Adaptação de A. J. de O. Monteiro
Naqueles
tempos sem televisão, sem jogos eletrônicos, sem celulares, sem computadores ou
tablets e congêneres, a grande diversão da gurizada, principalmente nas noites,
era ouvir histórias de trancoso. Sentávamos no chão, em volta de um adulto – no
meu caso uma tia, a Tia Santana, que era exímia nessa arte. Contasse ela dez
vezes a mesma história, sempre prendia nossa atenção, pois, criativa como ela
só, reinventava as narrativas inserindo “cacos” e até novos personagens e
situações inusitadas.
Dentre
as histórias do imenso repertório da titia, as que eu mais gostava eram as do Pedro
Malasartes. Para quem não sabe, Pedro Malasartes é um personagem do folclore
português e que foi incorporado ao brasileiro com se nativo fosse. Pedro
Malasartes encarna o malandro astucioso e cínico que sobrevive de aplicar
golpes às pessoas que por azar cruzem seu caminho. Caracteriza-se, também, pela
total falta de escrúpulos ou remorsos. Das aventuras do malandro, uma agradava
sobremaneira a “plateia” da nossa contadora de histórias: A SOPA DE PEDRAS. É
assim:
“Num
final de dia, cansado e faminto, Pedro Malasartes avistou um casal sentado à
porta de casa e resolveu pedir alguma coisa para matar a fome. Aproximou-se dos
dois e fez uma breve narrativa de suas desditas. Acontece que o casal não era
dado à caridade e despachou recomendando-lhe que fosse procurar trabalho. O
espertalhão não se deu por vencido e choramingou: ‘Oh, cristãos, há dias não
como, estou faminto. Deem-me uma panela, um pouco d’água e me deixem usar seu
fogo para fazer uma sopa com umas pedras que trago nesta sacola.
-
Sopa de pedras? Que interessante e é muito barato, como se faz?
Pedro
então perguntou: nunca tomaram sopa de pedras? Não sabem o que estão perdendo.
Garanto-lhes que é uma delícia.
Os
dois, já pensando em passar a perna em Pedro, logo o fizeram entrar, levaram-no
até a cozinha, onde acenderam o fogo e deram a ele panela e água. Ele tirou da
sacola duas pedras bem polidas e redondas, lavou-as cuidadosamente e as colocou
na água já em estado de fervura.
Observando
o interesse o casal, Pedro disse que a sopa ficaria bem mais saborosa adicionando-se
alguns temperos. O casal providenciou cebola, tomate, pimentão, sal e pimenta
do reino, os quais Pedro colocou na panela, mexendo um pouco com uma colher de
pau, dizendo que, com um pouco de toucinho e linguiça, a sopa ficaria
irresistível. Prontamente o casal atendeu ao pedido. Pedro esperou o cozimento
da sopa, então tirou da sacola um prato de alumínio e uma colher. O cheiro da
sopa estava maravilhoso. Pedro sentou-se e tomou a sopa com muito gosto
enquanto o casal observava. Ao fim, lavou os apetrechos e as pedras, colocando
tudo na sacola. Os dois então perguntaram: ‘Vai levar as pedras’? Pedro então
respondeu: ‘Vou, é claro, para fazer outras saborosas sopas de pedras onde me
recusarem comida’”.
Agora
me diga: Pedro Malasartes não simboliza bem o caráter do brasileiro, principalmente
dos políticos brasileiros?
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