A. J. de O. Monteiro
Amor,
ah o amor. Essa sublime manifestação humana que atinge a todos os seres de
diversas formas... Que cria, mas também destrói. Que se doa, mas exige
reciprocidade. Quando imaginamos o amor nós o vemos sempre como o envolvimento
de um homem e uma mulher e a perspectiva de felicidade embutida nos contos de
fadas com o desfecho ideal do “...e foram felizes para sempre...” Esse
sentimento tem inspirado a produção literária de todos os povos. Romances,
contos, poesias, etc., tiveram como mote o amor. Em sua grande maioria, esses
trabalhos literários reportam histórias dramáticas de encontros e desencontros,
de superação de obstáculos e perigos, mas com o inefável final feliz. O amor se
manifesta nos sonhos, nas aspirações, nas lendas, na mitologia e, como não
poderia deixar de ser, na História. Amores reais, mas tão cantados e decantados
que às vezes parecem lendários, como Cleópatra e seus conquistadores (?)
romanos Júlio César e Marco Antônio, como Napoleão e Josefina, Pedro I e Inês
de Castro e mais recentemente Domingos e Evita Peron, na argentina.
Mas
o amor também pode ser trágico, como o foi no caso dos franceses Abelardo e
Heloísa. Também inspirou tragédias como em Romeu e Julieta, de Shakespeare. Da
mitologia conhecemos o sofrimento de Orfeu e Eurídice, que se perderam, se
acharam e se perderam de novo até reencontrarem-se na morte. Até na música
moderna, como na saga do baiano Santo Cristo e sua amada Maria Lúcia, narrada
em “Faroeste Caboclo”, de Renato Russo, o amor resulta em morte e dor.
Em
Teresina, entre o final dos anos 60 e o início dos anos 70, embalado pelos sons
dos “Brasinhas”, dos “Metralhas” e do “Barbosa Show Bossa”, nos salões do Clube
dos Diários e do Jockey Club, floresceu o amor entre dois jovens de nossa
sociedade. Ela, de ascendência árabe, de família com tradições fundamentadas no
islamismo e ele, um brasileiro nato, de formação católica mas que se dedicava
mais à vida mundana que aos rituais da Igreja. O namoro se desenvolveu como era
próprio naquela época, obedecendo a um escalonamento de concessões,
principalmente por parte das donzelas casadoiras. Primeiro permitia-se
acompanhar do colégio até a esquina de casa conversando amenidade; depois as
palestras estendiam-se um pouco mais até portão de casa, onde o pai da moça,
mesmo que não fumasse, permitia-se pigarrear, para marcar presença. Depois já
tendo sido convidado a entrar e tomar um cafezinho, o restante acontecia
naturalmente: segurar a mão; o primeiro beijo; dançar de rosto colado e, por
fim o “pino” numa esquina escura na volta pra casa depois da tertúlia... Com
nossos heróis não foi diferente.
Em nossa capital, naquela época, a Universidade Federal ainda incipiente, oferecia poucos cursos e pouquíssimas vagas nesses cursos, o que levava os estudantes concludentes do 2º grau, hoje ensino médio, procurar outros centros para prestar o famigerado vestibular e posteriormente alcançar o grau de doutor. Obviamente que somente aqueles de família mais abastadas tinham essa oportunidade. E dos estudantes que iam estudar fora, a grande maioria era do sexo masculino pois o machismo de então não consentia mulheres sozinhas em cidades estranhas. Salvavam-se aquelas que porventura possuíssem parentes em outras cidades.
Em nossa capital, naquela época, a Universidade Federal ainda incipiente, oferecia poucos cursos e pouquíssimas vagas nesses cursos, o que levava os estudantes concludentes do 2º grau, hoje ensino médio, procurar outros centros para prestar o famigerado vestibular e posteriormente alcançar o grau de doutor. Obviamente que somente aqueles de família mais abastadas tinham essa oportunidade. E dos estudantes que iam estudar fora, a grande maioria era do sexo masculino pois o machismo de então não consentia mulheres sozinhas em cidades estranhas. Salvavam-se aquelas que porventura possuíssem parentes em outras cidades.
