quinta-feira, 31 de março de 2016

RIO X PARIS*


Daniel Cariello**
               Nasci e cresci em Brasília e, aos 30 e poucos anos, fui morar em Paris. No período em que habitei na capital francesa, escrevi crônicas semanais sobre “um brasileiro na terra do fromage”, depois compiladas no livro Chéri à Paris. Nesses textos, era comum haver comparações entre a vida do lado de lá e a do lado de cá (mesmo que, à época, o lado de cá pra mim ficava lá, e do de lá, ficava cá, se é que vocês me entendem).
. Vivendo agora no Rio de Janeiro, percebo a cada dia mais semelhanças entre as duas cidades e seus habitantes, mesmo que não tenham nada a ver (se é que vocês me entendem). Listo algumas abaixo:
. Os cariocas ficam semi-pelados de novembro a abril, mesma época em que os parisienses se disfarçam de ursos polares.
. Em Paris, quando a temperatura chega a 5ºC, eles dizem que não está tão frio. No Rio, com 30ºC nos termômetros, os cariocas juram que não está quente.
. A Berthillon, principal sorveteria de Paris, fecha as portas no verão. E as praias do Rio de Janeiro continuam cheias no inverno.
. O Rio tem feijoada, um tantão de carne com feijão preto. Paris tem cassoulet, um tantão de carne com feijão branco. Apesar da diferença de cores, em termos de flatulência a devastação é igual.
. Em Paris existe a praça Rio de Janeiro. No Rio de Janeiro tem a praça Paris.
. O Rio tem uma estátua da liberdade. Paris também. E eu tomo a liberdade de dizer que acho as duas igualmente horríveis.
. Em Paris, os cachorros estão em todos os lugares. No Rio, as cachorras estão nos bailes funk.

quarta-feira, 30 de março de 2016

terça-feira, 29 de março de 2016

A HISTÓRIA É BOA?


Ananda Sampaio*
Todos os dias procuro intervalos de tempo, momentos que me esqueço do mundo e que o mundo parece esquecer-se de mim. Nesses intervalos folheio, leio um livro que trago na bolsa ou debaixo do braço. Passaporte, transporte para o outro.
Até mesmo quando saímos de casa para o trabalho, no tempo que separa os dois pontos, leio dentro do carro enquanto meu marido dirige. Incorrigivelmente apressado, contando os minutos. Seguimos amargurados pelo relógio. Até chegarmos ao primeiro desembarque tenho impressão de que atravessamos um oceano. Comida para os cães, para os gatos, água, abre porta, tranca porta, abre cadeados, tranca cadeados, abre portão, tranca portão. Entramos no carro e naquela bolha seguimos nossos rumos, muitos rumos para apenas duas pessoas. Tão simples e estranhas como nós.
No silêncio que se segue livro-me do por que enquanto leio, encontro e me disfarço de alguém mais. Ponho a máscara consciente e sinto o conforto de não estar em mim. Carne de minha quase carne. As pessoas podem até nos abandonar e nós podemos também deixa-las ao meio do caminho, mas as palavras permanecem. Sempre permanecem, elas estão em todo lugar.
               Às vezes me conto histórias mentalmente, algumas vezes consigo transferi-las para o papel. Noutras deixo no caldeirão, entornando o caldo, talvez um dia dê um bom prato [Para quem?]. Algumas vezes apenas oralizo. Conto pra alguém e pergunto: — a história é boa?
*Jornalista, estudante de Letras e integrante do @coletivoleitura

