terça-feira, 31 de março de 2015

O OUTRO



Isaias Coelho Marques

Feito de mim mesmo,
onde estará o outro em mim
ou o eu em todos, antes do fim,
se de mim não saio e ando a esmo?

segunda-feira, 16 de março de 2015

DEU ESCOCÊS NO SAMBA



A. J. de O. Monteiro

                Era um sábado despretensioso como todos os sábados antecedentes ao carnaval 2015. Lá estava eu sob a sombra de um frondoso oitizeiro do bar de D. Mariquinha – lugar aprazível, garanto – quando uma forte lufada, vindo pelo lado sul, quando o normal ali é o contrário. O vendaval repentino derrubou cadeiras e fez voar as toalhas das mesas. Incontinente um arrepio tomou meu corpo e pensei: - “O Mago está por perto”. Não deu outra. Logo ouvi o ronco do “rocinante”, apelido que ele mesmo deu ao seu querido fusquinha... Estacionou e veio até a mesa em que me encontrava, enquanto os funcionários do bar tratavam de recompor o ambiente desarrumado pela ventania, estranhando o despropósito da mesma, mas sem desconfiarem, ao menos, da sua causa que estava ali presente. O Mago chamava aquele vento de “vento precursor”. Cumprimentou-me, tomou assento e acomodou sua inseparável bengala de bambu vietnamita. Nessas ocasiões – em bares, principalmente, Ele usava roupas comuns para evitar chacotas e suas próprias reações.
                Esperei o fim de seu ritual de acomodação, para então perguntar: - “Então Mago, por onde andou essa sumidade (sem trocadilho)? Há quanto tempo não o via”. Ele pigarreou e disse que andara recolhido trabalhando em novas poções para a cura da chicungunya. Doença que vem apavorando a população, principalmente aqueles que, como ele, já andam curvados pelos anos... – “Mas - disse ele abruptamente e no seu estilo – deixemos de prolegômenos e vamos ao que interessa”: “Vim comunicar-lhe que neste carnaval serei homenageado pelo Grêmio Recreativo Escola de samba Pau da Paciência”. “Serei o tema da Escola no desfile deste ano, com todas as alegorias fazendo alusão à minha estória e às coisas correlatas a ela. O samba enredo, composto pelos velhos sambistas da Escola tem com título ‘Mago Manu, Dois Mil Anos de Sabedoria e Benemerência’. (depois fiquei sabendo que o título fora sugestão d’Ele mesmo).
                Meio aparvalhado pelo inusitado da notícia, perguntei tentando disfarçar o riso: - “Mas, Mago... dois mil anos”? No que Ele, com certo ar de indignação respondeu professoralmente: - “É que vocês não entendem. Essa sabedoria de dois mil anos é o conhecimento acumulado desde o mais antigo de nossa linhagem de magos. Talvez você entenda melhor se associar à história em quadrinhos o ‘Fantasma Que Anda’. O super herói tido como imortal, na verdade era uma linhagem onde os filhos sucediam os pais quando este morriam ou envelheciam, sem que ninguém percebesse o fato e a aura de imortalidade era preservada”. “O conhecimento que tenho, prosseguiu Ele, é transmitido em minha linhagem, de geração para geração. Entendeu”?! “No entanto, caro amigo, como você sabe, a GRESPP é carente de recursos fiduciários para fazer frente ás despesas de um desfile dessa magnitude (Mago não é nada modesto). O dinheiro disponível, do auxílio da prefeitura, não da para confeccionar as fantasias, carros alegóricos e alegorias de mãos. Sei que você não dispõe de grana e por isso gostaria que intercedesse junto aos nossos amigos mais abastados para angariar o necessário”. “Fale, pois, com Jaconias Bardo, com Erosdito Pau D’Arco e com o Esculápio Rodrigues”. “Eles têm ‘bala na agulha’.”

