quarta-feira, 30 de setembro de 2015

terça-feira, 29 de setembro de 2015

O UMBUZEIRO, O CIRCO E O BERRO DO QUINCAS


A. J. de O. Monteiro

Aquelas férias se prenunciavam como as mais monótonas. Não havia perspectiva de viagem para o litoral; tão pouco para alguma outra cidade do interior e, nem mesmo, para alguma fazenda ou sítio nas proximidades. Não recebi qualquer convite de parentes ou de amigos, como sempre ocorria nessas épocas de férias escolares.
A cidade pequena pouco oferecia em termos de lazer, o que provocava um verdadeiro êxodo da estudantada nesses períodos. Rumavam para o litoral, para o interior, ou para fazendas e sítios onde se pudesse desfrutar do justo e merecido descanso de livros, professores e deveres de casa. Que inveja! Eles lá curtindo o mar, ou delícias do interior e eu cumprindo entediante rotina para um menino de dez anos. O drama só não foi maior porque uns poucos amigos também ficaram na cidade, com os quais preenchia o ócio com atividades possíveis. Nossa primeira semana de férias foi assim: Da segunda ao sábado, futebol pela manhã e a tarde. À noite reunião na esquina mal iluminada para a resenha do tédio. No domingo, uma pequena quebra dessa rotina, mas caindo na rotina de todos os domingos do ano: Logo cedo banho e roupa de missa na capela do bairro, levado por condução coercitiva e em jejum para o sacramento da comunhão. Cumprida a obrigação espiritual estava liberado para a manhã de sol na piscina do pequeno clube local onde, cada centímetro cúbico d’água era disputado promiscuamente por crianças, adolescentes e adultos. Na tarde havia a possibilidade de optar entre a vesperal nos cinemas e o futebol, acompanhando pelo rádio os jogos do Rio e S. Paulo, ou assistindo jogos do campeonato local no acanhado estádio da cidade. A noite domingueira era animada, pois além da resenha sobre os filmes em cartaz, rolava gozação das torcidas dos times vencedores em cima dos que perderam. A maior zoeira que, não raro, terminava em discussão, rapidamente contornada pela turma do deixa disso.
A primeira semana foi suportável, até mesmo pelo sentimento de descompromisso com colégio, aulas, deveres de casa e professores... Mas, na semana seguinte, na segunda feira mesmo, o enfado de todos era aparente. A esquina da resenha noturna virou um verdadeiro muro das lamentações, até que o Quincas levantou-se e propôs a ideia mais idiota que já ouvira: — “Vamos montar um circo!”. A gargalhada foi geral. — “O Quincas endoidou”, disse um. — “Que ideia maluca é essa, Quincas, fazer um circo?... Como?”. O camarada, que provavelmente já trouxera o assunto pensado, explicou: — “Ora, não é tão difícil assim, não... Compramos uns metros de corda, pegamos uns cabos de vassoura e armamos dois pares de trapézio nas galhas do umbuzeiro da casa do Manteiga... Serei o trapezista, obviamente, por ser o mais atlético da turma...” Isso era verdade, o Quincas vivia marombando... Alguém ainda questionou: — “Um circo só com número de trapézio... Vai mesmo ser um sucesso...” Nisso Dofim, o engraçadinho da turma levantou a mão e disse: — “Vou fazer o palhaço!”. Pingo, animado, complementou: — “Faço escada para o palhaço!”. Suçuarana, que recentemente havia sido sorteado com o uniforme completo de patrulheiro toddy (camisa, calça, botas, chapéu, estrela e um cinturão com dois pares de coldres e revólveres de espoleta) – do qual só saia para tomar banho – prontificou-se a treinar e apresentar números de habilidades com revólveres e laço, tal qual nos filmes de “cowboy”.  Até a Fatinha, que depois da premiação do Suçuarana passou a frequentara as nossas resenhas, autoproclamou-se mocinha e assistente dele, acrescentando que tinha uma fantasia de dançarina de “can-can”, ideal para o Papel... Hora de ir pra casa, dormir... Acertamos reunião para a manhã seguinte, bem cedo, no quintal da casa do Manteiga, a fim de discutirmos a operacionalização da empreitada.

domingo, 27 de setembro de 2015

TEU NOME


Isaias Coelho Marques

Sei do tempo
Quase nada
Apenas essa Madrugada insone
Onde o tempo parou
Suado, sufocado
Pela presença
De teu nome

sábado, 26 de setembro de 2015

SEM TÍTULO


Isaias Coelho Marques

Ser original
È copiar de maneira única.

