas não nos incomoda,
eis que Éolo, compadecido da humanidade,
Sopra incessantemente,
lançando-o para as dobras do Universo
onde pena tua alma
- se é que a tens.
Lá viverás o horrores da tua eternidade
urrando em uníssono
com teus pares: Átila, Hitler, Idi Amin e Sadam.
A todos negado o “réquiem aeternam dona eis”.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

O TEMPO E A JOVEM



Isaias Coelho Marques

A casa é nova,
a moça é jovem,
o ano ardeu em chama,
você já nem reclama.

A Casa sem telha,
a moça vem,
todos os anos passaram,
o tempo e a moça se separam.

O tempo é sempre,
a casa é velha,
a moça também.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

E TOME “BANANA”... OU, NAQUELES IDOS, ERA ASSIM (*)


Manoel Emílio Burlamaqui de Oliveira
        
     Este “assucedido”, verídico, aconteceu em tempos antigos num município do interior, antigo, com personagens antigas que eram alcunhadas de “Coronéis”, “Majores” e “Capitães”, com, datas e nomes não revelados, pois não carece procurar inimizades sem vê de que...
         Vamos aos fatos: Diariamente, os figurões mais respeitados e mais antigos da cidade, reuniam-se em roda na frente da casa do Cel. Mais idoso, para melhor diversão dos que nada tinham que fazer, isto é, falar mal da vida alheia... Não escapava ninguém, porque os faladores           eram os idosos daquele município, conheciam Deus e o mundo e não perdoavam os ausentes... E, por falar em ausentes, assim que um deles se retirava da roda, o pau comia – “vê, quando menino, vivia roubando fruta no quintal lá de casa!” ; saía outro – “esse se amigou com uma ‘gobilinha’ famosa, que fazia inveja aos colegas, mas a danada da jumenta só levantava o rabo pra ele...”; as risada e gargalhadas eram ouvidas de longe... E quando aquela matrona se escafedia devagarinho? “Eita ‘veinha’ sapeca, quando nova vivia detrás das portas, com a gente, lembra, fulano?”; Pior era com a outra comadre de batizado, “quando o compadre morreu, quase o caixão não coube, adivinhem por quê?” E, assim, iam todos pra casa, ficando, sempre, por último, um irmão mais novo do coronel, que dizia “saio por último, que então, ninguém fala de mim...”
         Taí, um engano da peste! Um dia, ia ele embora, quando tropeçou numa pedra e deu uma virada de  frente da casa; o que viu? O irmão lhe mandando umas bananas, como quem diz, “caboco mentiroso”... Arreliou-se e perguntou ao mais velho, “o que é isso compadre, nem eu escapo?” A resposta, na bucha, “nada não, compadre, foi o diabo duma muriçoca que chupou aqui, na junta do cotovelo”.
         E, nunca mais, se falaram... Tempo antigo era assim!
    (*) Do livro De Corpo Inteiro

terça-feira, 8 de abril de 2014

SOBRE “NÃO TEM REMÉDIO”



A. J. de O. Monteiro.
                A memória é um mecanismo interessante e pouco explicado. Alguns fatos por nós vividos ficam em algum desvão da mente por anos e anos, até que um dia um click de qualquer origem (externa ou interna) aciona essa máquina, trazendo para a tona fatos e imagens ali arquivados independentemente de nossa vontade.
                Dias atrás me caiu às mãos, um exemplar da revista Veja Brasília, que o nostálgico aqui leu de “cabo a rabo”, resgatando, a cada página, um pouco dos 22 anos que morou naquela cidade mágica, de onde saiu há 18 anos.
                Nas páginas coloridas da revista, revi lugares por onde, cotidianamente passei sem prestar muita atenção talvez na certeza de que “amanhã” veria novamente e “depois de amanhã” também. Afinal tudo estava ali a meu dispor era como se tudo aquilo fosse meu e, nesse caso, o olhar do “dono” é displicente. Diferentemente do olhar do visitante que esmiúça as novas imagens em seus detalhes como se dissesse: - “tenho absorver disso o máximo, pois não sei se terei nova oportunidade de ver”. Fotografa tudo com as memórias que tem: a mecânica e a mental, para mostrar e narrar depois.
                Na última página da revista, deparei com uma crônica sob o título: “Não tem remédio”. De pronto pensei tratar-se de uma abordagem ao sistema político brasileiro – sem remédio mesmo – ou algum artigo médico a respeito de uma doença incurável. Afinal a imprensa fatura horrores explorando o caráter hipocondríaco do brasileiro que se reflete na pujança da indústria farmacêutica e no enorme e escandaloso comércio de medicamentos. Mas, não é nada disso.
                A crônica de Daniel Cariello, que republiquei no “Brogue da Tia Corina”, expõe de maneira bem humorada um “problema” que aflige os visitantes ou os chegantes à Brasília nos seus deslocamentos a procura de um endereço. Se ele vai a uma “Super Quadra” ou a uma “Entrequadra”, não pode errar a “tesourinha de acesso ao destino”. Se isso ocorrer, deve encher-se de paciência, tentar voltar ao ponto de partida e fazer nova tentativa.
                Após a leitura da crônica, fiquei a recordar diversas situações semelhantes pelas quais passei, principalmente nos meus primeiros anos de “candango”. Passei por esses apuros tanto no Plano Piloto quanto nas Cidades satélites cujas concepções urbanísticas formam verdadeiros labirintos.
                Portanto, caro amigo, se você for à Brasília pela primeira vez, recomendo levar mais que um par de sapatos e dinheiro bastante para usufruir do excelente e caro polo gastronômico da Cidade... Boa viagem... E saúde!