O CRIATIVO CESINHA


Marcus Vinicius Chagas Spinelli

                Cesinha é um cara respeitado, bem casado e mora no bairro Estação da bela cidade de São Lourenço, que fica localizada no chamado "circuito das águas" no sul de Minas Gerais.
                 Quando Cesinha está inspirado e com bastante sede, vai mitigá-la no bar do Geraldo que tem um "trailler" perto de sua casa, tomando uns goles de cachaça e algumas cervejas. Em certas oportunidades dessas idas do Cezinha ao bar do Geraldo eu, Marcus Spinelli, também estava lá, fazendo a mesma coisa que o iluminado Cesinha. Neste clima ameno e prazeroso, logo tem início um colóquio, desses de bar, onde falávamos de tudo: Situação do país, mulheres, fofocas etc.
                 Aí, não sei se por força das “cagibrinas” ingeridas ou por qualquer outro motivo, o insigne Cesinha, no meio da conversa, disparava suas pérolas tais como: “Pelé nasceu em Dom Viçoso”- quando todo mundo sabe que Pelé nasceu foi em Três Corações - ”Eu vomitei um câncer”, explicando: “um carnegão avolumado cheio de capilares enraizados" e por último, mas não menos inusitado - "eu tive um enfarto na coluna vertebral", mas sem antes enfatizar dizendo: "eu não minto nunca".
                  Para não validar a sabedoria popular de que quem cala consente, retrucava-o indagando se esta sua assertiva: "eu não minto nunca", já não é uma mentira...?
                 Vale salientar que essas afirmações que o preclaro Cesinha faz por aí, especialmente no bar, são esparsas e lançadas em meio a qualquer assunto, mesmo que totalmente fora de contexto. É que o pensador Cesinha, aposentado que é, dispõe de tempo e imaginação para engendrar suas puríssimas pérolas.
                   Deixo para vocês leitores a seguinte pergunta: será que Cesinha mente ou não mente? Ou se se deleita em criar factoides?
                 “Dai a Cesar o que é de Cesar”.

A ERA DO HUMANISMO – INTRODUÇÃO



Manoel Emílio Burlamaqui de Oliveira.
               
                Há tempo, leio e escuto muita gente empregando termos como "democracia", "cidadania", "estado democrático", "governabilidade", "desenvolvimento", "crescimento econômico”, "políticas sociais", e outros mais, no afã de defender suas convicções político-ideológicas, elogiando/condenando governos de todos os tipos, inclusive os ditatoriais.
                A grande maioria dos que se utilizam desses termos em seus discursos, parece desconhecer os seus significados. No entanto, muitos o fazem de má-fé, para se conservarem no poder, (vejam os políticos), e outros, também, conscientemente, na defesa de seus interesses, ou de sua classe econômica, ou, mesmo, de sua ideologia.
                 Desde criança, tenho vivido fatos que, de alguma maneira, influenciaram a mim, e às gerações contemporâneas, o nosso comportamento dentro de uma sociedade que sofre mudanças, resultantes de decisões dos que detém o poder político-econômico, isto é, daqueles que conservam para si próprios o domínio do conhecimento e da tecnologia. Tais mudanças acontecem face o estado de alienação da grande maioria das populações que, por isso mesmo, são alijadas dos processos decisórios.
                Tais mudanças, pela velocidade com que ocorrem, trazem impactos na vida das pessoas, obrigando-as a um enfrentamento, somente possível, mediante organizações, que as possam analisar e criticar. Mas, não só isso. Sobretudo, para que sobrevivam e se imponham aos grupos dominantes, forçando uma participação, principalmente, na política social, nas decisões que afetam, em última análise, o bolso da população, ou, em outras palavras, o bem-estar social. Evidentemente, mudanças na política social implicam em mudanças na política econômica. Como a economia está, mais que nunca, internacionalizada, tudo que lhe diz respeito depende de um confronto de forças, visível, hoje, entre dominantes e dominados, o que força, os últimos, a se unirem, conforme a velha máxima “a união faz a força”.
                A conquista da soberania, pelos estados, que marcou o século XX, ficou para trás, pois isto não existe na sociedade globalizada. É a conquista da cidadania, pelas pessoas, que importa, onde a fala não é a libertação, mas a participação, vez que os caminhos e a caminhada, são comuns, não individuais.

