Daniel Cariello**
Encontrei na casa da minha avó
uma caixa de papelão com várias revistas da minha adolescência. Não sei como
foram parar lá as coleções de Bizz, a mais bacana publicação musical já editada
no país; de Casseta Popular, que de pornográfica só tinha o nome, para meu
desespero pueril; de Chiclete com Banana, capitaneada pelo então jovem
cartunista Angeli; e de diversos periódicos sobre linguagens de programação,
assunto que me fascinava tanto quanto os outros.
Fiquei ali, folheando por horas
as páginas bolorentas. Cada publicação aberta me levava um pouco mais longe
nessa viagem rumo aos meus 15 anos. Recordei-me do sonho de figurar em uma
revista de música. Se não fosse como artista em destaque, poderia ser como jornalista
ou crítico, tudo bem. Do desejo de escrever textos e quadrinhos de humor,
alternando sem preconceito o escracho total e a sutileza absoluta. Ou ainda da
vontade de me tornar um programador de computador, a “profissão do futuro”,
segundo a mesma avó.
Quando minha psique já havia
retornado à puberdade, encontrei, no fundo da caixa, um caderno cuja capa — com
uma bota amarela e vermelha de motoqueiro em destaque — eu reconheceria de
longe. Era um dos que eu usava para registrar ideias livres. Em suas páginas,
diversas notas que um dia foram importantes para mim, como uma lista com
sugestões de nome para minha recém-formada banda. Ela alternava a
pseudointelectualidade de Prometeu e Escaramaças (o que diabos é uma
escaramaça?), a crítica ao sistema e a todo o resto, com O PC e a Coca-Cola
(hein?) e Lenin, Stalin e Trotsky, além das denominações em um tão pobre quanto
inevitável inglês, dando origem a pérolas como Shaman’s Feelings e Jumping
Flyers.
Havia também letras manuscritas
de canções que ainda hoje adoro, como The Killing Moon, Highway Star, Proteção
e Faroeste Caboclo. Com cifras para guitarra sempre que possível e uma
tentativa de tradução macarrônica quando o idioma original não era o português.
No fim das dez folhas dedicadas à música da Legião Urbana, ainda resistia uma
declaração de amor a Priscilla, que jamais tive coragem de entregar.
Avancei mais um pouco e, entre
rabiscos sem nexo, desenhos de rodapé, frases de efeito, palavras curiosas e
suas definições, pensamentos conexos ou não, trechos e acordes de músicas e
anotações incompreensíveis, encontrei um par de folhas inexplicavelmente
deixadas em branco. Feliz por me reconhecer inteiramente naqueles textos até
então perdidos, peguei uma caneta, escrevi “O caderno” na primeira linha e comecei
a redigir esta crônica, completando, enfim, a obra iniciada tantos anos antes.
Publicado originalmente em Veja Brasília de
11.fev.2015