A. J. de O. Monteiro
Excetuando-se a histeria das torcidas pessoais, o ensurdecedor barulho das buzinas e sirenas de ar comprimido ou alimentadas por baterias; os estridentes apitos, o maçante ritual de apresentação dos formandos e dos componentes de uma vetusta mesa; dos entediantes, laudatórios e piegas discursos, as solenidades de colação de grau exercem um tremendo fascínio sobre mim, especialmente o juramento de fidelidade à ética no exercício da profissão em que se graduam os formandos. Dentre todos os juramentos que já ouvi ao longo da vida, um especialmente me emociona: O juramento de Hipócrates, pelo qual os formandos em medicina se comprometem em exercer, com ética e humanismo, a arte da cura regida por Esculápio. De todo o conteúdo do Juramento, se sobressai, em minha opinião, a assertiva: “Conservarei imaculada minha vida e minha arte.” Que se completa com o termo final: “Se eu cumprir este juramento com fidelidade, que me seja dado gozar felizmente da vida e da minha profissão, honrado para sempre entre os homens; se dele eu me afastar ou infringir, o contrário aconteça.”.
Muito embora existam médicos e
instituições que dedicam parte de seu tempo ao exercício filantrópico da
medicina, no meu entendimento, o Juramento de Hipócrates não exige do médico, renunciar
aos bens, ao conforto, ao lazer, enfim, aos benefícios que a vida oferece a
quem trabalha, mas, também, não recomenda transformar a profissão em negócio
meramente lucrativo, em detrimento de seu objetivo maior que é salvar vidas. É
assim que o interpreto, se estiver errado, me corrijam.
Historicamente, salvo uma ou outra
exceção, nossos governantes, em quaisquer dos níveis de governo, jamais demonstraram
algum interesse com o bem estar da população. Foram, no mínimo, indiferentes. E
ante essas omissão e indiferença oficial, a classe médica, oriunda, em sua
grande maioria de famílias abastadas, quando não ricas e também abastecedoras
dos cargos públicos, eletivos ou não, transformou o Ministério da Saúde em seu
feudo e foi sucateando a rede pública de saúde, substituindo-a por grandes
instituições privadas e, não satisfeita, pretende esvaziar profissões que vem
assumindo relevantes funções preventivas de saúde como os fisioterapeutas,
nutricionistas, biomédicos e outros. Querem, inclusive, tornar privativas de
médicos funções de direção e chefia dos serviços médicos. Tudo bem, um médico
pode administrar, mas não seria um desperdício de força de trabalho já tão
escassa? (assim alegam). Além disso, a boa prática administrativa não julga conveniente
coordenar e executar, concomitantemente. Ainda bem que o congresso acatou os vetos
presidenciais impostos ao Ato Médico.
As
ações governamentais que intentam modificar essa realidade, sempre esbarram na
resistência corporativa das entidades classistas. Boicotam o SUS, o PSF e,
agora, o programa “Mais Médicos” é
atacado com argumentos frouxos, inconsistentes e falaciosos; hipócritas, até.
Alegam falta de infraestrutura, (laboratórios, remédios, recursos humanos, etc.,)
para justificar o desinteresse de médicos pelo interior, quando todos nós
sabemos que a verdadeira razão é, unicamente, o sucesso profissional, como via
de alcançar riqueza. Coisa que no interior é bem mais de difícil, a não ser em
associações esdrúxulas com oligarquias políticas que se locupletam dos recursos
públicos... Essas entidades posicionaram-se contra o programa e mobilizam seus
representados contra a admissão de médicos estrangeiros e brasileiros graduados
em outros países, exigindo a submissão destes a uma prova de revalidação de
diploma, pressupondo que a formação adquirida lá fora é de qualidade inferior.
Sabemos que não é bem assim.
Não
sei como ainda não intentaram contra os Médicos Sem Fronteiras, que é uma
organização internacional não governamental sem fins lucrativos que oferece ajuda médica e humanitária a
populações em situações de emergência, em casos como conflitos armados,
catástrofes, epidemias, fome e exclusão social. É a maior organização não
governamental de ajuda humanitária do mundo, na área da saúde*. Os MSF, já
receberam as mais importantes comendas internacionais, inclusive o Prêmio Nobel
da Paz. E não se tem notícias que eles imponham qualquer condição para exercer
a medicina, pelo contrário, enfrentam quaisquer condições adversas. Tenho
certeza que Hipócrates sentiria muito orgulho deles.
A imprensa tem noticiado
fartamente, todas as ações empreendidas pelo governo no sentido de implementar
o programa e levar, pelo menos, a atenção básica em saúde às mais remotas
regiões do Brasil. E cada uma dessas ações gera uma reação que me faz suspeitar
que as entidades médicas defendem não os médicos, mas os interesses econômicos
do mercado da saúde composto pelos grandes empreendimentos privados, alguns já
quase “holdings”.
Há,
ainda, um “lobby” paralelo e de pouca visibilidade, formado por donos de
pensões, hotéis e afins, que se especializaram em receber pacientes do interior
e encaminhá-los para clínicas, hospitais, laboratórios e médicos “conveniados”
e, às vezes, até associados. Temem, todos estes, que a medicina gratuita levada
ao interior, embora, apenas, como atenção básica, reduza seus lucros, mesmo que
minimamente. Aliás, a meu ver, até as ações imprescindíveis à saúde pública,
aquelas que dizem respeito ao saneamento básico (abastecimento d´agua, esgotos,
fossas assépticas, etc.) são inexistentes aonde se fazem mais necessárias,
inclusive, em nossa Teresina, e que contribuiriam para baixar,
consideravelmente, os índices de morbidade e mortalidade (principalmente, a
infantil) das vilas, povoados, e cidades interioranas.
Mas
a determinação do governo em levar adiante o programa e ainda a falta de
acatamento popular aos seus argumentos, as entidades, através de seus
presidentes, resolveram apelar para o Terrorismo psicológico, com declarações
impactantes, no melhor estilo nazifascista, tais como:
-
“A qualidade dos profissionais é extremamente duvidosa e a forma de contratação
desses médicos tem características de trabalho escravo”.
-
“A atuação dos médicos cubanos em outros países da América Latina se assemelha
a uma brigada militar”.
-
“Isso poderá causar um genocídio”.
-
“Vamos à justiça para barrar os registros desses profissionais e tentar
caracterizar exercício profissional da medicina.”.
-
“Muitos não vão nem saber se tiveram um atendimento satisfatório, ou se o
procedimento adotado fazia sentido. Vai ser uma tragédia”.
-
“Vou orientar meus médicos a não
socorrerem erros dos colegas cubanos”.
Todas
essas declarações as retirei da imprensa, mas duas me chamaram mais a atenção
por falar em genocídio e tragédia, pois genocídio e tragédia podem causar os
médicos contratados por estados e municípios que, todas as manhãs vão aos
hospitais públicos e postos de saúde, batem ponto e saem assoviando para seus
consultórios ou hospitais privados, pouco se importando se alguém ali,
esperando atendimento, vai morrer ou não. Isso senhores presidentes, é genocídio, é tragédia.
Afinal
de contas, há sinceridade nessa postura negativista dos organismos
corporativistas, ou estão aproveitando a onda de protestos contra a corrupção
generalizada no país, para defender interesses inconfessáveis?
* do Wikipédia
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