Manoel Emílio Burlamaqui de Oliveira
Há muitos
anos, quando adquiri, em Cajuína, um pedacinho de terra, onde, com minha mulher
e meus filhos, construímos um paraíso para esquecer das atribulações da cidade
grande, pois futebol, mulher e política eram assuntos proibidos, permitidos,
apenas, a MPB, Jazz, Blues e história (do Mundo, de Trancoso, e de
"causos", estes, sempre, inventados), em tertúlias regadas a uma
cervejinha “véu de noiva”, com torresmos, pasteizinhos, castanhas de todos os
tipos, e frequentadas por personagens que enfeitiçavam a quem as ouvia, tive o
prazer de conhecer um vivente esquisito, tanto por suas indumentárias quanto
por suas atividades, e cujo linguajar imitava o de um filósofo, perdido
naquelas bandas. Não gostava de “ajuntamentos” e passou a nos visitar, com
certa frequência, desdenhando a cerveja, mas indagando, sempre, se tínhamos uma
boa pinga e se a minha mulher, “por acaso”, não, “guardara”, alguns de seus
acepipes...
Ao se
apresentar, em sua primeira visita, deu-se um nome em língua estranha, logo
acrescentando ser mais conhecido como Mago Manu. Nossa educação, familiar por
excelência, impediu que nossa curiosidade se manifestasse naquele momento.
Preferimos aguardar sua confiança em nossa amizade, para que, quando lhe desse
na veneta, nos contasse sua história. E não deu outra... Mago Manu, ciente de
que era uma pessoa respeitada e querida, após algumas visitas a mais,
cachacinha não rasgante, tira-gostos de encher a boca, abriu-se para nós,
deixando-nos boquiabertos com suas venturas, aventuras e desventuras! Boca
cheia, de algo mais gostoso que aquilo que lhe oferecíamos: ensinamentos,
conselhos, profecias, e, finalmente, uma explicação de suas vestes e de seu
apelido, leitura de mãos, interpretação do Tarô, conhecimento do caráter dos
outros, analisado nas suas letras, e muitas outras “mandingas”, na realidade,
rescaldo de culturas milenares, válidas para quem as conhece, como para quem
nelas acredita. Morava numa casa de palha, em Cajuína, próxima de nosso sítio,
e se alimentava do que lhe davam, ou daquilo que seus parcos ganhos lhe
permitiam comprar, tudo fruto da alegria que dava aos seus consulentes, pois
suas “adivinhações” não previam desgraças, porque, segundo ele, de desgraças o
mundo já estava cheio! Passaram-se anos, e dele já nos havíamos esquecidos, quando,
derrepentemente, a campainha de minha residência, em Teresina, toca, e, quando
pergunto “quem é?”, ouço a resposta surpreendente, “o Mago Manu”!Apressei-me
em abrir o portão para sua passagem, o que fez, com uma expressão sisuda no
rosto, um bastão numa das mãos e uma folha de papel na outra, acompanhando-me
até à varanda, onde se acomodou, ainda, de cara fechada. Minha mulher correu
para cumprimentá-lo, e, apenas, um olhar, dele, recebeu ... Não esperando por
minhas boas vindas, abruptamente, estendeu-me a folha de papel e me perguntou:
"já viu isso"? Valha-me Deus, era o artigo, de meu amigo Monteiro,
publicado no Facebook, com o título "Deu escocês no Samba",
sacaneando com o velho Mago... E bombardeou: "mentiroso, incréu, quer me
desmoralizar, não sei se lhe darei umas bastonadas ou se o denunciarei à
polícia!" "Sei que é gente sua, e vim pedir-lhe um conselho sobre o
que devo fazer, pois tudo é calúnia, difamação e injúria, e, como mago, não
posso usar de minha magia em causa própria" Fiz-me de ignorante,
"deve ter sido uma brincadeira do Monteirim, tenho certeza de que não teve
intenção de ofendê-lo, Mago! mas, o que está neste papel?" Pior a emenda
que o soneto: pediu-me que lesse o artigo e comentou: "Nunca estive numa
escola de samba, nunca frequentei carnaval, nunca pedi dinheiro a ninguém,
nunca recebi o dinheiro que diz que me deu, nunca saracoteei em minha vida, não
uso bengala, uso o bastão dos magos, não levito, (quem faz isso são os mágicos,
que fazem mágicas), eu barrete com pompom? (só se for do Sr. Lima), não sei
quem é esse Fantasma que se eterniza por seus descendentes, você viu algum
vento precursor na minha chegada? E eu, por acaso, tenho dois olhares concomitantes?
Passada a catilinária, acalmou-se, tomou um providencial suco de maracujá, com
os indefectíveis pastéis, (A Magda é uma mulher compreensível e admirável!) e,
baixinho, confidenciou-me : “Os magos, como eu, somos imortais, pois só vivemos
nas mentes humanas, especialmente das crianças, que acreditam em nós”. Meu
amigo Merlin, ainda vive, para gáudio de todos nós, e, enquanto vocês crerem, a
magia sobreviverá. Eu me corporifico quando quero, esse é um poder nosso"
E, por último, (terá sido a propósito?) um fuxico: “será que tudo isso foi
feito pra ele angariar dinheiro, em meu nome, pra comprar outro carro”?
Oh! Dúvida
cruel!
E o Mago Manu,
evaporou-se, ante mim, comprovando que aparecia e sumia quando quisesse...