terça-feira, 22 de março de 2016

TERESINA


Isaias Coelho Marques

De repente
Coração em ebulição
Na cidade quente

GARÇONETE


Ananda Sampaio*
Tudo que eu queria era ser garçonete. Não, eu não tinha esse sonho quando criança. Passei a delirar com a chegada da idade adulta, comecei a me alimentar de narrativas mirabolantes, substancialmente, diga-se de passagem. E esqueci os sonhos da criança pretensiosa que fui outrora.
Garçonete, patins, bloquinho e caneta. Anotar pedidos, ouvir reclamações e elogios. Uma coisa simples, a minha existência pareceria assim, aos meus olhos, não afetar o mundo. E meus atropelos no horário de pico não produziriam efeitos tão drásticos na humanidade. No máximo, um cliente insatisfeito.
Após o expediente iria para um minúsculo apartamento de dois cômodos. Um gatinho pra dar leite e esquentar a cama. Pronto! Vez ou outra, quando me desse na telha, juntaria meus poucos pertences e partiria para a próxima. Sem aviso prévio. Afinal, encontrar outra garçonete para me substituir não deveria ser difícil.
Assim eu passaria a vida, avançando e recuando. Minimizando os efeitos da minha vida no mundo. Sempre me senti culpada por existir: o lixo que produzo, as pessoas que magoo, a minha inércia política, meu eterno cansaço para receber visitas e fazer sala, minha indisposição para pessoas babacas. As minhas propulsões seriam desfragmentadas a cada partida. Tudo seria dissolvido e antes que alguma catástrofe se instalasse em mim, eu já teria feito a mala e deixado pra trás o meu traço na vida dos outros. A memória é seletiva, se encarregaria de apagar com o passar do tempo a minha presença. Assim é e sempre será.
Quando criança sonhava com tantas coisas, porque desde criança nos dizem que os sonhos podem ser de extensões gigantescas e assim eu fiz. Sonhei que poderia ser invisível, que poderia gravar os meus sonhos, aqueles do sono, para assistir numa fita cassete mais tarde. Que as bonecas se moviam e que os cães eram mais inteligentes que o homem. Só sonhei em ser garçonete quando me tornei uma criança grande e o mundo me atropelou. Descobri que ser garçonete era a melhor maneira de renegar a ele.
Eu leria meus livros preferidos dezenas de vezes e gastaria meu dinheiro na livraria e com hambúrgueres e milk shake. Quando saísse do trabalho não teria que me preocupar com os últimos desenrolamentos do mundo dos homens, seus mercados, suas bolsas de valores e a cotação que a vida adquire todo dia. Não me importaria com o mal estar social, com a falta de empatia, de humanidade ou com a discriminação racial e de gênero. Eu planaria pelo mundo, talvez um fantasma, um observadora, uma sem nome a assistir placidamente o desastre claudicante desse projeto de mundo.
Não há planejamento ou planilha quando se trata de sentimentos. Tudo acontece, fios que se enroscam e formam uma bagunça sem tamanho. Um emaranhado, atropelos e descompassos. Estou sempre tão fora do ritmo que acho que ninguém mais percebe, além de mim mesma.
— Qual o seu pedido, senhor?
— Amor à la carte, por favor.
*Jornalista, estudante de Letras e integrante do @coletivoleitura

quinta-feira, 17 de março de 2016

O PENICO E OS PRÉ.


A. J. de O. Monteiro

               Não há muitos registros sobre a minha história ou sobre meus ancestrais. Sei apenas que surgimos na Grécia, segundo informações que colhi. Essa origem no berço da democracia me enche (sem duplo sentido), de orgulho e explica o fato de termos servido com a mesma dedicação às nobrezas de todo o mundo bem como aos mais humildes da terra, sem discriminar cor, raça, gênero, ou posição social. Somos – assim penso – um símbolo inconteste da democracia. Isso me anima escrever esta breve passagem de minha vida.
               Lembro-me com clareza, apesar do tempo decorrido, do dia em que deixei a lojinha no entorno do Mercado Central – onde se situava o comércio popular da cidade, quase que totalmente dominado por imigrantes sírios e libaneses – comprado por um senhor de bons modos, que me levou para sua residência devidamente disfarçado, pois não era de bom tom expor-nos publicamente. Coisas de então. Coube-me, na enorme casa, com grande número de moradores, atender aos dois pré-adolescentes da família e logo na primeira noite de serviço percebi que a tarefa não seria das mais desagradáveis. Os pré – doravante os tratarei assim – eram irreverentes, galhofeiros e desorganizados como só os pré podem ser, mas afáveis; simpáticos, até. Utilizaram os meus préstimos sem abuso e apenas os respingos me incomodavam, talvez pela minha inexperiência no “métier”.
               A rotina era normal. Prestava meus serviços noturnos e, pela manhã, tão logo os pré saiam para a escola era recolhido pelo garoto de serviços da casa e levado ao quintal onde me reunia então com os demais penicos da casa para sermos esvaziados, lavados e postos a secar ao sol – e que sol! Ficávamos na canícula por todo o dia, comentando as atividades noturnas da família, que não julgo razoável tornar público, por questão ética. Ao anoitecer o mesmo garoto de serviços nos pegava no quintal e nos distribuía pelos respectivos aposentos. Ele nunca errava, apesar de sermos todos muito parecidos, revestidos de ágata branca, com bordas e asas azuis, variando, e apenas um pouco, de tamanho. Naquele primeiro contato com a comunidade, reparei que quase todos o penicos apresentavam em seus revestimentos, algumas escaras. Logo fiquei sabendo a razão: O garoto de serviços, talvez para abreviar seu trabalho, tentava levar a maior quantidade de nós por vez (éramos mais de uma dezena) e às vezes nos deixava cair provocando a maior barulheira e, óbvio, a bronca dos donos da casa. Quem já ouviu o barulho de um penico caindo, nunca esquece... É peculiar, inconfundível... Os pré, galhofeiros, como já disse, gritavam uníssono: “abram alas que a banda vai passar”! Todos riam, menos o chefe da família, sério e compenetrado. Coincidência ou não, observei que esses incidentes aconteciam sempre que a família recebia visitas, pelo que aduzi talvez se tratasse de uma pequena vingança do garoto de serviços, tentando constranger a família ante os visitantes.

