quinta-feira, 28 de abril de 2016

COMO ERA VERDE O MEU COENTRO*


Daniel Cariello**

Ele não imaginava que o único conhecimento culinário que adquiriu em sua temporada francesa fosse lhe render tanto.
— E aí você coloca coentro.
—Coentro?
- Isso. Mas não pode pôr muito. Só salpicar um pouquinho assim, ó.
A dica gastronômica ganhou ares de grande revelação, impulsionada pelo fato de João Pedro - que agora só aceitava ser chamado de Jean Pierre - ter trabalhado em um restaurante parisiense. Lá, fez as vezes de garçom e lavador de louça. Nunca fritou nem um ovo. Mas é claro que ninguém precisava saber do detalhe.
— Sabe, no Au Canard Heureux a gente sempre tinha coentro fresco.
— E é tão diferente assim?
— Uh la la, nem te falo.
Acontece que um famoso chef de cozinha, em uma dessas coincidências mirabolantes da vida, disse na TV em horário nobre que coentro fresco era o segredo da boa culinária francesa. No dia seguinte, a Tijuca inteira comentou o fato.
— Você viu aquele chef no jornal de ontem, antes da novela?
— Vi sim. Ele falou do coentro.
— E João Pedro já dizia isso bem antes.
— João Pedro, nada. Jean Pierre!
Jean Pierre virou celebridade instantânea e passou a ser tido como uma referência, não apenas culinária. Em qualquer assunto, de moda a mecânica de automóveis, todo mundo passou a consultá-lo antes de tomar decisões.
— Esse vestido está bom, Jean?
— Tá muito rouge. Tenta algo mais bleu.
— Qual vinho combina com carne vermelha?
— Nada nesse mundo é melhor do que um bom Côtes du Rhône, safra 2001.
— Jean, meu carro tá engasgando há tempos.
— Vende e compra um Peugeot.

CONQUISTA


Isaias Coelho Marques

Depois da tempestade
o beijo velado
um umbigo sem complicações.
Simplicidade
em enigmas insolúveis

quinta-feira, 21 de abril de 2016

ESPIÕES VIRTUAIS*


Daniel Cariello**

— Aí você desce na última estação do metrô. Vai ter um sujeito que é a cara do Cid Moreira te esperando, comendo um bauru. Você chega pra ele e solta a senha, "os lobos não sentem medo jamais".
— E a contrassenha?
— "A não ser nos filmes de Hollywood".
— E depois?
— Depois, entregue a pasta e vá embora, sem dizer mais nada.
— Peraí, vou anotar.
— Tá doido? Anota não. Vai que o Hermes te encontra no caminho? Decora. Grava só na tua cabeça. E se perceber algo estranho, não pare. Siga reto e pegue um táxi, o primeiro ônibus que passar, sei lá. Dá no pé rapidinho.
— E como eu vou saber quem é o Hermes, se ninguém conhece seu rosto?
— Acredite, você vai saber. Mas lembre-se do mais importante: só use o botão vermelho em último caso.
               Era o primeiro trabalho de Waldick como espião. E tudo o que ele sabia sobre o assunto era o que tinha lido na Wikipedia e no forum online "O espião sem coração". É verdade que seu empregador, o enigmático Senhor F, também não parecia ser dos mais experientes, pois chegou ao Waldick por meio de um anúncio em um site de empregos. Mas, afinal, aquele era um trabalho fácil, bastava entregar a pasta.
               Acontece que o Waldick teve um encontro inesperado no metrô.
— Waldick?
— Hã?
— Eu...
— Já sei. Você é o Hermes!
— Hermes?
— Eu seria capaz de reconhecê-lo em qualquer lugar, mesmo nunca tendo te visto antes.
— Calma.
— Aconteça o que acontecer, eu nunca vou entregar a pasta pra você.
— Que pasta, Waldick?
— O Senhor F me alertou que isso poderia acontecer. Que você viria à minha caça. Ele disse: "cuidado com o Hermes, ele não dorme no ponto".
— Estamos no metrô, Waldick. Ponto é de ônibus. E eu dormi muito bem essa noite.
— Ele também me preveniu das suas técnicas de dissimulação. Avisou que você era capaz de confundir qualquer um, Hugo.
— Não era Hermes?
— Tá vendo? Já tá conseguindo até embaralhar minhas ideias.
— Mas, Waldick...
— Não chegue perto, Hermes. O Senhor F me disse que eu poderia usar o botão vermelho. E estou pronto para isso!
— Tá maluco, Waldick? Que história é essa de Hermes, pasta, Senhor F e botão vermelho? Sou eu, o Santiago, do futebol de domingo lá na casa do Pedrão.

