A. J. de O. Monteiro
Aquela
manhã do sábado imprensado pelo feriado da 5ª feira transcorria enfadonha. Já
perto das 11 horas e nenhum cliente aparecera, nem mesmo telefonara. Sozinho em
minha sala já lera todos os jornais, checara os e.mails, até arrisquei um jogo
de palavras cruzadas, que certamente não é meu passatempo favorito. Da antessala
vinham os sussurros da secretária e do manobrista, entrecortados por longos e
modorrentos bocejos.
Nesse
clima resolvi encerrar meu expediente e antecipar em 1 hora minha ida ao bar da
Pequena onde, quase todos os sábados, há mais de 10 anos, reúno-me com um grupo
de amigos, “companheiros de copo e de cruz”, como disse Chico Buarque. Formamos
uma espécie de confraria sem lema. Ali se contam piadas, ouve-se música (às
vezes ao vivo), fala-se mal da vida alheia, de políticos, tudo isso acompanhado
de cerveja, para uns e uísque, para outros, além de tira gosto feito na hora (dependendo,
é claro, dos humores da proprietária, nem sempre dos melhores).
Fechei
a porta do escritório, fiz as recomendações de praxe aos colaboradores e saí...
Quando chegava ao carro, no estacionamento, o telefone tocou. Atendi e ouvi:
“OSVALDINHO, RAPAZ! Há quanto tempo”! Surpreso, respondi: Ô, amigo, você se
enganou de número, este telefone não é do Osvaldinho...
— “O que é isso rapaz, quem me
passou teu número foi o Ambrósio; além disso, tua voz não me engana; continua a
mesma daqueles tempos sofridos da Casa
do estudante. Eita vozeirão...”.
— Olha amigo, vou repetir: Meu nome
não é Osvaldinho, não conheço nenhum Ambrósio. Meu nome é Erosdito. E seu nome,
qual é?
— “Ora, Osvaldinho, sou o
Leodércio, filho de Chico Preá, lá do povoado Retrato, no Município de Miguel
Alves. Continuas brincalhão. Sempre encenando para enganar os outros...
Realmente não mudaste em nada, Osvaldinho...”.
— Sinto muito amigo, o Ambrósio
lhe passou o número errado, vou desligar. Bom dia...
Entrei
no carro, acionei o motor e... O celular chamando novamente. No display, o
mesmo número... Pensei: vou atender e mandar esse filho de Chico Preá pra PQP!
— “Olha Osvaldinho – falou
timidamente – não intento te perturbar. Sei que és um empresário bem sucedido e
muita gente deve te assediar pedindo favores... Mas não é o meu caso. Não sou
rico, mas não estou precisando de favores; tão pouco de dinheiro... Só queria
bater um papo, relembrar daqueles tempos difíceis, mas solidários, quando
dividíamos o pouco entre todos. Só isso”!
Ante
a humildade demonstrada senti-me incapaz de brigar. Apenas repeti que não sou
quem ele procura, encerrei a ligação e desliguei o celular.
Chegando
ao bar da Pequena, lá encontrei, já tomando “providências”, o Dr. Ptolomeu, o
Poeta Zaiaze Lebre, o Professor Sertônio e o Moreira aos quais relatei o
ocorrido – os estranhos telefonemas do tal filho de Chico Preá. Pra quê? Foi
gozação de todo jeito. Disseram que o cara tinha sido “affair” juvenil e que eu queria manter em segredo. Não
vou relatar aqui todas as patifarias que eles falaram, pois seria perda de
tempo, mas vocês podem imaginar.
Lembrei-me
de religar o telefone e não muito surpreso li a mensagem: Você tem vinte de
duas ligações perdidas. Abri e cinco eram do filho de Chico Preá. Comecei a me preocupar. Seria o sujeito um
perseguidor? Um maníaco? Contei para a turma pedindo compreensão, mas que nada,
os sacanas continuaram me gozando. Apenas o Professor Sertônio, sempre
solidário com todos, apresentou uma sugestão assaz interessante. Falou ele: “Erosdito, só há uma maneira de
resolver esse imbróglio”.
— Qual?
— Liga e convida ele pra vir até
aqui e acaba logo com esse mal entendido.
Liguei
e ouvi o berro: “OSVALDINHO, RAPAZ! Eu sabia que ias lembrar! Que bom amigão”.
Fiz-lhe o convite conforme sugeriu o Professor Sertônio e ele, o filho de Chico
Preá, aquiesceu. Passei-lhe o endereço e ele complementou: “Estou num barzinho
aqui no Promorar. Vou só chamar um taxi e vou bater aí. Ah, vou levar minha
banda de forró, mas não se preocupe, tudo gente boa. Somos quatro: zabumba,
sanfona, triângulo e eu no vocal. Vocês vão gostar”. Esperei o Moreira voltar
do WC para contar para todos de uma só vez. Quando falei da banda de forró os
olhos do Professor Sertônio faiscaram de felicidade, no entanto, os demais
deram o maior “pulo”. “Negativo! Aguentar banda de forró aqui neste pequeno
ambiente? Negativo! Vais ficar sozinho”. Só o Professor Sertônio, solidário
como sempre, disse que ficaria comigo. “Ademais – emendou o Dr. Ptolomeu –
conheces a Pequena, nunca que ela vai concordar com isso”.
— E agora, o que faço? “Liga pra
ele – sugeriu o Moreira – inventa uma desculpa. Fala que o pneu do carro de tua
esposa furou e que tens de ir socorrê-la. Marca o encontro para outro dia, em
outro lugar, um bar aberto ou na casa de alguém que tenha uma boa área de lazer
como a do Mago Manu, por exemplo. Ele é ruim da cabeça, mal se segura em cima
dos pés, mas gosta de samba”. Assim fiz. Liguei e ouvi o berro: OSVALDINHO,
RAPAZ! Era o Moreira atendendo ao telefone e os demais se matando de rir... Não
sou violento, nunca o fui, mas nesse dia tive que ser contido...
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