Daniel Cariello
Daqui,
vejo uma massa humana correndo de um lado para o outro. Eles vão e voltam em
bloco desorganizado, mantido unido apenas pelo movimento conjunto. Não há
escolha. Acompanham a onda ou caem e são pisoteados.
Um
pouco à frente, uns brigam contra aqueles com quem cantavam abraçados há poucos
minutos. E destroem o que encontram pela frente. E quem encontram pela frente.
O futuro da nação.
Assustada,
acuada, a Legião Urbana abandonou o palco. A violência não começou depois da
fuga, foi a sua causa. Aquele ali, com um pedaço de madeira na mão, já estava
brigando do lado de fora, assim como tantos outros. Escapou, por sorte, da
polícia montada que investia sobre a fila que se encaracolava nela mesma, em
uma espiral infinita.
Vi
o show da arquibancada, não do gramado, como havia previsto. Cheguei ao estádio
sozinho e encontrei, por sorte, amigos da escola, acompanhados de um pai
solidário e roqueiro. Eles preferiram ficar mais altos e seguros, o que foi uma
boa escolha. Daqui, podemos sair sem passar pela confusão.
Pego
um dos muitos ingressos abandonados no chão. O meu foi confiscado na entrada.
Guardo, já sabendo se tratar de uma relíquia, apesar de compartilhar da
decepção de todos os 50 mil presentes, fiéis burgueses sem religião a quem o
messias deu as costas. As mesmas costas mais cedo atacadas por um exaltado que
driblou a segurança e agarrou o cantor por trás.
Ao
meu lado, estoura uma bomba. Sinto-me em perigo. É possível, ou melhor, é
provável que os quatro músicos também se sentiram da mesma maneira quando uma
explodiu no palco, soando em uníssono com o rufar dos tambores de Conexão
Amazônica.
Não
tinha que ser assim. Há pouco mais de uma hora, um barbudo de bata branca se
aproximou do microfone e começou a falar sobre querubins para uma plateia
extasiada. Era uma piada sobre três anjinhos enviados a três países diferentes.
Quando o último descobria seu destino, desesperava-se: “Pro Brasil, não! Pro
Brasil, não!”. O barbudo emendou, então, o refrão de Que País é Esse?, em
comunhão com todos os presentes.
Porém,
a noite não foi engraçada. Depois desse início catártico, tudo degenerou
rapidamente. A procissão, que começou um mês antes, quando foi anunciado o
maior show da história da cidade, está terminando em tragédia, com incontáveis
feridos e o estádio destruído. Hoje, dia 18 de junho de 1988, os milhares de
fanáticos espalhados pelo Mané Garrincha viraram soldados. Agora, eles querem
lutar. E eu só quero ir pra casa e nunca mais escutar Legião Urbana.
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