Em
razão disso, as moças, não raro, exigiam dos namorados que iriam estudar fora,
firmar um compromisso entre eles, envolvendo suas respectivas famílias,
tentando, com isso, garantir seu amor ante os atrativos e liberalidades que se
imaginava prevalecer nos grandes centros.
No
caso aqui narrado, o pai da donzela fez uma exigência que pegou a todos de
surpresa: Que o pedido de noivado fosse feito em sua língua natal. Ora, para
nós brasileiros, as línguas árabes soam como grunhidos ininteligíveis. Nosso
herói ponderou que nem com alguns anos de estudo conseguiria fazer um pedido de
noivado naquela língua. Reuniões, consultas, conselhos; até que alguém sugeriu que
se perguntasse ao pai da pretendida se ele aceitaria um pedido por escrito. Não
sem relutar o velho turrão aceitou o sugerido.
Pesquisando
nas cercanias do Mercado Velho, o rapaz tomou conhecimento da existência de um
imigrante da mesma leva do pai da noiva, mas que vivia afastado da colônia por
ter-se envolvido em negócios escusos. Informaram-lhe que o proscrito poderia
escrever o bilhete em troca de algum dinheiro. E assim foi feito.
No
dia acordado para a formalização do noivado, o jovem pretendente, com o
envelope contendo o pedido e acompanhado dos pais, dirigiu-se a casa da amada
onde a família da mesma já os esperava com uma mesa repleta de delícias da
culinária árabe. Após as mesuras e rapapés de praxe, o rapaz, com o coração a
saltar pela boca, entrega o bilhete ao pai da pretendida que, com ar solene
abre o envelope e começa a ler o bilhete. De repente para e, transfigurado,
investe contra o rapaz desferindo-lhe bengaladas e grunhindo palavras em sua
língua. O mancebo esquivando-se dos golpes foi arrastado pelos atônitos pais
para fora da casa. Com o velho contido, e sem nada entender, tentou falar com a
namorada que aos prantos, abraçada à mãe, negou-se ouvi-lo. Como uma
aglomeração de curiosos já se formava, os pais resolveram deixar o local,
retornar para casa e refletir sobre o incidente. Aquilo precisava de uma explicação:
Teria o velho, por força da emoção, surtado?
Ainda
chocado, mas decidido a obter uma explicação, no dia seguinte o jovem
dirigiu-se a casa da amada e foi repelido com veemência. Tentou contato com
parentes da moça e foi mal recebido. O que fazer? O que estaria escrito nesse
maldito bilhete que ele, apesar da confusão conseguira retirar das mãos do
velho? Resolveu então procurar o “ghost writer”, cobrar explicações e, se fosse
o caso, aplicar-lhe algum castigo. Foi preparado para uma conversa “grossa”. Na
casa do proscrito, outro golpe. Encontrou uma multidão em volta da mesma e o
miserável pendurado no teto da casa. No peito do suicida, um cartaz onde se lia
em letras garrafais apenas uma palavra: PERDOEM-ME! A quem pedia perdão? Ao
jovem? À sua amada? Aos pais dos dois ou, quem sabe, a todos a quem magoara ao
longo de sua miserável vida?
No
desespero por encontrar respostas para sua aflição, o rapaz bateu em cada porta
de árabes de Teresina. Ninguém o acolheu. Todos lhe viravam as costas.
Tratavam-no com desprezo. Nem direito de se defender permitiam-lhe. E ele,
carregando todo aquele sofrimento sem saber o porquê de tanto ódio, continuou
irresignado.
Após
recorrer até a meios diplomáticos sem sucesso, tomou uma drástica decisão:
Resolveu viajar ao país de origem dos seus desafetos onde pensava encontrar
alguém que pudesse traduzir o malsinado bilhete e por um termo àquela angústia.
Mais decepções. A quem apresentava o bilhete (levara várias cópias, por
precaução), ou rasgava, ou devolvia sem olhar em seus olhos, ou vociferava
naquela língua estranha, gesticulando ameaçadoramente.