quarta-feira, 16 de março de 2016

CARTA ABERTA PARA LYGIA FAGUNDES TELLES*


Lygia,
Imagino que você deva receber muitas cartas de seus leitores, eu sou apenas mais um. Espero que essa carta chegue às suas mãos e que você ao menos por um instante saiba que eu existo e que amo tudo que você representa. Tenho 30 anos, sou jornalista e escrevo pra me libertar. Escrevo desde que me lembro de sabê-lo, mas tenho dificuldade de me assumir escritora, prefiro dizer que sou alguém que escreve, assim como alguém que respira.
O primeiro livro seu que li foi “Antes do Baile Verde” naquela edição linda da Companhia das Letras. Como você sempre diz em suas entrevistas, sou uma brasileira que sempre leu muitos estrangeiros. Inicialmente, me veio Clarice (sua querida amiga) tão querida por uma amiga minha. Mas, de fato, nunca consegui afugentar a neblina da escrita de Clarice, ao menos um pouco. Das vezes que a li senti-me totalmente cega e incapaz. Senti-me uma leitora pouco dotada. Sendo assim, o sentimento de orfandade permaneceu, não havia nenhuma escritora brasileira que pudesse dizer que era minha. Até o dia que você me abraçou! Naqueles contos tão cheios do insondável, de nivelamentos e camadas de poesia eu me encontrei. Imagine-me com os olhos marejados e o coração repetindo: achei, achei.
Agora, Lygia, não me sinto só, ao menos não tão só quanto antes. Recentemente, uma amiga foi ao Rio e trouxe pra mim de presente “Durante aquele estranho chá”, uma edição linda da Rocco com letras capitulares e papel vermelho. Estou com ele dentro da bolsa agora, quase no fim, prolongo nossa despedida. Já chorei, já sorri, já contemplei, já nasci e morri nesse interstício. Por isso, não poderia deixar de dizer pra você o quanto as suas palavras agora são minhas e o quanto a sua literatura se apodera da minha existência.

