sábado, 23 de junho de 2018

AMORES, APEGOS, E BEM-QUERER (I)



Manoel Andante
                  
                   Quem possui o Dicionário Prático Ilustrado? Guardo o meu exemplar como uma relíquia e um guia para um linguajar correto. Entretanto, o bichinho é mais idoso que eu e, na época em que foi publicado, como o português é uma língua rica, cheia de uma sinonímia espantosa, obrigo-me a manter, junto a mim, o Cândido de Figueiredo, para qualquer eventualidade...
                Mas, vamos lá, que o título dessa crônica tem me deixado inquieto e curioso, quanto aos meus sentimentos: 1º - Amar a Deus sobre todas as cousas e ao próximo como a ti mesmo; 2º - Apega-te à tua família, aos teus amigos, às tuas manias; 3º - Queiras bem a todos os que te querem bem; 4º - Agradeças a Deus a existência dos pássaros e das aves, dos vegetais de todo tipo e tamanho, da agua e dos minerais que te ajudam a viver ; 5º - Usa teus sentidos para sentires a presença Dele; 6° - Tens animais de estimação? Apega-te a eles e presta-lhes atenção, fazem parte da tua casa e de tua vida; 7º - Caminhar, caminhar, caminhar... e prestar atenção aos que te rodeiam!; 8º - Aceites as criaturas como elas te parecem ser ; 9º - Deixes de lado o bom e o ruim, sejas, sempre, bondoso!; 10º Teus erros servem para que reconheças tuas fraquezas e lutes por teu fortalecimento; 11º E, lembra-te, fazes parte da Criação de Deus, és uma criatura, apenas, uma partícula dessa Criação! 12º Ninguém é autossuficiente , almejar isso é fruto da malignidade da serpente!; 13º O nosso próximo é nosso semelhante, isto é, igual a mim e a ti, e, como nós, partículas da criação, que tentamos amar a Deus como ele colocou nos seus mandamentos!
II
                   Caminhar por onde?
                Caminhar nas ruas, caminhar nos livros, caminhar dentro de ti. Vais descobrir tanta coisa que a preguiça escondia de ti...
                Sabes que fizestes amigos em tuas andanças? que sentem a tua falta quando adoeces? que gostam de ti por não teres preconceitos de qualquer tipo? que sabem que tu os respeita, como amigos e semelhantes? Tu dizes que não tens joias, que não és rico... E tuas estantes, com teus livros, são o que? Enriqueces, com eles, dia a dia, teu saber se transforma em moedas do conhecimento, que são usadas nos mercados da vida... Tu te consideras um velho, por quê? Tu envelhecestes, querias, por acaso, ser imortal? Pois, primeiro, morras.. Aprimoras teu conhecimento ouvindo Deus e teus semelhantes.
                Deixa de procurar chifres em cabeça de jumento!.

terça-feira, 19 de junho de 2018

SERÁ?*



Daniel Cariello**

                Daqui, vejo uma massa humana correndo de um lado para o outro. Eles vão e voltam em bloco desorganizado, mantido unido apenas pelo movimento conjunto. Não há escolha. Acompanham a onda ou caem e são pisoteados.
                Um pouco à frente, uns brigam contra aqueles com quem cantavam abraçados há poucos minutos. E destroem o que encontram pela frente. E quem encontram pela frente. O futuro da nação.
                Assustada, acuada, a Legião Urbana abandonou o palco. A violência não começou depois da fuga, foi a sua causa. Aquele ali, com um pedaço de madeira na mão, já estava brigando do lado de fora, assim como tantos outros. Escapou, por sorte, da polícia montada que investia sobre a fila que se encaracolava nela mesma, em uma espiral infinita.
                Vi o show da arquibancada, não do gramado, como havia previsto. Cheguei ao estádio sozinho e encontrei, por sorte, amigos da escola, acompanhados de um pai solidário e roqueiro. Eles preferiram ficar mais altos e seguros, o que foi uma boa escolha. Daqui, podemos sair sem passar pela confusão.
                Pego um dos muitos ingressos abandonados no chão. O meu foi confiscado na entrada. Guardo, já sabendo se tratar de uma relíquia, apesar de compartilhar da decepção de todos os 50 mil presentes, fiéis burgueses sem religião a quem o messias deu as costas. As mesmas costas mais cedo atacadas por um exaltado que driblou a segurança e agarrou o cantor por trás.
                Ao meu lado, estoura uma bomba. Sinto-me em perigo. É possível, ou melhor, é provável que os quatro músicos também se sentiram da mesma maneira quando uma explodiu no palco, soando em uníssono com o rufar dos tambores de Conexão Amazônica.
                Não tinha que ser assim. Há pouco mais de uma hora, um barbudo de bata branca se aproximou do microfone e começou a falar sobre querubins para uma plateia extasiada. Era uma piada sobre três anjinhos enviados a três países diferentes. Quando o último descobria seu destino, desesperava-se: “Pro Brasil, não! Pro Brasil, não!”. O barbudo emendou, então, o refrão de Que País é Esse?, em comunhão com todos os presentes.
                Porém, a noite não foi engraçada. Depois desse início catártico, tudo degenerou rapidamente. A procissão, que começou um mês antes, quando foi anunciado o maior show da história da cidade, está terminando em tragédia, com incontáveis feridos e o estádio destruído. Hoje, dia 18 de junho de 1988, os milhares de fanáticos espalhados pelo Mané Garrincha viraram soldados. Agora, eles querem lutar. E eu só quero ir pra casa e nunca mais escutar Legião Urbana.
***

