Poncion Rodrigues
Naquele tempo
era assim; o Natal tinha um cheiro e aquele cheiro era portador da melhor das
fantasias que inebriava a ansiedade infantil de cada um de nós. Rua Elizeu Martins,
nº 1703, a felicidade morava ali, onde também se alimentava e descansava Papai Noel,
no fim da estafante expedição ao redor do planeta, no nobre sobe-e-desce da
entrega de presentes para as crianças do mundo. Nas manhãs de vinte e cinco de
dezembro a infalível chuva da noite e madrugada havia deixado úmidas as ruas
calçadas (sem asfalto) de então, e o aroma bom da terra molhada era gulosamente
aspirado por mim.
Em
algum momento da vida ELE desistiu; talvez por puro cansaço, senilidade,
decepção com os adultos ou falta de credibilidade, que fora o combustível de
sua encantadora existência. Foram anos de tristeza e natais etílico-gastronômico,
até a sequência de nascimento dos meus filhos, que em número de cinco trouxeram
de volta a mágica do verdadeiro embaixador do menino Jesus.
Papai
Noel havia voltado! E trazia consigo a fantasia que ele salpicava pela sofrida
terra dos homens. Hoje, num mundo técno-cibernético do pragmatismo insensível,
o bom velhinho é personagem coadjuvante de campanhas publicitárias.
Descaracterizou-se até no volume corporal: sai o gordo de bochechas rosadas e
terno sorriso; entra o magro de sorriso e barba falsos, trenó de shopping
center e inimigo da ternura.
Na
revista “Seleções do Reader’s Digest” , edição de dezembro de 1951 (isso mesmo,
dezembro de 1951), um breve conto de natal relata a história de um funcionário
dos correios em certa cidade inglesa, cujo espírito mutilado pela morte de um
filho ainda criança, foi resgatado da escuridão do desespero por uma carta ao
Papai Noel, escrita singelamente por sua filha sobrevivente que pedia ao bom
velhinho paz de espírito para seu pai.
A
fantasia se alimenta da pureza das crianças.
Nesse
contexto já necessito de um neto ou neta que traga de volta a fantasia do Natal
à minha vida, antes que a demência da velhice me mergulhe na inevitável
obscuridade do limbo, entre a existência real e o desconhecido.
Pelo
menos neste mês, viva o espírito de Nata, viva sempre o recém-nascido Jesus e
viva, pela eternidade, aquele velhinho glutão e simpático que não quero
aprisionado nos tempos longínquos da minha infância.
Feliz
Natal para aqueles que ainda conseguem sonhar com guizos e renas aladas! Feliz
Natal também para as pobres criaturas que veem na data apenas um feriado a
mais; afinal os pobres de espírito são, como toda a humanidade, merecedores da
paz de Jesus.
Nota do Postador: Crônica escrita em dezembro de 2005.
Hoje o autor já desfruta do amor de quatro netos e um quinto está a caminho.
Um comentário:
Que texto lindo, quanta sensibilidade...me fez sentir criança esperando o bom velhinho.
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