segunda-feira, 30 de outubro de 2017

ERA UMA BRASA, MORA?



Poncion Rodrigues        
                Foi no tempo em que os Beatles faziam vibrar as tampas sonoras das nossas vitrolas, com o revolucionário som mundial vindo da velha Inglaterra.
                Um jovem Roberto Carlos, que se contorcia com sua turma nos passos do yê, yê, yê era por aqui o rei da trepidante jovem guarda que também cantava letras românticas de musicalidade emocionante e ritmo lento.
                As canções ingênuas e carregadas de um tal sentimento chamado amor, embalavam nossas novas descobertas. Dançávamos coladinhos (da cintura para cima). Meninos com meninas, despertando para os encantos das epidermes se tocando: corações disparados e bobagens românticas sussurradas nos ouvidos adolescentes.
                Naquela época, por um descuido das forças do mal, nós éramos todos felizes em tudo, tirando, é claro, as provas de matemática.
                O clube, o falecido cine Royal e a praça eram os principais “paqueródromos”. Nas tardes de domingo, depois do culto ao deus Sol nos haver bronzeado os corpos, estávamos equipados para praticar aquele olhar sedutor e o sorriso levemente lateral, cansativamente ensaiado em casa diante do espelho.
                Usando calças boca-de-sino e “botinhas” de fivelas abertas, olha lá nós em frente ao cine Royal. Quem estava namorando esnobava os colegas circulando de mãos dadas com o broto exibindo-se com a intencional naturalidade de um pavão.
                Depois do cinema, a Praça Pedro II (quando não, shows dos “Metralhas” ou dos “Brasinhas”).
                Nos volteios da praça, as trocas de olhares entre meninos e meninas eram flechas em mão dupla de cupidos invisíveis. Quando se cruzavam, a candidata a namorada abaixava o rosto com estudado pudor, logo traindo, pelo sorriso mal contido com ternura e viço, o interesse pelo “charloso” embrião de sedutor.
                Algum tempo depois todo mundo era engolido pelo portão do velho Clube dos Diários. Entre uma baforada de cigarro Minister e um gole de cuba libre aguardávamos a chegada da coragem de convidar uma garota pra dançar.
                Aconteceu que num passe de mágica ou toque de feitiçaria o tempo passou voando, bicho. Os Beatles já não se entendiam. Depois Lennon foi assassinado e o nosso “rei da juventude” foi se transformando num enrugado ancião, ainda sentado em que seu trono que ele não demonstra intenção de abandonar – pelo menos no transcurso deste milênio. Mora?

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

ENQUADRADOS


Ananda Sampaio
                
                     Onde você guarda a melhor parte da sua vida? Tenho me perguntado se a melhor parte da vida das pessoas está mesmo no instagram. Pergunto-me se é na rede social cool que estão memorizadas os melhores momentos da breve existência desses seres pós-rede social virtual. O que temos postado com frequência? A vida que quereríamos ou a vida que não vivemos? Talvez soe hipócrita o arvoramento dessa crítica, mas quero deixar nítido que tal crítica cabe mais a mim. Inquieto-me todos os dias quando sinto um impulso para postar algo sobre a minha vida, meu cotidiano. Especialmente, quando cogito postar uma selfie. Para quê, afinal? Não estaria eu mesma já tão cansada de meu próprio rosto? Não seria por isso que tenho evitado me olhar no espelho e me dado mais oportunidades de me olhar por dentro?
                Papo chato, né? Talvez. Tenho rearranjado meus conceitos sobre felicidade, satisfação, tristeza, honestidade, mentira e delírio. E tenho percebido que está cada vez mais difícil designar uma única tonalidade para cada um deles. Está tudo tão invadido dentro de mim, que uma pitada de tristeza na minha alegria e vice-versa é inevitável. Por isso, cada vez que publico uma foto minha sinto que mais minto do que sou. O avatar da rede social me impede de ser mais tanto aos olhos dos outros quanto aos meus próprios. O que resta para viver offline? Tudo, eu diria tudo.
                E tenho tentado viver tudo que tenho direito fora da tela do meu celular. As declarações de amor, de ódio, de tédio, todas as documentações etéreas da vida. Tudo que é vivido e findo e, por sorte, muita sorte, resguardado no poço frágil da memória. Tenho até escrito pouco, minha alma parece uma flor murcha. Cheia de perfume, mas feia. Sem muitos atrativos estéticos. Sem muito “adocicamento” visual. Estou tentando ser e quem sabe re-abrochar.
                As redes sociais virtuais rechaçam a minha angústia ou meu temperamento descuidado. A minha falta de apelo visual faz de mim orgulhosamente emocional — sem temer a breguice de quem pega fila no caixa de supermercado, de quem amarga um desentendimento com o marido e/ou namorado… A minha vida enquadra uma gama de acontecimentos não-fantásticos. Ou de acontecimentos tão fantásticos e banais como dar banho nos cães no sábado pela manhã. Minha vida carrega o caráter da vida comum que pouco dá manchete. Mas que dá uma boa conversa jogada ao vento.
                Temos um medo tremendo da não-permanência. Documentamos o que comemos, o que bebemos, quem amamos, os livros que lemos, as roupas que compramos, a farra que curtimos, o sol que partiu… Documentamos porque talvez pensemos que não vivemos. Porque, possivelmente, precisamos nos lembrar que estamos vivos e por quais experiências passamos. E para quais pessoas nos demos um dia e não nos damos mais hoje. Documentamos, fotografamos, descrevemos, ostentamos e pouco, muito pouco vivemos. Como disse a sábia Clarice Lispector, o nosso grande problema é o instante. Ainda não aprendemos a lidar com ele. Enquadramos tudo, quão quadrados estamos?