MOLAR*


Daniel Cariello**

Encontraram-se no Posto 9, apresentados por amigos, na fila do sanduíche. Ela, Leblon, Rio de Janeiro. Ele, La Boca, Buenos Aires. Soraya. Rodrigo. Roqueira. Rockero. Ama futebol. Ama el fútbol. 23 anos. También. Meu Deus! Dios mío!
— O meu é de carne. - Ela disse ao atendende - Capricha no chimichurri.
— São dois! - Ele falou em um português quase perfeito, esforçando-se para agradar, apesar de não comer carne vermelha há quase um ano.
Ela perguntou se ele queria uma cerveja, pra acompanhar. Ele não queria. Ela também não queria mais. Ele queria um mate. Ela pediu um com limão. Ele a corrigiu de maneira delicada, para não constrangê-la, dizendo que mate para ele era chimarrão. Ela não suportava chimarrão, ainda mais nesse calor, mas achou uma boa ideia voltar para a barraca e tomar um com ele.
— Tem um copo pra mim? - Ela perguntou.
— Não é copo, é cuja.
— Cuja?
— Sim, aquele recipiente, cuja.
— Ah, cuia.
— Isso. Cuja.
Ele explicou que o legal do chimarrão era compartilhar a cuia, preparou a erva, completou com água fervendo e passou pra ela. Ela puxou com força, queimou a boca, deixou cair a cuia e cuspiu na cara dele. Ele limpou. Ela ficou sem graça e pediu desculpas. Ele aceitou sorrindo e revelou um molar de ouro. Ela achou esquisito. Ele manteve o sorriso e o sol bateu no molar e refletiu no olho dela. Ela foi tapar o olho com a mão cheia de areia e piorou a situação. Ele pegou uma garrafa de água e jogou no rosto dela, mas a garrafa tinha o xixi do filho de 2 anos do Robério, que aprendera com o pai que não podia sujar a praia, então só fazia em garrafa de plástico. Ela disse que estava queimando. Ele a puxou pelo braço. Ambos entraram na água gelada e se abraçaram, instintivamente, até bater uma onda e dar um caldo nos dois. Ela se levantou primeiro e o puxou pela mão, de volta à barraca. Ele preparou outro chimarrão.
— Tenga cuidado dessa vez.
— Terei.
Ela teve cuidado com o mate quente, mas não com o ritual da bebida, e pegou na bomba para dar uma mexidinha. Ele ficou horrorizado e deu um tapa na mão dela, instintivamente. Ela quis saber o que era aquilo. Ele tentou disfarçar e disse que havia um mosquito do Zico. Ela corrigiu, era Zika. Ele disse Zico e Zika eram duas pragas. Ela afirmou praga era o Messi, que parecia uma pulga. Ele provocou aquela pulga sempre fazia o Brasil se coçar. Ela recordou a Argentina não era campeã havia 30 anos, desde a época do Maradona. Ele decretou Maradona era melhor que Pelé. Ela se levantou e jogou o chimarrão quente no pé dele, pois aguentava muita coisa, mas isso já era demais.
No caminho de casa, pensou que devia ter ido embora quando viu o molar de ouro. Aquilo, sim, era muito estranho.
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br

sexta-feira, 11 de março de 2016

ÁRVORE DA POESIA


Isaias Coelho Marques

Ao que se prestam
Os ciprestes
Senão aos poetas?

A VELHA DA RUA DAS LARANJEIRAS*


Daniel Cariello**
O que pensa a velha sentada em sua cadeira de rodas bem em frente à Rua das Laranjeiras? Quiçá no seu antigo sobrado, verde claro, três andares, 1872, data de construção gravada no pórtico. Ali viveram seu avô, seu pai e, em seguida, ela, filha única, com o marido, deputado federal pelo partido de JK, e depois os três filhos, um deles médico, a outra veterinária e o terceiro jogador do Bangu nos anos 80. No térreo, a sala estreita e profunda, seguida da grande cozinha e dos reduzidos quarto e banheiro das duas empregadas. No primeiro andar, os três dormitórios e apenas uma sala de banho, com toalete. No superior, um grande cômodo, repleto de estantes e móveis cobertos, clareado apenas pela luz entrante pelas duas janelas viradas para a rua, seu local preferido na casa, onde costumava ficar escondida horas a fio, lendo as coleções de livros da avó, escritas em português do século XIX, daí a explicação de ter redigido dessa forma até o fim da sua vida. Derrubado em 1971, um ano antes do centenário, deu lugar a um horroroso edifício de 12 andares, espetado de aparelhos de ar condicionado, que insistem em pingar na sua cabeça sempre que tem o desprazer de passar por ali.
Quem sabe se a anciã condenada à cadeira de rodas não esteja, por acaso, antevendo o futuro? Dentro de sua quase centenária cabeça, testemunha de muitas e velozes mudanças, talvez exista uma Rua das Laranjeiras escurecida e silenciosa, tomada por pessoas que não se veem, a não ser por meio das telas pregadas em frente a seus olhos, não se esbarram, por terem as rotas traçadas por GPS, não admiram mais o Cristo, a menos que uma fotografia do Corcovado por acaso apareça no ecrã. Em seu mundo particular, ela é a única desconectada dessa Matrix carioca, a Old Neo despreocupada em salvar o mundo, pois ela mesma não tem mais redenção.
É possível que a senhora acomodada em sua cadeira de rodas, diariamente posicionada sob um grande pingo-de-ouro, em frente à porta de entrada do prédio onde mora, de maneira a usufruir ao mesmo tempo de uma boa visão dos acontecimentos da Rua das Laranjeiras e uma cômoda proteção contra o os raios ultravioletas, recorde-se da sua longínqua infância, quando a rua era compartilhada por pedestres, bondes e carroças. Por ela descia ao Largo do Machado e de lá caminhava até praia do Flamengo, a um quarteirão, onde se banhava aos domingos com a família e, anos mais tarde, descobria o primeiro beijo, dado por aquele que se tornaria seu primeiro marido, pai do primeiro filho e depois responsável pelo primeiro enfarte. E após a praia, comungava infalivelmente com outras centenas de fiéis, na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Glória, erguida no mesmo ano do seu sobrado.
Nunca teremos certeza se a vetusta madama, do alto de sua cadeira de rodas, observa a Rua das Laranjeiras com um olhar desfocado, pois na realidade está apenas esperando o banho de sol do fim da tarde, o jogo de roleta da televisão, a sopa de legumes do jantar, o beijo do mocinho da novela, as penas de ganso do travesseiro, os voos de asas dos sonhos, a volta de vez de Valério.
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br