O PORTEIRO E O PRESIDENTE*





Daniel Cariello**

Bom dia, Seu Antônio. Bom dia, presidente, tá chique hoje! Chique, seu Antônio? Só coloquei uma calça jeans. Então, pra quem vive de bermuda, calça jeans é quase terno. Obrigado, mas pode esquecer essa história de presidente, não mando em nada. Você é presidente da sua própria existência. Quem me dera, seu Antônio. Depois que virei pai, meu poder de decisão sobre minha vida se limita a escolher entre doce de leite ou iogurte na sobremesa. Sei como é, meu filho, mas no meu caso o iogurte já acabou.
Faz tempo que é porteiro? Onze anos. Tenho sessenta e seis. E antes, fazia o quê? Copeiro do Banco do Brasil. Gostava? Gostava, mas começou a cansar as pernas. Aqui é melhor, chego cedo, fico sentado, bato papo e vejo o biguibrod. Vê o quê? O biguibrod, aquela TV ali com câmera pra todo lado, mostra quem entra, quem sai, quem sobe, quem desce, quem chama, quem espera, quem tudo. E dá pra acompanhar? Dá, mas de vez em quando eu tonteio todo de tanta TV e abro a porta da frente achando que é a de trás, a de trás pensando ser a garagem e a garagem imaginando atender o interfone. E é verdade o que dizem por aí, o síndico controla as câmeras da casa dele? Olha, o povo fala de tudo, mas eu não sei de nada. Tá certo. Vou sair. Abre a porta pra mim? Abro, claro.
Seu Antônio, abre a porta, por favor! Seu Antônio, aqui fora. Onde? Agora vi! Obrigado. De nada, mas você não tava aqui agora mesmo, presidente? Tava, mas saí e voltei. Voltou tão rápido que não deu nem tempo de ir. Era coisa simples, só fui comprar um parafuso do outro lado da rua. Pois não precisava, aqui na gaveta tem aos montes. Também tem aos montes lá em casa, menos o que eu preciso. É sempre assim, 
Você de novo, presidente? Voltei, o parafuso não era o certo, ficou solto no furo, não tenho grandes habilidades de bricolagem. E o que colagem tem a ver? Parafuso se parafusa, não dá pra usar cola. Bricolagem, seu Antônio, esses pequenos serviços manuais. Tá certo. Vou trocar ali na loja.
Seu Antônio, tô aqui fora, pode abrir? Ô, presidente, vai desculpando, não te conheci no biguibrod, você tava de lado, não deu pra ver o rosto. Tudo bem, mas a campainha não tá funcionando? Apertei que nem um doido. Ah, o barulho era da campainha, tava pensando que vinha do rádio. Trocou o parafuso? Troquei. Agora, vai.
Presidente, vai me dizer que o parafuso não funcionou. Funcionou nada. Deixa ver. Tenho o que você precisa aqui na gaveta. Leva esses dois.
Seu Antônio, seu parafuso resolveu. Toma aqui o que sobrou. Fica de presente, presidente, ainda vai ser útil. Aproveita e joga uns velhos fora. Valeu! A gente adora acumular coisa inútil e aí não sobra espaço pro necessário. E como descobrir o que é necessário, seu Antônio? Ah, isso a gente vai aprendendo, presidente.
* https://www.facebook.com/cartasdaguanabara
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Pariswww.cheriaparis.com.br.