Certo
dia, já desesperançado, chegou-se a ele um homem de gestos suaves e semblante
bondoso, que se dizendo tocado por sua dor informou-lhe da existência de um
eremita que vivia em um distante Oásis e que por ser de índole muito ruim
talvez não tivesse qualquer constrangimento em traduzir aquelas repugnantes palavras.
Nada lhe assegurava, mas talvez fosse sua única e última chance de obter as
respostas que precisava. O bondoso homem ainda lhe indicou um beduíno conhecido
para servir-lhe de guia na jornada pelo inóspito deserto, até o distante Oásis
do eremita.
Foram
muitos dias sob um sol escaldante e muitas noites suportando um frio lancinante
até que o silencioso beduíno parou e apontou para o horizonte. O rapaz apurou a
vista e conseguiu ver um pequeno ponto escuro em meio a toda aquela areia. O
beduíno, a través de gestos, disse-lhe que dali não passaria e ali o esperaria
para conduzi-lo de volta à cidade. Também com gestos o rapaz indicou que
compreendera e seguiu entre confiante e pessimista.
Por
fim, uma boa surpresa. Na entrada do Oásis, em pé, sorridente e de braços
abertos um homem em nada parecendo um eremita, pelo menos do modo que ele
imaginava um eremita, saudou-o efusivamente e em bom português: “Méo querido,
que bom ver um compatriota. Venha, aproxime-se, deixe-me abraça-lo. Os bons
ventos do deserto já noticiaram sua vinda e o motivo que o trás aqui. Vou
ajuda-lo.” Ante o olhar surpreso do visitante, tratou de explicar: “Sou
brasileiro de origem árabe. No nosso país exerci vários cargos públicos e fiz
um bom “pé de meia”. Dai uns invejoso começaram a me perseguir, acusando-me de
corrupto, sem nenhuma prova e eu, desgostoso e magoado, resolvi refugiar-me
aqui para escapar da perseguição daqueles promotores que não fazem outra coisa
que não seja perseguir políticos de sucesso.” “Mas venha, prosseguiu, passe-me
logo o bilhete pois sei que você está ansioso para voltar e esclarecer todo
esse imbróglio”. O jovem percebeu que o semblante do eremita, ao começar ler o
bilhete, se fechou e temeu o pior. Achou que ele não iria traduzi-lo. Pensou
consigo mesmo: É grave, muito grave o que está escrito aí, pois se nem um ex-congressista
brasileiro quer traduzir, é gravíssimo. O eremita parou, fixou gravemente os
olhos no perplexo rapaz e disse: “Misericórdia, Alá! Nem eu tenho coragem de
proferir tais palavras... Vou traduzir por escrito, mas quero que você me
prometa solenemente que só abrirá para ler a tradução quando chegar ao seu
destino ou, pelo menos, quando ultrapassar a metade da viagem até lá.” O jovem
prometeu e partiu.
Chegando
a cidade, após pagar o guia, tratou logo de providenciar a volta. Foi a todas
as companhias aéreas que tinham voo para o Brasil mas disponibilidade de
assento era no mínimo para 90 dias. Não podia esperar tanto. Foi ao cais do porto
e conseguiu embarcar em um navio cargueiro que trazia especiarias, e tapetes
para o Brasil. O comandante informou que a viagem duraria em torno de trinta
dias. Diante das circunstâncias, pra ele estava bom. Depois de quinze dias de
sofrimento, enjoando a ponto de pensar que morreria, vai ao comandante que o
informa terem ultrapassado a metade da viagem. Ansioso dirige-se ao convés do
cargueiro e abre o papel com a tradução. Justo nesse momento, uma forte lufada
arranca-lhe das mãos o papel, levando-o pelos ares. No afã de recuperar o
bilhete, o rapaz se desequilibra e cai no mar. Homens da tripulação que
presenciavam a cena ainda correram em seu auxílio, mas nada puderam fazer. Da
mureta do convés apenas viram a espuma do mar tingir-se de vermelho, o que lhes
fez supor que o indigitado amante fora sugado pelo torvelinho da hélice do
navio...
Que
história triste!
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