quarta-feira, 20 de abril de 2016

FAZER ANIVERSÁRIO


Ananda Sampaio*

               Quando mais jovem não gostava dos meus aniversários. Aquele tédio que alguns jovens sentem pelas tradições ou manifestações familiares que perpassam os anos. Quase todos os meus aniversários foram comemorados na casa da minha avó. Um almoço, uma comida especial, os primos, os tios — todos reunidos.
               O tempo passa e como é de costume ele leva consigo um monte de coisas: cacarecos sentimentais, ideias voláteis, pensamentos imaturos e, principalmente disponibilidade. Vamos envelhecendo, nossa agenda se enche de compromissos que tendem a não incluir a nossa família e amigos. E assim, percebemos que passamos pouco tempo ao lado de quem é importante para nós.
                              Os compromissos de trabalho, o corpo exausto, o desejo de querer chegar em casa e se sentir livre. Tudo isso nos afasta, se interpõe entre nós e o mundo que antes vivêramos. Triste não? Sim, bastante. Antes minhas tardes poderiam ser gastas com minhas primas comendo seriguelas no teto da garagem. Ou assistindo algum filme bobo enquanto conversámos sobre tantas coisas, tínhamos muito assunto, muita confissão a fazer. Hoje nos encontramos mais em silêncios e abraços. Como nosso tempo é escasso temos que aproveitar para estar perto, isso já é muito.
               Agora quando faço aniversário sinto-me desobrigatoriamente feliz. Porque sei que parte das pessoas que amo encontrará uma brecha no seu relógio apressado e cumprirá uma maratona para nos encontrarmos neste dia. Alguns abandonarão o trajeto premeditado para se doar um abraço, sorrir um pouco e desabafar sobre o fastio da vida adulta.
               Constatar mais uma vez que o tempo passa rápido e que a vida anda mais apressada do que nunca ultimamente. Que, ao invés, de três ponteiros o relógio parece ter mil. Um deles parece um dedo apontado para nós. Inquisidores. Nesses breves encontros não podemos sentar calmamente no sofá e falar de todas as desimportâncias que tanto nos afligem, nem dos medos que guardamos e que exigem esmero para serem impulsionados para fora de nós. Não despejamos mais o tempo a nosso bel prazer. Ele que despeja sobre nós incessantemente as tarefas não cumpridas, as metas que foram abandonadas ao meio do caminho e o quanto vivemos à revelia de nosso próprio coração.
               Ser alegre é ser triste. E fazer aniversário é isso.

*Jornalista, estudante de Letras, leitora e aspirante (suspirante) escritora. Integrante do@coletivoleituras

domingo, 17 de abril de 2016

UM DIÁLOGO IMAGINÁRIO ENTRE UM CURIOSO CIENTISTA DO MUSEU BOTÂNICO E O AUTOR DA “ORIGEM DAS ESPÉCIES”