quarta-feira, 23 de setembro de 2015

CERTIDÃO*


Daniel Cariello**
Na fila do cartório, ele achou que a havia visto. Mas não, não podia ser. Diziam que ela se mudara pra outra cidade. Outro país, até. Ele escutara boatos de que ela teria entrado em um convento ou virado aeromoça, o que pra ele dava no mesmo.
Mas era incrível, o nariz era muito parecido com o dela, aquela curvinha arrebitada. Ele se lembrava bem do nariz, ponto proibido de tocar, terminantemente interditado, pois ela sentia muitas cócegas.
- Vinte e nove, vinte e nove, quem é o vinte e nove?
A funcionária do setor de autenticação olhava com ar desolado aquele amontoado de gente, provavelmente sabendo que chegaria mais uma vez tarde em casa. E ele, geralmente solidário com a miséria alheia, ao menos na intenção, não estava preocupado com a novela que a atendente perderia naquela noite. Seu pensamento, bem como todos seus sentidos, tinham um único alvo: a moça da fila, localizada sete ou oito posições à frente.
Ela soltou os cabelos presos. O movimento era idêntico ao de quinze anos atrás, mas o comprimento das madeixas havia mudado. Antes, chegavam no meio das costas. Agora, mal passavam a linha do ombro.
Puxa vida, já faz tanto tempo, ele pensou, e tudo durou exatamente três anos, dois meses, quatro dias e duas horas cravadas. Ele sabia os números, datas, lugares, canções e sabores de cor. Só não sabia, nunca soube, por que tudo havia acabado.
Ela se virou para buscar um papel no fundo da bolsa e ele teve certeza de que era realmente seu antigo amor. Estava tão linda quanto em sua lembrança congelada. Os mesmos olhos um pouco puxados e estrábicos, a mesma boca carnuda, escondendo uma arcada tão perfeitamente alinhada que poderia figurar em um comercial de pasta de dentes, as mesmas sobrancelhas cuidadosamente alinhadas, as mesmas três argolas em uma orelha e duas na outra. Tudo exatamente como antes.
- Trinta e dois, o trinta e dois tá aí?
Era ela o trinta e dois. Tirou um envelope e entregou pra moça copiar e autenticar. A atendente resolveu tudo de forma eficiente e automática, como os funcionários dos cartórios geralmente fazem. Não sorriu e nem fez cara feia. Entregou o pacote de volta, uma notinha para o pagamento e retribuiu o agradecimento.
- Trinta e três, cadê o trinta e três, hein? Trinta e três.
Ele não poderia deixá-la escapar sem antes falar algo, qualquer coisa. Quando pensava em como iria abordá-la, ela tropeçou, como sempre fazia, e esparramou os papéis pelo chão. Ele, mais do que depressa, abaixou-se para recolhê-los. Ela também. Ele pegou antes o documento autenticado.
- Certidão de casamento? Você casou?
A frase saiu em voz alta. E no mesmo instante seus olhares se cruzaram. Ela, que ainda não o havia visto, descobriu-o com um misto de surpresa e horror. Ele, que não sabia da nova vida de sua eterna amada, permaneceu petrificado. O que os dois pensaram nesse átimo só eles sabem, mas ela juntou desordenadamente a papelada e apressou-se em alcançar a porta de saída.
Pela parede de vidro ele a viu enxugar uma lágrima. E ela nem percebeu que a certidão ficara com ele.
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Pariswww.cheriaparis.com.br