quinta-feira, 12 de março de 2015

DF-002*





Daniel cariello**

Estamos quase no Eixão, uma autoestrada que corta a cidade ao meio. O quê? Não sabia que era uma autoestrada? Quase ninguém sabe, mas é. Ela exibe como nome oficial DF-002, mas até para Brasília, chegada em um cartesianismo, essa alcunha soa muito dura. Eixão é melhor. E é melhor ainda não pegá-lo perto das 6 da tarde, porque tem risco de encrencar. Mas agora, de madrugada, trata-se de uma ótima experiência. Principalmente escutando música. Eu ia sugerir Kraftwerk, mas alguém roubou minha ideia, antes que eu a tivesse, e fez um vídeo que rodou as redes sociais. Procure, você vai gostar. Vamos de artistas locais, também chegados numa eletrônica, a exemplo de Deltafoxxe ^L_. Não sei como se pronuncia esse último. Duvido que ele mesmo saiba. Escolha um e dê play; já entramos no Eixão. A viagem é longa: são 13 quilômetros. Acelere, mas se mantenha em 80, senão o pardal pega. E, agora, parece que o pardal ficou bom em matemática, calcula a velocidade média. Multas exponenciais, verdadeiro terror. Desde Hitchcock, pássaros não amedrontam tanto. A diferença está no fato de que os de Brasília não atacam os corpos, só os bolsos. Mas a ferocidade é a mesma. Olha, já é a rua do Beirute Norte. Como eu sei? Eu sei, ué. Não é verdade; não é tudo igual. Logo ali tem uns prédios diferentões. Para alguns, parecem transformadores elétricos. Aumente o som, essa parte é eletrizante. Esse disco foi elogiado em sites e revistas do mundo todo. Conheço o bicho, climas meio down são a cara dele. O som combina com a leve descida que começa daqui a pouco. Depois do viaduto, vai dar para ver o Conjunto Nacional, que era mais bonito na época do neon, antes de virar esse varal de outdoor. Gosto mais do Conic. Já vi show dos Wallaces no Ritz, o cinema pornô que fechou. E todos os filmes dos Trapalhões com a minha avó paterna no Cine Atlântida. Choramos juntos o cachorrinho Lupa, do Didi, em As Minas do Rei Salomão. O cinema faliu e virou uma próspera igreja. Trocou o álbum? Deltafoxx é bacana. Já escutou a gravação deles com o Beto Só? Tem aí, coloque bem alto, para as superquadras ouvirem. Aqui é mais familiar, sempre morei na Asa Sul, mas um dia ainda vou para a Norte. E esse cara atravessando a pista a esta hora? Maluco, passou na minha frente, nem para esperar. Quase não vi. Seria um atropelamento cinematográfico. E olha o Cine Brasília. Um programa sem erro é sair do festival e ir para o Beirute Sul. Dá para ir a pé, mas sabemos que pedestre em Brasília é quase miragem. O Eixão acaba bem ali, mas ainda dá para continuar o giro, sempre em velocidade de cruzeiro. Quer?

*Publicada originalmente em Veja Brasília de11.mar.2015.
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Pariswww.cheriaparis.com.br

quarta-feira, 11 de março de 2015

A ENTREVISTA



Poncion Rodrigues*

REPÓRTER:
- Nobre parlamentar, homem atento que é, vossa excelência deve estar, como toda população brasileira, amedrontado, e até estarrecido - usando o termo preferido da nossa presidenta, com a onda avassaladora da violência cotidiana. Em todo o território brasileiro, assassinatos são cometidos impunemente, sob a proteção das leis, por latrocidas adolescentes, digo, crianças infratoras.
Sabendo que a única forma de enfrentamento eficiente da questão impunidade, que estimula aqueles infantes sanguinários - movidos por pura crueldade, quer dizer, aqueles meninos peraltinhas - movidos por arroubos juvenis, seria uma ação enérgica e imediata do Congresso Nacional, através da mudança das leis que protegem e estimulam aqueles assassinos, digo, aqueles infantes voluntariosos.
Que tipo de atividade os eleitores podem esperar de vossa excelência, no sentido de sanar essa chaga horrenda?
PARLAMENTAR :
- É óbvio que estamos vivendo uma crise energética, e que, apesar de todos os esforços empreendidos por nossa querida presidenta, e pela base aliada, iremos depender da benevolência divina, nos mandando chuvas abundantes.
Somos um povo pacato e feliz e não será qualquer apagãozinho que irá atrapalhar os caminhos da pátria educadora rumo ao futuro reluzente do nosso Brasil.
REPÓRTER:
- Excelência, minha pergunta talvez não tenha chegado com clareza aos vossos nobres ouvidos. Eu indagava sobre qual sua ação parlamentar, no sentido de barrar, com urgência, a carnificina que é praticada, à nossa volta, pelos bandidos mirins.
PARLAMENTAR:
- Eu sempre tenho dito que minha posição permanecerá firme na defesa intransigente dos direitos constitucionais dos plantadores de repolho e de outras hortaliças, cumprindo com fidelidade minhas promessas de campanha.
REPÓRTER:
- Nobre parlamentar, com todo o respeito que sua Augusta figura merece... E A VIOLÊNCIA EXCELÊNCIA?! 
PARLAMENTAR:
- Violência? Que violência??

*Poncion Rodrigues é médico.