F. B. A. - Querido e festejado mestre C. D., este nosso encontro foi providencial, pois algo está encucando meu raciocínio e, certamente, Vosmincê aclarará minhas dúvidas!
C. D. - Não se acanhe professor, sou todo ouvidos, com muita alegria, diga-me o que lhe azucrina, veremos como poderei ajuda-lo...
F.B. A. - Darwin, sempre fui um apaixonado por avesitas, pois, parece-me que, ali, houve um capricho da natureza, ao lhes favorecer com tanta beleza! Entretanto, uma delas, por sinal, a mais bela, tem um predicado que desconheço nas demais espécies de aves, elas dão marcha a ré, isto é, voejam para trás! Será que essa espécie animal é única, desde sua origem, que sobreviveu à era do gelo, e continua única no nosso mundo? Ou vosminçê conhece algo parecido, que informe a sua existência?
C.D - Frederico, o senhor está brincando comigo? Será, essa pergunta, o que chamam de pegadinha? Ou, de fato, o senhor pensa que tive, ou terei, tempo para catalogar todas as espécies de viventes, ainda existentes ou extintos? Já não basta o que sacaneiam comigo por causa do “homo sapiens”? Não querem ser descendentes dos macacos, querem ser filhos de Adão e Eva, surgidos, ou feitos, do barro e de uma costela! O senhor vai ver que um dia, no futuro próximo, a própria Igreja Católica, por um de seus papas, reconhecerá que eles nunca existiram, e que minha teoria é correta! Apenas, foi contada na Biblia de uma forma que fosse entendida naquela época!
F.B.A. - Perdoe-me, mestre, que, agora, não poderei ser suspeito de querer brincar consigo! Mas, o meu ponto fraco, e como sofro por isso, é que não tenho respostas para as perguntas que me são feitas, a respeito do bicho-homem... Não iremos mais evoluir? Parou?. E se parou,  porque parou? Iremos desaparecer, Quando? O mundo vai sofrer novas catástrofes? E a nossa ciência não poderá evita-las? Vosminçê pode ajudar-me com uma resposta racional e convincente? Por favor, caríssimo Charles!
C.D. - Sabes de uma cousa, F.B.A., como diria um agrônomo nosso conhecido, vá tomar onde as patas tomam, antes que me esqueça!

quarta-feira, 13 de abril de 2016

A QUE NÃO VEIO


Isaias Coelho Marques

A que não veio,
entre diamantes, flutuou.

A que não veio,
desvaneceu
em risos promissores.

A que não veio,
sorriu
em almas de flores.

Por que não veio,
se nunca a esperei
e sempre estive aqui?

Onde me deixou
a que não veio?

sábado, 9 de abril de 2016

NÃO PISE NA GRAMA*


Daniel Cariello**
— Vai, João, vai ali, perto das árvores.
— Mais pro lado, fica no meio.
— Recua um pouco, isso.
— Tá bom aí, João, pode ficar.
— Para, menino, ou vai cair na água.
— Olha pra cá, João, pra mim.
— Dá um sorriso. Não, um de verdade.
— Isso, João, tá lindo!
— Agora vai ali, João, na frente das vitórias-régias.
— Vem, João, anda.
— Para aí.
— Mais pro lado, sai do sol.
— E você nem trouxe o boné dele, né? Vem, João, sai do sol, fica na sombra.
— Calma, a luz tá ótima. E você esqueceu tanto quanto eu. João, dá um sorriso. Isso. Mais um. Pronto, pode ir pra sombra.
— João, vai lá com seu pai, perto daquela árvore.
— Vem, João.
— Sorriam!
— Foi? Vai logo, meus joelhos doem.
— Mais uma. Sorriam de novo. Ficou boa.
— João, olha aqui no lago, tem tartaruga.
— Juntem aí os dois. Vou pegar a tartaruga também... Essa ficou incrível. Já foi pro Insta.
— Deixa eu ver. Aqui, João, ficou boa, né? A tartaruga saiu grandona.
—Agora uma com todos juntos.
— No sol?
— Na sombra! Vem, João, abraça aqui sua mãe. Ei, você também, nós três juntos.
— Ô, moço! Você aí, escrevendo no caderno.
— Eu?
— Você poderia tirar uma foto nossa?
— Claro. Onde?
— Ali, com as palmeiras de fundo.
— Mas ali tem uma placa.
— Placa?
— Ali, proibido pisar na grama.
— Verdade, nem tinha visto.
— Pois é.
— Peraí… Pronto, arranquei. Ia mesmo ficar feia no enquadramento. Pode bater agora?
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br