Daniel Cariello**
Todos os dias, fizesse chuva ou
sol, Bento banhava-se no rio. Com passo curto, embrenhava-se na mata atrás da
quitanda e começava a se despir logo depois da Árvore Mãe. Jogava as roupas
displicentemente no grande rochedo e de lá lançava-se à água. Jamais
experimentava a temperatura antes, pois era invariavelmente fria. Jamais olhava
se havia outras pessoas no local, porque estava sempre só. Ali era o seu
santuário secreto.
Atravessava o rio pulando em
pedras submersas. Quem olhasse de longe teria a impressão de vê-lo saltar sobre
as águas calmas, com a leveza do bailarino que sonhava ser e a desenvoltura da
criança que ainda era. Falava com os passarinhos, testemunhas de seu mergulho
matinal. Inventava canções e poemas sobre árvores, pedras e águas, sobre sol,
vento e chuva.
De todos seus pequenos rituais,
havia um preferido. Após o banho matinal, subia na Árvore Mãe com a agilidade
de um mico. De cima do último galho, esperava o vento soprar mais forte e,
então, cerrava os olhos e abria fartamente a boca. Quando sentia os pulmões
tomados de ar, unia os lábios e assim permanecia por longos instantes. Ao fim
de duas ou três repetições, abria os braços e permitia-se balançar, como fosse
um galho, confundindo-se com a natureza ao redor, fazendo parte dela.
Bento estava sempre descabelado e
descalço, vestindo uma de suas camisetas furadas. Apesar do apetite voraz, era
magrela de se ver as costelas. E tinha tanta energia que a mãe brincava que ele
havia sido amamentado com leite de leoa. Seria uma criança igual às outras de
sua idade, se possuísse amigos e falasse com os outros.
Na escola, apesar das notas
razoáveis, julgavam-no um misto de bobo e louco. Era alvo de piadas, mas não
ligava para as provocações e ainda mantinha um permanente sorriso no rosto, o
que lhe rendeu o apelido de Bobento.
Movidos pela curiosidade sobre
aquele menino preso em seu próprio mundo, os colegas de classe decidiram
segui-lo depois da aula, acompanhando seus passos de longe. Frustrando os
perseguidores, Bento voltou para casa e por lá ficou.
No dia seguinte, pouco depois da
aurora, já estava tomando café da manhã em pé. Bebeu o leite de um fôlego só,
comeu duas bananas, mordeu repetidamente o pão com queijo e saiu para a rua.
Como sempre, a mãe perguntou onde ele ia. E, como sempre, recebeu um beijo por
resposta, resignando-se a lembrá-lo que ainda havia os deveres da escola a
fazer.
Dois garotos da escola haviam
feito tocaia perto da casa e o seguiram até o seu santuário. Escondidos,
impressionaram-se com a coragem com que ele pulou do rochedo direto na água
gelada. E assustaram-se quando o viram bailar nu sobre o rio. Um quis gritar,
mas o outro tapou sua boca, havia mais a descobrir.