Daniel Carriello**
Ia distraído pelo Eixinho quando
passei por uma minivan que ostentava dizeres garrafais na sua porta traseira:
“Atenção: transporte de bolos”. Surpreso, desacelerei meu carro e me posicionei
atrás dela, só para ter certeza de que o texto era aquele mesmo. Era.
Nas minhas duas décadas de
volante, já havia visto automóveis com frases como “Mantenha distância:
valores” ou “Cuidado: combustíveis”, mas era a primeira vez que cruzava com um
“Atenção: transporte de bolos”. E fiquei pensando que um veículo desses não
apenas merecia ter pista livre à frente, merecia, também, ser celebrado.
Em um átimo (sempre quis usar
essa palavra, átimo, e agora consigo, não é ótimo?), viajei para um mundo sem
ganância e sem individualismo, no qual não precisaríamos de mais carros-fortes
cheios de dinheiro, com janelinhas minúsculas pelas quais passem apenas olhares
vigilantes e canos de fuzis de quem está lá dentro, levando mais grana para
quem já tem muita. Nem de caminhões de gasolina atravessando a cidade, pois os
combustíveis seriam praticamente desnecessários em ruas dominadas por
bicicletas e um eficiente transporte público elétrico.
Nesse lugar, o bolo teria
prioridade sobre a bolada. E os tipos caseiros, feitos a mão pelas avós, seriam
os bens mais preciosos de todos. Principalmente se tivessem uma grossa camada
de chocolate e fossem servidos ainda mornos, com a cobertura escorrendo.
No reino da utopia, as reuniões
importantes ocorreriam na hora do lanche, em torno de um floresta negra ou de
uma tartelete de morango. E as decisões deveriam ser tomadas antes do fim da
última fatia da iguaria, sob pena de serem declaradas complicadas demais para
valer a pena.
O triunfo da combinação de
farinha, leite, ovos, manteiga e recheios diversos seria a confirmação de que
havíamos finalmente percebido que não precisamos de muito para ser felizes. No
máximo de um café, para acompanhar os quitutes e ver a vida passar no ritmo que
ela deveria ter.
Fui seguindo aquele carro, para
ver aonde ele ia, até que o telefone tocou, tirando-me do meu universo
particular e me trazendo de volta ao mundo da correria e dos engarrafamentos.
Era um colega com quem tinha um compromisso, para o qual já estava trinta
minutos atrasado.
– Ô rapaz,
cadê você?
– Tô indo.
– Vê se não
vai me dar o bolo.
– Olha, até
que não seria uma má ideia.
– Hã?
– Nada,
nada...
*Originalmente publicado em Veja Brasília
de 09/05/14.
**Leia
também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris (www.cheriaparis.com.br).
Nenhum comentário:
Postar um comentário