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

ESFORÇO HERÓICO*


Daniel Cariello**

Igreja da Penha. São 382 degraus. Trezentos e oitenta e dois! Onde estava com a cabeça quando fiz essa promessa? E ainda adiantada? Nunca vi isso, pagar antes do milagre realizado. Fui empolgando e, quando vi, já tinha me comprometido, na frente de todo mundo. Agora, tenho que cumprir. Tentei negociar subir a pé, de costas, de cachorrinho, fazendo moonwalk, lendo Paulo Coelho em albanês, batendo uma maionese, mas eles não quiseram saber. “Nada disso, de joelhos!”, decretou o Julinho. “Assim, a promessa tem mais força. E você sabe bem o quanto estamos precisando". Tá bom, vamos começar. Espero que o sacrifício valha a pena.
Degrau 135. Ainda restam 247 e o fôlego já tá rareando. Minha calça rasgou nos dois joelhos. Ô, de cima, anota aí. Isso deve valer um bônus. “Penha, Penha, eu vim aqui me ajoelhar”, cantava Luiz Gonzaga, todo pimpão, na maior alegria. Du-vi-do que tenha subido. Escadaria no joelho dos outros é refresco, né?
Duzentos e setenta e seis. Tem mais de 100 pela frente. E para cima, o que é pior. Quero minha mãe. Quero a virgem Maria. Quero a Gisele Bündchen. Aliás, mereço a Gisele Bündchen me fazendo cafuné. Ela pode até me puxar com uma coleira, contanto que me ajude a escalar. Ei, olha lá: eu sofrendo e aquele carinha ao lado subindo plantando bananeira e na maior velocidade. Nem sente. Acho que o conheço. Será?
Trezentos e setenta e oito. Faltam 4! Quatro longos degraus. Vale se eu me arrastar como uma lagartixa? Posso usar o queixo pra me puxar? Eu só quero chegar. Depois, desço rolando, nem me importo.
Três. Não sinto minhas pernas. Não sinto meu tronco. Não sinto minha cabeça. Sinto saudades da Dona Creuza, que nem sei quem é, mas com certeza está em situação melhor que a minha.
Do-is. O da bananeira já chegou. Ele está fazendo flexões com três crianças nas costas? Devo estar delirando.
Um. Força. Cheguei... Meu cérebro vai...
Ele apaga e acorda duas horas depois, cercado de curiosos. Um desconhecido o aborda. Ele toma fôlego pra responder.
— Tá bem?
— Acho que sim.
— Você chegou e desmaiou. Espero que a promessa tenha valido a pena.
— Vai valer. Tem que valer... Vim em nome de toda a nação brasileira. Pedindo para o Hulk não voltar à seleção.
— Hulk, aquele ali, fazendo embaixadinha com uma estátua de bronze? Ele chegou mais cedo, veio agradecer pela nova convocação do Dunga. Ei, vai aonde?
Ainda deitado, ele se dobra, como se fosse uma bola, e sai rolando escadaria abaixo, enquanto canta o hino alemão.
.* https://www.facebook.com/cartasdaguanabara
                 **Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

domingo, 6 de setembro de 2015

INTICARAM-ME COM VARA CURTA – III



Manoel Emílio Burlamaqui de  Oliveira

Chegamos, agora, ao segundo mote "As nuvens passam, as estrelas mantêm seu brilho!"
Antes de mais nada, todos sabemos que ha nuvens e nuvens. Nuvens naturais, nuvens artificiais; nuvens produtos da natureza, nuvens produzidas pelo homem; nuvens benéficas, nuvens malignas; nuvens necessárias à sobrevivência da terra e da humanidade e nuvens que nunca deveriam existir. As nuvens produzidas pela natureza, e, por isso , benfazejas, mesmo quando provocam desastres, causados pelas tempestades e pelos raios, meras consequências da falta de planejamento e imprevidência dos homens, donos do poder, que, no decorrer dos milênios e dos séculos, primaram, irresponsavelmente, incompetentemente, e inconsequentemente, pelo uso do conhecimento, a que tiveram acesso, para se tornarem mais poderosos, mais opulentos, e mais dominadores, em detrimento do desenvolvimento de um mundo melhor!
Nuvens que passam, sopradas pelo vento, e que encantam, em suas andanças, as crianças do mundo todo, nuvens que desaparecem, transformadas em agua, que irrigam a terra, não ofuscam o brilho das estrelas, ao contrário, são complementos da beleza de um espetáculo que exige olhos e ouvidos para louvá-lo, para cantá-lo e para o entender e amá-lo! Ah, se esse mundo fosse repleto de Olavos Bilac, com amor suficiente para amá-lo e transformá-lo em um novo paraíso...
Sim, meu querido cronista, quem empana o brilho das estrelas não são as nuvens, são, na verdade, as trevas, as hediondas trevas do mal e da maldade. São as trevas da cobiça, são as trevas do egoísmo, as trevas do ter, as trevas dos que não querem ver, as trevas dos que não querem ser...
Sol, Estrelas, Noite, Luar, Nuvens, Vento, Mares, Rios, Lagos, Florestas, Flores, Pássaros, Aves, e, até, a Humanidade, são testemunhas das maravilhas que nos rodeiam, que estão à nossa disposição, para delas usufruirmos e para delas participarmos como construtores, continuadores, de uma obra insuperável, que, alguns pervertidos, teimam em conspurcar-la, e destruí-la em nome de suas inconfessáveis ambições.
Mas, eles passam, serão enterrados e as estrelas continuarão a manter o seu brilho!