quarta-feira, 12 de novembro de 2014

MALDITOS HEMÍPTEROS*


Daniel Cariello**

— Cuidado, tem um bicho feroz atrás de você!
— Ai, meu Deus. Onde?
— Na árvore, fingindo-se de morto. Sai de mansinho,
antes que ele ataque.
— !
— Isso, devagar. Pronto.
— Ufa, obrigada por avisar! Deixa eu ver agora o
tamanho da fera.
— Ali, ó, no tronco.
— Mas que exagero! É só uma casca de cigarra.
— Cigarra? Daqui parece um minimonstro.
— É melhor você se acostumar, a cidade fica cheia desses insetos nesta época do ano.
— Onde é que fui amarrar meu jegue...
— Aliás, você sabia que as cigarras ficam até dezessete anos debaixo da terra? Só no fim desse ciclo é que se transformam em adultas e saem voando por aí, buscando um par.
— Me impressiona muito que consigam encontrar, esquisitas desse jeito.
— Essa casca nas árvores é o exoesqueleto das bichinhas. Vão deixando pelo caminho à medida que crescem. As crianças adoram brincar com isso. Pega ela aqui, ó.
— Avemariatiraessetreconojentodaquijesusamado!
— Mas deixa disso, rapaz. Elas podem não ser bonitas, mas são inofensivas.
— Inofensivas? Meu ouvido vai explodir com esse interminável coral de insetos.
— O canto é dos machos atraindo as fêmeas para a reprodução.
— E eles se calam quando elas aparecem ou é aí que a gritaria aumenta?
— E o mais incrível é que elas morrem depois da cópula
e da postura dos ovos que darão origem a novas cigarras.
— Seria tão melhor se elas se fossem antes de se multiplicarem...
— Mas você tá rabugento hoje, hein?
— Desculpa, é que eu não sou daqui e esses bichinhos me levam à loucura. Outro dia entrou um lá em casa e foi um deus nos acuda. Minha mulher levou um susto tão grande que subiu na estante.
— E por que você não afastou o inseto de lá?
— Porque eu estava no colo dela.
— Ai, ai, ai. Além de reclamão, é medroso. Vem, vamos tomar um sorvete de cajuzinho do cerrado. Vai ajudar
a esfriar suas ideias.
— Ok...
— Peraí, caiu alguma coisa no meu cabelo.
— Eita, é uma cigarra.
— Uma cigarra?
— E tá enganchada.
— Enganchada?
— É, sai não.
— Tira! Tira! Tira!
— Não dá.
— Ahhhhhh! Tira esse monstro! Socooooorrooo!!!

*Publicado originalmente em Veja Brasília, de 05.nov.14
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Pariswww.cheriaparis.com.br

Um comentário:

Ana Bailune disse...

Bom dia!
ai... cigarras são lindas, mas confesso que eu tenho medo.