quinta-feira, 10 de março de 2016

O SUICÍDIO E EU


Ananda Sampaio
Teresina, aos desinformados, capital do Piauí, geralmente associada às altas temperaturas resistentes o ano todo. De uns anos pra cá, Teresina também é uma das capitais do Brasil com maior índice de suicídios, especialmente entre jovens.
Se não me falha a memória foi durante as aulas do curso de jornalismo que descobri que havia uma convenção entre os jornalistas de que não se devia noticiar suicídios. Então, me bateu a curiosidade: será que isso está formalizado no código de ética? Não. A resposta era que noticiar suicídio era contagioso, levaria pessoas propensas a se sentirem estimuladas. Alguns citavam a famosa obra de Goethe, “Os sofrimentos do jovem Werther”, na qual o protagonista se mata e que causou uma série de suicídios na Europa. Marco do romantismo.
Essa resposta nunca me conformou, quando chegou o momento da monografia propôs o tema e, para minha sorte, uma excelente professora topou me orientar. Antes de tudo, preciso dizer que o fato de ter perdido em 2002 uma prima, que tinha 22 anos à época, foi outra incógnita gigantesca que me impulsionou a essa busca. Por que alguém jovem, alegre e sadio se mata? O que eu poderia ter feito e não fiz? Onde nós todos erramos? Nós erramos? Por que ela desistiu? Será que não nos amava o bastante?
Após tantas investigações profissionais, científicas e, sobretudo, humanas, só encontrei mais perguntas. E algumas constatações, se é que posso utilizar essa palavra, enquanto existir tanto medo em dizer a palavra SUICÍDIO o problema não será resolvido ou amenizado. Vamos ter que engolir cada vez mais mortes, cada vez mais dor e incompreensão. Temos que quebrar o tabu, nos informarmos mais e dissolver alguns preconceitos.
Tenho 30 anos e já pensei em me matar. Muitas vezes deixei de encontrar sentido na vida e lidar com minhas frustrações nunca foi fácil. Pronto, admiti. Em tempos de redes sociais, quando vivemos a industrialização da felicidade, se declarar alguém insatisfeito com a vida é quase um crime contra paz mundial. Converso muito com meus amigos sobre esse sentimento, sobre essa possibilidade e pensamentos que nos pegam muitas vezes de calças curtas.

domingo, 6 de março de 2016

PENSAR NÃO É CRIME, PELO MENOS, POR ENQUANTO...