sexta-feira, 13 de outubro de 2017

CRIANÇAS


Poncion Rodrigues*
                Nos tempos de antigamente elas brincavam até de roda, pasmem! Naqueles tempos as crianças chegavam ao disparate de ter infância. Brincavam e rodavam nas calçadas que eram delas. Suas avós contavam estórias de fadas, princesas e cavaleiros heroicos, diante de uma plateia infantil atenta e pura. No nosso tempo as calçadas são muito perigosas. As crianças nem sequer sabem o que é o “jogo da amarelinha”, pois os antigos encantos da infância são proibidos. As cantigas de roda foram sendo abolidas ao longo da instalação dos modernos tempos. O mundo raivoso que nos cerca, já não permite que se pense em brincadeiras. A amargura existencial precoce ocupa tempo vazio de meninos e meninas, nos intervalos entre jogos no celular. A mediocridade da vida já começa a robustecer as terríveis estatísticas, não publicadas, de suicídios na adolescência, dos filhos perdidos de ninguém. Que Deus nos equipe com inteligência e ternura, para o combate que resgataria nossa humanidade em decomposição. QUE VIVAM NO AMOR AS CRIANÇAS DE HOJE E DE SEMPRE!

*ex-criança e eterno menino peralta.

domingo, 1 de outubro de 2017

A SOPA CAIU NO MEL...

Manoel Emílio Burlamaqui de Oliveira
                Tia Corina, assim a chamamos, é uma velha senhora, de cuja lucidez , muitos marmanjos têm inveja. Erudita, estudiosa, a idade avançada não lhe tirou o gosto da menina que tinha em Merlin um personagem que povoou a imaginação das crianças e a quem os adultos recorriam para fazê-las dormir sonhando com magias... Penso que foi essa predileção que a tornou uma pensionista das histórias contadas por “sobrinhos”, que lhe “adotaram” como Tia !
                Ao ler um “causo”, que me causou estupefação, sobre um fictício objeto de Fidel Castro, abrigado por ela em seu famoso “Brogue”, não tive pejo em procura-la para explicar-me se havia acreditado numa história tão estapafúrdia...
                Surpresa! Lá, já encontrei, abancado, o Mago Manu, com cara de quem comeu e não gostou!
                Ao me ver, exclamou; “Andante, você leu o que fizeram comigo?”
                —“Parece que estamos no mesmo barco, amigo velho!” retruquei. “Vejamos o que D. Corina tem a nos contar... Aliás, estou aqui em busca de teu endereço, pois tu sabes do meu, e, de vez em quando, me visitas, enquanto só te acho através da Corina! Agora, a sopa caiu no mel!”
                —A inventividade de algumas pessoas se torna inesperada quando envolve, irresponsavelmente, outrens, e fatos a eles atribuídos, que causa inveja aos que vivem de contar histórias, verdadeiras ou não... retrucou Manu!
                O papo parou quando surgiu Tia Corina, toda vistosa, com um sorriso nos lábios, alegre, como sempre, e nos saudou: “Sejam muito benvindos, caros amigos, mas o que fazem por aqui, além de me proporcionarem essa bela surpresa?”
                — “Primeiro, Corina, a alegria de te ver e o prazer de tua companhia nos pertence. Depois, essa não é uma visita, apenas, pra matar saudade, mas pra encontrarmos uma pista dum tal de Barretinho, mentiroso desajeitado, que mexeu com quem não conhecia e, agora, merece uns brogues... Mas, o adágio esta correto, “É mais fácil pegar um mentiroso que um coxo” Pois não é que o engraçadinho, ao inventar um Fidel que fumava cachimbo, atreveu-se a penetrar na História Mundial, envolvendo, propositadamente, personagens, todos eles já mortos, que não poderão, portanto, ser chamados para testemunhar fatos que nunca aconteceram? Até o suposto cachimbo, que foi quebrado, e o anel dourado com o nome do Ditador foram tragados pela correnteza de uma proverbial chuva, e a culpa jogada no Manu, já, ali, considerado um ladrão vaidoso e confesso, mas meio caduco. Portanto, querida amiga, diga-nos onde encontrar esse difamador, que abrigastes em tua coluna, pois o Mago e eu não costumamos levar desaforo pra casa!”
                 — Então vocês não sabem? Eu não sou linguaruda, muito menos “dedo duro” !
                — Mas dou-lhes uma dica: procurem o A. J. de O. Monteiro. Em compensação, publicarei no Brogue esse queixume, que, espero, não se torne um processo criminal!
                — Obrigado, Tia Corina, voltaremos!