domingo, 1 de junho de 2014

UM DIA NA VIDA DE UM HIPOCONDRÍACO.



A. J. de O. Monteiro
                Quinta feira, 29/05/2014, 05:00 horas.
                Ai! Acordei. Doem-me as costas, a boca amargando e a cabeça prestes a explodir. Tateio pelo criado mudo até encontrar a cartela de “BOMFLEX”, meu primeiro e imprescindível remédio do dia. Tomo dois comprimidos e espero alguns minutos pelo resultado, que geralmente não tarda muito. Enquanto isso, ao meu lado e alheia as minhas agruras a velha companheira na saúde e na doença, ronca solenemente. Passo então aos exercícios de alongamento: Os primeiros, ainda na horizontal, para pernas e coluna lombar. Em seguida, já na vertical, a bateria para braços, abdômen e colunas torácica e cervical. Isso tudo, remédio e alongamentos, me manterá ereto até à tarde quando farei fisioterapia, hidroterapia, pilates e acupuntura.
                Vou ao banheiro para as obrigações fisiológicas matinais e toalete completa. Em seguida consulto a agenda do dia: 06:00 horas, laboratório levar material para exames parasitológicos de fezes e urina (EAS e cultura) e coletar sangue para os exames hematológicos (hemograma completo, glicemia de jejum, glicemia glicada, colesterol total e frações, LDL, LHL, VLDL, T3, T4 livre, TSH, potássio, vitamina D, TGO, TGP, sorologia, PCR e PSA); 08:30 horas, consulta com o gastroenterologista; 11:30, horas consulta com o nefrologista; 14:30 horas, novamente ao laboratório coletar sangue para a glicemia pós prandial; 15:00 horas início das sessões de fisioterapia, hidroterapia, pilates e acupuntura. Na agenda também estão anotados os remédios que tomo diariamente para manter-me minimamente vivo e ativo. Para evitar atropelos também programo o alarme do celular. Sem essas precauções, estaria morrendo aos poucos em cima de uma cama fustigado por dores lancinantes (basta esquecer um só remédio que o castigo vem de imediato).
                Depois do laboratório, volto pra casa, faço um frugal desjejum e vou checar o estoque de medicamentos pois tenho que mantê-lo em nível de segurança. Não posso arriscar-me a ficar sem qualquer um deles, por um dia sequer. Isso feito, vendo que o cronograma me dá uma boa folga até a hora da consulta com o gastro, vou a “minha” farmácia comprar aqueles medicamentos que dispensam receituário médico. Na farmácia o atendente que já conhece meus remédios vem logo me atender. É um excelente profissional! Além de me atender com presteza está sempre atualizado com os lançamentos da indústria farmacêutica e me informa daqueles mais eficazes no combate aos meus males. Ele conhece todos os meus problemas de saúde e diz que aprendeu muito de literatura médica comigo.
                Da farmácia, já abastecido e, portanto, mais tranquilo, sigo para o consultório do gastro. São 07:30 horas, o que me dá 30 minutos para chegar na hora agendada.
                O consultório fica no centro e é horário de “rush”. O trânsito está infernal.  Ainda perco algum tempo procurando vaga até que encontro uma, bem apertada e que exige muita paciência e habilidade para encaixar o carro. Quando consigo estacionar, logo aparece o dono da vaga que comunica taxativamente: “Vou vigiar seu carro, Doutor”...
                Antes de entrar no prédio que abriga o consultório tomo um comprimido de “SUPERVITAM ANTI-STRESS” para equilibrar o sistema nervoso abalado pelo trânsito (sempre trago comigo uma garrafinha térmica com água mineral para essas ocasiões).
                A sala de espera do consultório é típica: meia luz, televisor ligado apenas no vídeo (mas dá para perceber que transmite um dramalhão mexicano) e pacientes sussurrando – até hoje não sei por que nos consultórios todo mundo fala baixinho – exceto as crianças que correm, gritam, choram e se estapeiam disputando aquelas mesinhas com peças de montar e encaixar ante a indiferença de suas mães que conversam distraidamente. E este era o quadro daquela sala de espera, pois o gastro divide o espaço com o consultório pediátrico de sua esposa. Para abstrair-me ambiente caótico e também evitar conversas indesejáveis com um hipocondríaco qualquer que por ventura ali estivesse vou à mesinha de centro procurar alguma publicação recente e acho: Uma revista que traz em sua capa as torres gêmeas em chamas... E assim, totalmente absorvido pela emocionante reportagem, sou sacudido pelo grito da atendente: - “Senhor, é a sua vez, não ouviu o chamado”! Olho em volta e vejo a sala totalmente vazia. Olho o relógio: 11:45 horas. Exclamo: “Droga, Perdi o nefro”!! “Perdeu o quê”, perguntou ela. Não respondi, tomei o remédio da pressão e entrei no gabinete do médico.
                Cumprimento o médico com um provocador “boa tarde” e ouço de volta um cordial “o que foi dessa vez”?
                - O de sempre Doutor.
              - Como assim? Receitei-lhe os melhores remédios existentes segundo a literatura médica e o senhor continua assim, como sempre! Cadê os exames que lhe prescrevi?
                - Só os fiz hoje e terei todos os resultados em 48 horas.
                - Não entendi, por que então o senhor não deixou pra vir depois de amanhã?
         - É que preciso comprar estes remédios que carecem de receituário médico em duas vias... Apresentei-lhe a lista. Ele balançou a cabeça e falou: “Tudo bem, dê-me aqui”.
                Preencheu os formulários, entregou-os a mim e recomendou: “Volte aqui somente com os resultados dos exames...”.
                - Obrigado, Doutor, “bom dia”. Já passava do meio dia. Ele não respondeu...
            Como a consulta com o nefro já estava perdida mesmo, resolvi voltar para casa, almoçar, descansar um pouco até a hora de ir para as sessões de fisioterapia, hidroterapia, pilates e acupuntura. Estas atividades, como sempre, me tomaram toda a tarde. Novamente em casa, janto, separo os remédios da noite, programo o alarme do celular para acordar-me 10 minutos antes da hora para evitar quebras nos intervalos recomendados na posologia. O primeiro desta noite é um laxante, pois amanhã tenho consulta com o proctologista... Aaaaiiiii!

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