Daniel Cariello**
Andrezinho foi do sétimo ao
térreo pela escada, acenou “e aê?” pro Seu Antônio, botou o nariz na rua, deu
meia volta, justificou com “friaca, brother!”, voltou ao sétimo de elevador,
vestiu casaco do Hard Rock Cafe, achou pouco e tacou jaqueta do Vasco por cima,
catou a medalhinha de Nossa Senhora, trocou chinelo por tênis sem meia, desceu
novamente a pé, soltou “agora eu fui!” e sumiu na multidão da Praça São
Salvador.
Clément afastou a persiana,
conferiu o Cristo nublado, checou doze sites meteorológicos, guardou o protetor
solar na mala, colocou camiseta de 58, a 10 azul, combinou com calça Capri
branca, estreou novo par de Havaianas, passou pela recepção, escutou “bom dia”,
respondeu “obrigado”, caprichou no “r”, selecionou Jorge Ben, aumentou o volume,
consultou o GPS e dobrou à direita depois dos arcos.
Lourdes mirou o espelho,
empetecou-se de blush, ajeitou os cachos brancos, alcançou o sobretudo azul,
abandonou pelo vermelho, preferiu o preto, pensou no bege, decidiu-se pelo
marrom, o único sem cheiro de mofo, escolheu um cachecol de lã, um par de luvas
de couro, o broche de Jesus, engoliu os dois remédios, reclamou do efeito do
clima nos joelhos, disse tchau pro Byron, recebeu uma lambida de volta, abriu a
porta de casa, fechou a grade da vila e pareceu pequena ao lado das palmeiras
da Rua Paissandu.
Tati postou uma selfie, faturou
cinquenta e seis likes, lamentou não inaugurar o biquini, ganhou mais trinta e
sete, comentou três posts, compartilhou uma foto de gatinho, ignorou o
ascensorista, marcou a Jana em texto sobre Miami, curtiu a página do Papa
Francisco, saiu no segundo, percebeu tarde demais, pegou o próximo, deixou um
“olá” sem resposta, mandou zapzap, ficou na garagem, tirou o casaco da Zara,
escondeu a Victor Hugo no porta malas, ligou o Audi e furou o sinal no Aterro.
Jorge levantou-se do banco,
ensaiou polichinelos, levou as mãos às costas, ergueu-as para os céus, tentou
proteger os braços dentro da blusa, desistiu, procurou abrigo contra o vento,
desviou de horda de pombos, invejou o pulôver da jovem, virou o último gole da
garrafa, entrou na floricultura, espirrou de alergia ao pólen e distanciou-se
do Largo do Machado.
Clément e Tati esbarraram-se na
entrada da igreja, Andrezinho e Jorge estavam lá dentro, Lourdes subia
lentamente a ladeira. Nenhum deles se conhecia. Todos foram ao Outeiro da
Glória orar pelo fim do inverno carioca, que já durava três dias.