Daniel Cariello**
— Então, tá. A gente se encontra lá. Tô indo de camelo.
— De camelo?!
— Isso, um amarelo, acabei de comprar. Lindão. Leva o seu. A
gente dá um rolê.
Camila tinha chegado à cidade havia pouco e estava achando
tudo muito bonito, porém um tanto estranho. Superquadra, pilotis, Eixão,
Eixinho, Eixo Monumental, cidades-satélite, balão, tesourinha, QI, QL, QNM,
SSU, L2, W3, rua das farmácias, das elétricas, das torcidas, tudo isso ela já
conseguia entender. Mas, apesar de ter ouvido inúmeras histórias sobre os
temidos e inevitáveis três meses anuais de seca, nunca soube que os
brasilienses se deslocavam montados em camelos particulares. Muito menos que
era possível pintar o artiodáctilo da cor preferida. Fingindo naturalidade para
fazer bonito com o paquera, concordou com o proposto.
— Não tenho camelo, mas vou dar um jeito de conseguir um.
— Massa, véi!
Quando desligou o telefone, meio cabreira com essa história
de véi (“Pô, só tenho 22 anos”, pensou), é que se deu conta do tamanho da
encrenca. Ligou para a melhor amiga, do outro lado do país.
— Tô lascada, Maria. Me meti numa confusão. Preciso da sua
ajuda.
— Ahn, miguxa, você pode sempre contar comigo. Quando te
deixei na mão? Quando não te ajudei a resolver seus pepinos? Quando eu vacilei
na hora de...
— Preciso arrumar um camelo!
— Fala de novo? A ligação está ruim. Entendi você dizer que
precisava de um camelo, veja só.
— É isso mesmo. Tenho de conseguir um camelo!
— Mascetádoida? Para que alguém pode querer um bicho desses?
— Ideia do Fabinho, aquele garoto de quem falei. Quando
finalmente marcamos um encontro, inventa essa história. Ele é meio exótico, mas
eu estou tão apaixonada...
— E você já viu outros camelos pela rua por aí?
— Nunca.
— Já googou atrás de um serviço de aluguel desses bichos?
Tenho certeza de que deve haver vários em Brasília. Ouvi falar da seca da
cidade...
— Já. Não tem nada. Pedi ajuda até no Face. Ganhei muitos
likes e dois emoticons de risadinha, mas continuo sem pista.
— Então, lascou. Vai ter de improvisar. Tenho uma ideia,
miguxa…
Camila anotou a sugestão da amiga. Tão logo desligou, pegou
sua bicicleta, duas almofadas, uns panos velhos e partiu para a execução do
plano. Chegou ao local marcado um pouquinho antes do Fabinho, que, para
decepção da menina, veio pedalando. Ela já ia reclamar da ausência da montaria
do pretendente, mas ele falou primeiro.
— Caraca, véi. Você usou seu camelinho para montar uma
estrutura de camelo de verdade. Tem até as carcovas.
— Corcovas — ela emendou, entendendo em um clique a gíria
local. — Ficou bonito?
— Bonito? Ficou cabuloso, maluca! Bora mostrar pra galera.
Geral vai pirar.
E saíram os dois, pedalando lado a lado, assoviando em
uníssono aquela da Legião. Ela pensando que maluca tinha mais a ver do que véi.
*Publicado originalmente em Veja Brasília, de 13.jan.15
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Pariswww.cheriaparis.com.br
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