Manoel Emilio Burlamaqui de Oliveira

             Estou pensando na inexistência de saneamento básico para milhões de brasileiros que habitam o Brasil; Estou pensando em que não existe uma política de saúde pública, de verdade, para os brasileiros que habitam o Brasil; Estou pensando nas milhares de filas, em todos os hospitais e postos de saúde do Brasil, onde o povo brasileiro é tratado pior que bichos e têm suas consultas, seus atendimentos, adiados pra quando os pequenos deuses brasileiros da medicina se derem ao sacrifício de comparecer a seus empregos, pagos por prefeituras, estados e nação, para "servirem" a seus patrícios, que morrem, diariamente, à mingua, como se fossem invisíveis e inexistentes...; Estou pensando nas crianças brasileiras que não atingem 1 ano de idade, por desnutrição, estou pensando em outras crianças, que se tornam vítimas do criminosos organizados, para as quais o único meio de vida, para suas curtas sobrevivências é a bandidagem, já que, neste Brasil. ninguém dá esmolas, tão pouco cidadania!... Estou pensando na "falta de educação" de uma imensa parte do povo brasileiro, que nunca teve acesso à informação, aos livros, à escrita, que não sabe a quem reclamar das injustiças que sofre, dos xingamentos que sofre, das culpabilidades que lhe são atribuídas, até do "Governo que merece"... Estou pensando na falta de uma política para a conservação do meio ambiente, no Brasil; estou pensando na falta de combate à poluição, no Brasil; E , me arrepio todo, quando "eles" estão pensando que encontraram os responsáveis por todas as consequências da falência da Saúde, nesta minha querida terra, de maleita, de dengue, de chicungunga e de micro-encefalia, que, aliás, sempre foi o grande culpado por todos os males que nos atingem: o povo! , que precisa ser "educado" para a utlização de armas na guerra contra o vilão maior: um preconceituoso mosquitinho, que só pica pobres... (1 é uma ova, são bilhões, criados em áreas que deveriam estar saneadas) Educação, para quem que nem papel higiênico usa pra limpar a bunda, pois não teve acesso à "educação" e ao papel moeda, suficientemente, pra lutar contra a antiga muriçoca! Deus tá vendo! Se o filho da puta do acedes picasse deputados, senadores, ministros , prefeitos, e outros companheiros seus, que vivem a sugar esse pobre brasileiro criminoso, com certeza, ele desapareceria e nós não correríamos o perigo de prisão por crime de lesa-pátria, por não estarmos fazendo o que seria, simplesmente, dever e obrigação de quem se encarapitou no poder, às custas desse mesmo povo, a quem enganou e continua enganando!
                   Afinal de contas, que tipo de governo do povo, para o povo e pelo povo é esse, Brasil?
                  PUTA QUE PARIU, Será que vão usar cassetetes para matarem o mosquitinho? ou balas de borracha? Faço votos que ganhemos, pelo menos, esta guerra, não é seu chicoCunha? Antes que me esqueça, por amor de Deus, não apelem pra Bomba H! Vôte!

sexta-feira, 4 de março de 2016

MEDIDA


Isaias Coelho Marques

Põe poesia
Na existência
vazia

ARLINE*


Daniel Cariello**
Vó, lembro-me bem das vezes que fomos ao cinema, só nós dois, ver todos os filmes dos Trapalhões, no finado Cine Atlântida. Depois, íamos lanchar pão de queijo com Coca-Cola, tomar sorvete e passear pelo Conjunto Nacional. Eu, pequeno, ao seu lado, segurando sua mão amorosa e acolhedora.
Lembro-me da nossa viagem para o Rio de Janeiro, no dia em que fiz 8 anos. Você fez todo mundo no avião saber que era meu aniversário, convenceu a aeromoça a me levar para conhecer a cabine do piloto e ainda conseguiu, sabe-se lá como, que a tripulação me presenteasse com o broche da companhia aérea, que exibi orgulhoso durante muito tempo. Você sempre adorou uma festa, não é mesmo?
Lembro-me com carinho dos assaltos noturnos à geladeira, quando você organizava um super lanche para os netos que dormiam na sua casa. E depois voltávamos todos para a cama, com o estômago e o espírito bem nutridos. E quando levantávamos, no dia seguinte, você já havia preparado o café da manhã e nos aguardava com um grande sorriso, pronta para dividirmos a mesa e as tantas boas histórias que você adorava compartilhar.
Você é parte das minhas memórias mais remotas, sempre presente com um gesto de amor e uma palavra de carinho e de incentivo, me dando a certeza de que é uma amiga com quem sempre pude contar.
Uma das recordações mais singelas é a do dia em que dormi na sua casa e acordei inventando que precisava do baralho do Mickey. A gente nem sabia se isso existia, mas você colocou um largo casaco sobre o meu pijama e fomos os dois perambular a cidade atrás desse jogo de cartas que, felizmente, não encontramos, pois a lembrança da nossa busca ficou para sempre comigo, enquanto o baralho provavelmente teria se perdido em uma escura e mofada caixa de brinquedos velhos.
E, especialmente, não me esqueço do dia em que estávamos no seu quarto e você, sem motivo aparente, me disse: Quando eu partir, não quero ninguém chorando por mim, não gosto de tristeza. Quero família e amigos reunidos em uma grande comemoração.
Então, minha avó querida, esse texto não é de despedida. Nem é para ser triste. É uma pequena memória dos tantos momentos que passamos juntos. É um agradecimento pela sua amizade incondicional. É uma celebração à sua longa e bela vida.
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br