terça-feira, 20 de janeiro de 2015

VÍCIO




Isaias Coelho Marques

Que droga de vida!

NO AR, RÁDIO BRASÍLIA*






Daniel Cariello**
                

              Você está ouvindo a Rádio Brasília, a capital federal em estéreo no seu dial. Aqui, você também não vê a torre, mas escuta quem a cantou. Começamos a programação com Água de Beber, de Tom e Vinicius, escrita quando a dupla visitava as obras da então futura capital do país e descobriu uma nascente perto do Catetinho. “Eu quis amar mas tive medo. E quis salvar meu coração... Água de beber, água de beber, camará.”
                Muito bem, continuamos com um passeio cartesiano pelo Plano Piloto, com Little Quail e Liga Tripa. “Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze, treze, catorze, quinze, dezesseis. Eu sei que são dezesseis. L2 e W3, eu sei que são dezesseis.” Rádio Brasília pega melhor do que pardal. “Nossa Senhora do Cerrado, protetora dos pedestres que atravessam o Eixão às 6 horas da tarde, fazei com que eu chegue são e salvo à casa da Noélia.”
                Você escutou Dezesseis e Travessia do Eixão. Quando a última foi escrita, ainda dava para cruzar a via por cima. Hoje, nem pensar! A cidade mudou, mas algumas coisas continuam iguais. Reparem na letra de Brasília, do álbum de estreia da Plebe Rude. “Capital da esperança, asas e eixos do Brasil. Longe do mar, da poluição, mas um fim que ninguém previu. Brasília tem centros comerciais, muitos porteiros e pessoas normais!”
                Tem porteiros, pessoas normais e muito rock na capital, mas tem reggae também. E não dá para falar de reggae candango sem fazer ligação com Renato Mattos. “Um telefone é muito pouco pra quem ama como louco e mora no Plano Piloto. Se a menina que o cara ama tá pra lá do Gama, mata de desgosto.” Vai uma dica: Renato, compra um celular, senão fica difícil! Assim como também não é fácil surfar no lago, como o Natiruts vem tentando, mesmo se as marolas levam longe. “Eu sou surfista do Lago Paranoá. É meio-dia e eu vejo a seca castigar, 15% é a umidade relativa do ar.”
                Rádio Brasília, para você ouvir em casa, no carro ou no camelo. Agora, vamos sair do Plano Piloto e dar uma volta pela periferia, começando com Canção Tema, do Phonopop. “Tudo o que foi dito está distante? Sim, para o miserável retirante. Na Santa Maria já pintou asfalto!
                Juro que eu não sabia.” Não sabia, Phonopop? Pois tem mais para descobrir nas satélites. Deixa o Câmbio Negro te guiar. “Sou da Ceilândia, eu sou mais eu. Falo, faço e aconteço. Por essa terra tenho apreço.”
                Estamos chegando ao fim da programação de hoje. Vamos ao último bloco, com dois nordestinos que cantaram a nossa cidade, Alceu Valença e Caetano Veloso. “Se seu amor foi hipocrisia, adeus, Brasília, vou morrer de saudade. Se seu amor foi hipocrisia, adeus, Brasília, vou pra outra cidade.” Olha, Alceu, você pode até deixar Brasília, mas a cidade não te deixa mais. O Caetano vai levar um presente daqui. “Mas, da próxima vez que eu for a Brasília, eu trago uma flor do cerrado pra você.”
                Obrigado pela companhia e até a próxima. Rádio Brasília, a capital federal em estéreo no seu dial. Para ouvir, azarar e amar na W3, no Eixão, na L2, na rodoviária...
*Publicado originalmente em Veja Brasília, de 14.jan.15
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Pariswww.cheriaparis.com.br

