Daniel Cariello**
Primeiro
sábado em Paris. Primeira festa. Atrasei-me, depois de passar um dia (infernal)
na Ikea – megaloja que é uma espécie de Tok&Stok misturada com Makro –
comprando coisas para a casa.
Ao
chegar, uma surpresa: dos alto-falantes saía música brasileira! “Essa moça tá
diferente, já não me conhece mais...”, e os franceses, que adoram a canção,
dançavam um samba meio frankenstein. Em seguida, mais Chico. E emendaram “O que
será?”. Comecei a me sentir em casa.
Na
rua estava muito frio, mas no grande apartamento – uma coisa rara em Paris –
estava bem quente. Tão quente que tive que tirar o sobretudo, o casaco, o
cachecol e as luvas, apetrechos comuns aqui, apesar de pouco familiares para os
tupiniquins.
Charlotte
foi me apresentando às pessoas. Meu francês não é lá essas coisas, mas dá pra
bater um papinho aqui e ali.
— Esses são os donos da casa.
— Enchanté.
— Esses são meus amigos.
- Enchanté.
— Esses são um casal que mora no
Senegal.
— Enchanté.
Enchanté
pra cá, cerveja aqui, enchanté pra lá, cerveja acolá. Música brasileira no som.
Já me sentia totalmente enturmado.
Aí
me apresentaram pra um sujeito do qual não me lembro da cara. Só me lembro da
camisa.
— Ça, c’est Daniel. Il vient du Brésil.
E
o rapaz, tal qual um Clark Kent, abriu o casaco e me revelou sua verdadeira
identidade.
— Regarde. - E mostrou a estampa
que ostentava, orgulhoso, do Zidane, enquanto cultivava uma expressão facial
cínica.
Isso
mesmo, o Zidane, que marcou dois gols de cabeça em 1998 e deu um balão no
Ronaldo em 2006, que nos impôs duas derrotas em Copas do Mundo. E que, na final
de 2006, perdeu a cabeça. Ou melhor: meteu-a com gosto no peito do Materazzi,
zagueiro italiano.
Aí
eu me enchi. Talvez pelas derrotas do nosso time. Ou pelo dia de cão na Ikea.
Ou pela minha ascendência italiana. Ou simplesmente pelo excesso de cerveja.
Achei que deveria fazer alguma coisa.
E
fiz.
Na
hora em que o rapaz exibiu a figura do careca em sua camisa, percebi que o
orgulho nacional estava em jogo, ali, naquele momento. Era um tapa na cara. Um
desafio para um duelo. E a hora da revanche.
Senti
o peso e a responsabilidade. Cento e noventa milhões de brasileiros e 60
milhões de italianos aguardavam ansiosos por alguma ação minha.
Respirei
fundo e, imitando o meio-campista francês, meti a testa no peito do cara, com
mais força do que o previsto.
Feita
a lambança, merecia um cartão vermelho, mas o máximo que pude fazer foi exibir
um sorriso amarelo.
— Pardon.
No
dia seguinte, acordei com uma baita dor de cabeça.
*Esse texto faz parte do livro
Chéri à Paris, disponível agora apenas em ebook:
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**"Daniel Cariello - Escritor". Continuará abrigando as crônicas cariocas