quinta-feira, 16 de outubro de 2014

SOPA DE PEDRAS


 Adaptação de A. J. de O. Monteiro
                Naqueles tempos sem televisão, sem jogos eletrônicos, sem celulares, sem computadores ou tablets e congêneres, a grande diversão da gurizada, principalmente nas noites, era ouvir histórias de trancoso. Sentávamos no chão, em volta de um adulto – no meu caso uma tia, a Tia Santana, que era exímia nessa arte. Contasse ela dez vezes a mesma história, sempre prendia nossa atenção, pois, criativa como ela só, reinventava as narrativas inserindo “cacos” e até novos personagens e situações inusitadas.
                Dentre as histórias do imenso repertório da titia, as que eu mais gostava eram as do Pedro Malasartes. Para quem não sabe, Pedro Malasartes é um personagem do folclore português e que foi incorporado ao brasileiro com se nativo fosse. Pedro Malasartes encarna o malandro astucioso e cínico que sobrevive de aplicar golpes às pessoas que por azar cruzem seu caminho. Caracteriza-se, também, pela total falta de escrúpulos ou remorsos. Das aventuras do malandro, uma agradava sobremaneira a “plateia” da nossa contadora de histórias: A SOPA DE PEDRAS. É assim:
                “Num final de dia, cansado e faminto, Pedro Malasartes avistou um casal sentado à porta de casa e resolveu pedir alguma coisa para matar a fome. Aproximou-se dos dois e fez uma breve narrativa de suas desditas. Acontece que o casal não era dado à caridade e despachou recomendando-lhe que fosse procurar trabalho. O espertalhão não se deu por vencido e choramingou: ‘Oh, cristãos, há dias não como, estou faminto. Deem-me uma panela, um pouco d’água e me deixem usar seu fogo para fazer uma sopa com umas pedras que trago nesta sacola.
                - Sopa de pedras? Que interessante e é muito barato, como se faz?
                Pedro então perguntou: nunca tomaram sopa de pedras? Não sabem o que estão perdendo. Garanto-lhes que é uma delícia.
                Os dois, já pensando em passar a perna em Pedro, logo o fizeram entrar, levaram-no até a cozinha, onde acenderam o fogo e deram a ele panela e água. Ele tirou da sacola duas pedras bem polidas e redondas, lavou-as cuidadosamente e as colocou na água já em estado de fervura.
                Observando o interesse o casal, Pedro disse que a sopa ficaria bem mais saborosa adicionando-se alguns temperos. O casal providenciou cebola, tomate, pimentão, sal e pimenta do reino, os quais Pedro colocou na panela, mexendo um pouco com uma colher de pau, dizendo que, com um pouco de toucinho e linguiça, a sopa ficaria irresistível. Prontamente o casal atendeu ao pedido. Pedro esperou o cozimento da sopa, então tirou da sacola um prato de alumínio e uma colher. O cheiro da sopa estava maravilhoso. Pedro sentou-se e tomou a sopa com muito gosto enquanto o casal observava. Ao fim, lavou os apetrechos e as pedras, colocando tudo na sacola. Os dois então perguntaram: ‘Vai levar as pedras’? Pedro então respondeu: ‘Vou, é claro, para fazer outras saborosas sopas de pedras onde me recusarem comida’”.
                Agora me diga: Pedro Malasartes não simboliza bem o caráter do brasileiro, principalmente dos políticos brasileiros?      

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