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

NOVO GOLPE NA PRAÇA



Poncion Rodrigues
               
                Em meados da década de 80 do século passado, os arcanjos da patifaria, tão presentes no estado Brasileiro, em arroubo de inteligência e boas intenções, conseguiram nos impor o famigerado “kit de primeiros socorros”, obrigando-nos a portar em nossos veículos tubos de esparadrapo, gazes e faixas de crepom, entre outros singelos itens, que transformariam qualquer motorista em agente salvador de vidas humanas nas mortais rodovias brasileiras. Os aplausos da população ecoam até hoje! Imaginem em que bolsos teriam aportado os lucros subterrâneos daquela gigantesca operação de extorsão oficial.
                Agora, eis que, no exercício da nobre intenção de nos proteger de hipotéticos incêndios que estariam pondo em risco toda frota do país, foi decidido, pelos atuais arcanjos, que os extintores que saem das fábricas com nossos veículos não entendem nada desse negócio de apagar fogo. E que, sob pena de multas impiedosas e pontos negativos na carta de habilitação, os “ultrapassados” aparelhos deverão ser providencialmente substituídos por uma geração fantástica, capaz de apagar vulcões e incêndios florestais.
                Imaginem quantas vidas haverão de ser salvas!
                Seria até mesmo o caso de se criar um justíssimo imposto adicional sobre a comercialização dessas maravilhas.
                Enquanto isso reina a paz nas ruas pacatas de nossas cidades, onde nenhum cidadão corre o risco de sucumbir diante das balas das operosas “ criancinhas” infratoras.
                E viva o combativo povo brasileiro!

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

SEM TÍTULO



Isaias Coelho Marques

Amores
como morangos
perdem-se

A Flor do Lácio
desencoberta
amor fratricida
de não amores

Dores,
perdas e danos
me dano
mas só amo
quem eu quero

FLORES PARA LOUISE*



Daniel Cariello**

Louise, minha filha, adora flores. Em todos os seus desenhos — e são dezenas por dia — sempre há ao menos uma, ao lado de inevitáveis joaninhas, corações, sóis, estrelas e, mais recentemente, flocos de neve. Todos convivendo harmonicamente no mesmo papel, em lógica e cores que desafiariam Dalí e Van Gogh.
Outro dia fomos ao supermercado e ela encasquetou: queria um buquê daquelas rosas de origem e longevidade duvidosas expostas perto das caixas. Argumentei que estavam quase murchas, não tinham cheiro, não durariam etc. e tal, mas ela estava irredutível.
Resignado, campeei um ramalhete em melhores condições e o levamos para casa. Escolhemos para ele um vaso e um lugar especial na sala. E a Louise foi dormir muito satisfeita com as flores sem perfume, que ao menos traziam um pouco de cor ao ambiente.
Na manhã seguinte, como era de esperar, estavam esmarridas, as pétalas caídas sobre a mesa, os botões restantes olhando para baixo, as folhas raras pendurando-se ao caule com o resto de suas forças, certamente insuficientes para resistir não a uma rajada de vento, mas a um simples sopro.
— Pai, minhas rosas estão morrendo!
— Eu acho que já se foram, Louise.
— Ah, não!
 — Sinto muito.
— Pois eu acho é que você não sabe de nada. Elas estão vivas, quer ver? Vou cantar para elas. Você falou que gostam de música. E amanhã vão estar muito fortes!
Disse isso, levantou-se e colocou-se em frente ao vaso. Envergonhada, pediu para eu sair da sala e, do alto dos seus 4 anos e meio (o “e meio” ela faz questão de ressaltar, sempre), pôs-se a cantar A Linda Rosa Juvenil a plenos pulmões.
Fiquei de longe, em silêncio, observando o afeto daquela criança por suas flores. Ela queria salvá-las, e fez o que estava ao seu alcance. Infelizmente, a planta amanheceu o dia seguinte ainda mais despedaçada.
— Pai, não adiantou nada cantar.
— É claro que sim, Louise.
— Não, olha lá, estão mortas.
— Já estavam antes. E, se sua música pudesse salvá-las, certamente teria feito.
— Não teria nada. Eu nunca mais vou querer comprar flores, elas morrem sempre!
Sentei-a no meu colo e procurei a resposta adequada.
— Minha filha, tudo acaba um dia. Elas já estavam cansadas. O bom é que agora podemos comprar outras. Às vezes, chega uma hora em que precisamos trocar o velho pelo novo.
— Mas não queria que morressem. Eu gostava muito delas.
— Olha só: vamos escolher um vasinho com uma planta bem pequena e novinha. Assim, você vai cuidar dela regando, cantando e tratando bem, para ela crescer e dar lindas flores.
— Oba! Desta vez, vou querer que sejam verdes.
— Claro. Agora, vamos, precisamos sair. Ainda temos de escolher sua roupa para a festa de Ano-Novo.
— Vamos, pai.
*Publicado originalmente em Veja Brasília de 31.dez.14
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Pariswww.cheriaparis.com.br