A. J. de O. Monteiro
Como
em todos os sábados de nossas vidas, o vizinho chega ao muro que separa nossas
casas e grita:
— Ô Zé, vamos tomar umas
geladinhas aqui embaixo do cajueiro?
— É pra já, Asdrúbal, vou pegar
um chuveiro e vou.
Juntos
fomos até o depósito de bebidas do Chiquinho, logo na esquina, e compramos uma
dúzia de cervejas – seis pra cada um como manda a regra – geladíssimas, como
também manda a regra. Colocamos as “loiras” na geladeira e aboletamo-nos sob a
generosa sombra do cajueiro do Asdrúbal. Àquela altura do ano o cajueiro estava
carregado de dulcíssimos cajus e assim começamos os trabalhos sabatinos
saboreando a geladinha e os cajus. Entre um gole e uma mordida na fruta,
falávamos de futebol, reclamávamos dos políticos, dos preços da feira e da
ranzinzice das “patroas”, sempre azedando nossos sábados com reclamações
banais. E por falar nisso, sem mais nem menos, chega ao reduto a D. Mazé, a
“patroa” do Asdrúbal, anunciando com todas as pompas e circunstâncias:
— Asdrúbal, vou para o panelaço
protestar...
— Que estória é essa mulher? Vai
protestar do quê ou de quem?
— Ora, seu tapado, claro que é do
governo dessa presidenta aí que andou dando umas pedaladas... Onde já se viu
presidenta pedalar? Presidenta tem que andar de carro preto e não pedalar por
aí de bicicleta... Tá todo mundo contra... Tá todo mundo pedindo o “impinge”
dela. Vamos bater panelas até ela se mandar...
— Para de falar bobagem Mazé. Vai
bater panela lá na cozinha fritando aquelas piabinhas que eu trouxe ontem da
feira...
— Piabinha uma ova! Vou é bater
panela ao lado das madames da alta que estão todas lá, chiquérrimas com suas
panelas de “teflon” e suas colheres de bambu asiático. Vou tomar um banho, me
vestir de verde e amarelo e passar lá no supermercado Supimpa e me equipar tal
e qual as madames: panela de “teflon” e colher de bambu asiático...
— Uma ova digo eu! Tu sabe quanto
custa uma panela dessas? Eu sei. É caríssima. E essa tal colher de pau
asiática? Nem eu sei, mas deve custar uma fortuna. Já que queres ir pra esse
tal panelaço vai, mas pega teu equipamento aí mesmo na cozinha e vai, pombas!
— Nem pensar, Asdrúbal, nem
pensar! Nunca que eu vou pra uma manifestação de gente da alta, bater panela
velha, amassada e empretecida de tanto uso e além do mais com uma colher de pau
de feira livre! Nem pensar! Ou calça de veludo ou bumbum de fora.
— Diabos! Faz como quiser mulher,
mas depois não venha reclamar que faltou grana no final do mês...
— Ora, todo mês falta mesmo.
Um
Tempinho depois, ela veio se despedir, ou melhor, exibir seu uniforme de
protesto: Uma camiseta da “Skol” comemorativa da copa do mundo de 1994, calça
“jeans” e mal se equilibrando num salto estilo Luiz XV. Pensei comigo mesmo:
vai dar merda! Asdrúbal balançou a cabeça e falou entre dentes pra ela não
ouvir: - “Vai-te maluca, vai bater panela no raio que a parta”!
E
por ali ficamos com nossa cervejinha, nossa prosinha despolitizada e, agora,
mastigando as crocantes piabinhas fritadas pela Isaura, minha patroa, mas sob
os protestos de costume: - “Todo sábado é a mesma coisa, tu tomando cervejinha
com o vizinho e eu aqui sozinha cozinhando para os filhos”. Deverias – disse
ela – “era pegar tua trouxa e se mudar de vez para a casa do Asdrúbal”. Já nem
ligava. Tem sido sempre assim nessa travessia de trinta e tantos anos de
casados: Ela reclamando da minha ausência e eu reclamando da presença excessiva
dela. É como nos versos de “O CASAMENTO DOS PEQUENOS BURGUESES”, do Chico
Buarque: “Ele faz o macho irrequieto/Ela faz crianças de monte/Vão viver sob o
mesmo teto/até secar a fonte”...