segunda-feira, 4 de junho de 2018

COMO FALAR FRANCÊS (SEM FALAR FRANCÊS) [CRÔNICA] *



Daniel Cariello**

                Se você quer fazer todos acreditarem que aprendeu francês na Sorbonne, anote as dicas a seguir
                Ao chegar a Paris, meu francês não era grandes coisas, mas mesmo quando não entendia o que falavam, sempre mantive a pose de totalmente fluente, fruto de algumas técnicas que desenvolvi.
                É verdade que existem livrinhos de consulta rápida com frases prontas em diversas línguas. Normalmente são divididos por temas, como “chegando à cidade”, “saindo para jantar” ou “pedindo informações”, ótima opção para garantir ao menos uma comunicação básica.
                Porém, se você quer fazer todos acreditarem que aprendeu francês na Sorbonne, anote as dicas a seguir. Para ser tão didático quanto o monsieur Gérard, dividi os ensinamentos em capítulos.
Cinq minutes de merde
O que é
                A primeira técnica, batizada de Cinq minutes de merde, foi criada por causa de um fato estranho que acontecia comigo. Mesmo que o assunto fosse fácil e as pessoas não falassem muito rápido, eu demorava cinco minutos para dar um boot no meu sistema operacional interno e ajustar o cérebro à conversa. Era como um rádio meio fora da estação, que você pesca algumas palavras, mas não consegue entender o contexto.
O que fazer
                Primeiramente, fique com um leve sorriso na cara o tempo todo. Dá um ar de quem está por dentro do assunto. Não exagere, pra não ficar com expressão de idiota. Olhe para quem está falando, mas não muito, pois ele pode te pedir uma opinião. O ideal é balançar um pouco a cabeça e ficar atento às outras pessoas da roda. Se elas rirem, ria também. Se fizerem cara de espanto, coce o queixo.
                Quando entender um pouco, solte um "je vois" ou um "oui" de vez em quando. São os equivalentes ao nosso "sei, sei...", que não quer dizer nada, embora diga tudo.
                Mas, quando boiar completamente, marque um ponto no horizonte e fixe o olhar. Se te perguntarem alguma coisa, arregale os olhos e repita a seguinte frase: "Pardon, j’étais inattentif". Em bom português, "Desculpa, estava desatento". Porém, NUNCA peça para repetir. É o momento ideal de procurar pelo banheiro.
Faisant des ronds dans l’espace
O que é

A MINHA CADEIRA PREGUIÇOSA



Manoel Emílio Burlamaqui de Oliveira

                Quem já possuiu essa coisa gostosa, também conhecida como espreguiçadeira?
                “Meio-deitado nela, meu pai me contava estórias de ‘trancoso” e eu, quantos anos depois, me pergunto, repassava –as e acrescentava outras , para filhos e netos...
                Raposas que bebiam cachaça e ficavam bêbadas dando gaitadas e rolando pelo chão!
                Macacos que roubavam milharais e bananais e botavam um vigia, para avisá-los quando vinha alguém, e batiam no “vigia” se não ao avisasse, a tempo de fugirem de visitantes inesperados.
                Tatús que garantiam que o seu buraco era uma fortaleza, de onde ninguém o arrancava...
                Gaviões que se apavoravam quando eram perseguidos por Bem- te- vis, pássaro querido de seus colegas por costumar salvá-los das aves de rapina!
                Ah! Minha cadeira preguiçosa, onde tantas vezes dormitei e sonhei!
               Sonhos aonde os bichos vinham falar comigo... E, tenho certeza, tornavam-se meus amigos!
                Vagarosamente, iam se achegando em torno de mim, contando como suas vidas mudaram depois de tê-los salvos de preserpadas em que se meteram...
                A raposa, salva por mim dos caçadores que deixaram a cachaça numa bacia, para prendê-la bêbada, e mata-la, garantiu que deixou de beber e, nunca mais, comeria das minhas galinhas...
                Um macaco, bastante crescido, que foi vigia, enquanto seus pareceiros roubavam milho e banana dos quintais alheios, e acordou com um tiro meu, para alertar a macacada de que intrusos, não benvindos, estavam chegando, trouxe-me o recado de que ninguém mais botaria a mão nos frutos de meu quintal...
                Rolinhas, canários, pardais, pintassilgos, sabiás, e outras avesitas, cantando de alegria, agradeciam-me pela acolhida carinhosa que dei a um bem-te-ví amigo e à sua família...
                E meu amigo, amarelo e preto, com a pousada que lhe proporcionei , onde impera m a segurança, a alegria, o amor e a paz, juntava-se aos outros para louvarem, com seus cantos, o Criador!
                E, então, senti uma beliscadela e foram-se embora os sonhos... Apareceu a fêmea do bicho-homem, (perdoe-me minha querida esposa) atriz nº 1 da nossa vida! Dona de um relógio implacável!: “O café estar na mesa” “Desocupe o banheiro!” “Cuidado pra não atrasar pro emprego!” “Hoje é dia da feira”, “Apaga a luz e vamos dormir, que a energia tá muito cara” e, etc. etc...
             Ainda bem que a semana tem sábados e domingos, além dos feriados, dias em que a preguiça me transforma , mais uma vez, em dono daquela cadeira gostosa, aonde bebo, sem sair dela, minha pinga, como meus torresmos e pasteizinhos com uma loura suada, e deixo meus amigos com inveja!
E volto aos meus sonhos...!