terça-feira, 3 de março de 2015

SERTÃO DE DENTRO



Isaias Coelho Marques

Dentro do coração
Eterna aridez
da solidão

DILMA CONTRA MÉDICOS- UMA PERIGOSA OBSESSÃO



Poncion Rodrigues*

Parece existir algo de patológico no ódio gratuito e inconsequente que nossa gerenta nutre pela classe médica brasileira.
Além da ideologia bolivariana que impõe a presença de “médicos” cubanos com frágil formação acadêmica, por isso mesmo dispensados de submeter-se ao constrangimento da revalidação, e trabalhando nos casebres apelidados de “Postos de Saúde”, constata-se uma espécie de mágoa secreta contra o profissional médico brasileiro.
É comprovado que todo indivíduo adulto terá sido resultado de experiências vividas, das feridas da alma e das frustrações de sonhos, além, é claro,de vitórias e conquistas que tenham vivenciado.E que lhe moldaram o caráter e o espírito.
Imaginemos uma menina pré-adolescente que sonhava com a carreira médica, na idealização do futuro, em sua cabecinha infanto-juvenil. Alguns anos depois, enquanto jovens universitários corriam em busca de suas sonhadas profissões, nossa heroína empunhava armas de fogo assaltando bancos para financiar a luta preconizada pela ideologia da ditadura de esquerda, que  então lhe seduzira a mente  receptiva, encantada com a ilha mágica de Fidel Castro e Che Guevara.
Dezenas de anos após, no país sacolejado por seguidas crises de identidade, encontramos nossa quase futura médica, cujo único predicado era ser cúmplice, digo, amiga, do rei; ligação que terminou lhe catapultando aos píncaros do poder real.
Agora ela estava no comando, e as feridas geradoras do caráter prepotente dariam o tom de sua patética passagem pelo poder. Foi então que a gigantescas frustrações, hospedadas nas abissais profundezas de sua alma em ebulição explodiram contra cada médico brasileiro que ela não conseguira ser.
Entenda-se portanto, e se possível, perdoe-se, as hostilidades perpetradas por sua excelência contra a classe médica, não como mais uma, dentre suas incontáveis peraltices ( petrolíferas ou não) e sim uma enfermidade corrosiva que vem acometendo sua alma medíocre e inquieta.
*Poncion Rodrigues é Médico.



A ARTE DA VENDA*



Daniel Cariello**

Um ônibus parte lotado da rodoviária do Plano Piloto em direção à saída Sul. O ambulante, então, começa a anunciar seu produto, sem imaginar que teria concorrência.
— Olha a arnica! Senhoras e senhores, a arnica é a cura pra tudo. Pra gripe, resfriado, mau-olhado, pereba, pedra nos rins, pedra na cabeça, bicho-de-pé, bicho que não fica de pé, piolho, pulga, carrapato, dor de ouvido, dor de barriga, dor de corno, nó nas tripas. Se pagar uma, leva duas. Se pagar duas, leva...
Subitamente, foi interrompido por um tostão na coxa, aplicado por um sujeito que estava ao lado e tomou a palavra antes de qualquer possibilidade de reação.
— Leva o diabo, ó, Senhor! Só você, Deus, pode levar o rei das trevas embora! (Cochichando: “Dá licença, seu Arnica, que o ônibus está cheio e também preciso fazer minha pregação. Ainda faltam duas para completar a meta de hoje”.) Com licença, senhoras e senhores. Meu nome é Jerônimo, sou ex-drogado, ex-alcoólatra, ex-ladrão, ex-infiel e ex-deputado. Eu sei, cometi muitos erros, mas agora estou aqui para trazer a palavra…
— Palavra que vou fatiar inteira, aqui mesmo, na frente de todos.
Quem disse isso (gritou, na verdade) foi um terceiro homem, do fundo do ônibus, para surpresa dos outros dois. E tirou de um grande saco um objeto branco, com uma lâmina no meio, passando-a inadvertidamente perto do nariz de uma velha que já cochilava e nem viu o que acontecia, ao contrário dos demais passageiros, espantados. Sacou uma maçã e a descascou ali mesmo.
— Vou fatiar todas as frutas e verduras com este prático e lindo multidescascador. Dou a minha palavra que ele funciona de verdade. Vejam como picota a maçã em cinco segundos. E essa cenoura? Parece papel! Este aparelho é tudo de que você precisa na sua casa, minha senhora. É tão fácil de usar que até seu marido vai poder ajudar na cozinha. Desculpem aí, maridos, mas agora vai acabar a moleza…
— Moleza terá quem se tratar com esta planta maravilhosa — interrompeu o seu Arnica. — É a cura pra todos os males...
— Os males só quem cura é o Senhor — interpelou o ex-tudo. — Um sujeito sem fé é um sujeito sem força…
— Sem força nenhuma, eu prometo, você vai descascar tudo sem fazer força — entrecortou o vendedor. — É só aqui na minha mão.
O jogral involuntário ainda continuou por alguns minutos e arrancou aplausos dos passageiros quando os três, sincronizados também na desistência, resolveram
descer do ônibus ao mesmo tempo.
Sem convencerem doentes, fiéis ou clientes, mas tendo arrebatado uma plateia entusiasmada, olharam-se e souberam que teriam mais sucesso se trocassem a arte da venda pela venda da arte. Mas deram as costas e seguiram seu caminho solitário.

Publicado originalmente em Veja Brasília de 25/02/2015
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Pariswww.cheriaparis.com.br