Daniel Cariello**
Outro dia,
inventei de arrumar o armário ao lado da porta de entrada. De organizar tudo
que ali estava entulhado: papéis, notas fiscais, chaves, clipes, pilhas novas e
velhas, DVDs, guarda-chuvas, revistas antigas, cartões de 2 bombeiros
hidráulicos, 3 chaveiros, 4 eletricistas, 2 especialistas em gás e de uma loja
de suprimentos agrícolas, que nem imagino foi parar ali. No meio das tralhas,
escondidos lá no fundo, havia 5 benjamins, aquele aparelho em forma de T de
onde saem 3 tomadas, e 6 extensões elétricas. Seis!
Faço aqui uma
confissão: tenho certa fixação por extensões elétricas. Sempre que vou a uma
loja onde tem de tudo dou uma paradinha na seção das extensões, pra checar se
tem novidade na área, mesmo que o setor não tenha visto muitas evoluções nos
últimos, digamos, 50 anos.
Essa obsessão
vem possivelmente do tempo em que minha banda de rock da adolescência ensaiava
lá em casa e precisávamos ligar quatro amplificadores, uma mesa de som, um
teclado e um gravador de fita cassete na única tomada disponível. Fazíamos uma
gambiarra de dar inveja à rede de energia carioca, juntando extensões, anexando
benjamins e plugando tudo até formar algo parecido com uma instalação, não
elétrica, mas de arte contemporânea. Aquilo tinha tudo pra dar ruim, porém
incrivelmente nunca deu, pra tristeza dos vizinhos que nos aguentavam
transformar nossos hormônios pubescentes em algo parecido com música, nas
tardes de sábado.
Mas então eu
encontrei todos esses benjamins e extensões e, apesar de surpreso com a
quantidade, arrumei uma caixa e guardei-os bem guardados, pois um dia poderiam
ser úteis. E foram, antes do que poderia imaginar.
Naquela noite,
a chuva forte fez cair a luz de metade da minha casa. Um desses fatos
inexplicáveis do Rio de Janeiro que, no entanto, não choca os cariocas nativos.
A cozinha, a área de serviço e um banheiro tinham energia. A sala, os quartos e
o outro banheiro, não. Comentei com vizinhos e amigos e tudo o que diziam era
“fica tranquilo, logo volta ao normal”. Ficaria tranquilo, caso não houvesse um
jogo decisivo do Flamengo em 15 minutos.
Aí me lembrei
das extensões. Peguei todas e montei uma gambiarra digna do Daniel adolescente.
Saía da cozinha, entrava pela sala e passava por detrás da estante, onde incluí
um benjamim para religar o aparelho de som, caso quisesse escutar uma
musiquinha no intervalo. A fiação seguia inabalável seu rumo até o quarto de
TV, passando pelo sofá, duas poltronas e uma mesa de centro. Chegou à porta do
cômodo, mas não até o aparelho (se eu tivesse mais uma extensão…), que fui
obrigado a empurrar até que os fios se alcançassem.
Liguei e tudo
funcionou às mil maravilhas. O jogo havia acabado de começar. Pra comemorar o
êxito da empreitada, fui buscar uma cerveja na geladeira. O Flamengo levou um
gol. Puto da vida, levantei novamente, pra pegar amendoim. O rubro-negro
encaçapou o segundo. Puxei aquela cobra de fios da tomada e fui dormir. Não era
só a casa que estava às escuras.
* https://www.facebook.com/cartasdaguanabara
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**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br