quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

CAMELANDO*




Daniel Cariello**

— Então, tá. A gente se encontra lá. Tô indo de camelo.
— De camelo?!
— Isso, um amarelo, acabei de comprar. Lindão. Leva o seu. A gente dá um rolê.
Camila tinha chegado à cidade havia pouco e estava achando tudo muito bonito, porém um tanto estranho. Superquadra, pilotis, Eixão, Eixinho, Eixo Monumental, cidades-satélite, balão, tesourinha, QI, QL, QNM, SSU, L2, W3, rua das farmácias, das elétricas, das torcidas, tudo isso ela já conseguia entender. Mas, apesar de ter ouvido inúmeras histórias sobre os temidos e inevitáveis três meses anuais de seca, nunca soube que os brasilienses se deslocavam montados em camelos particulares. Muito menos que era possível pintar o artiodáctilo da cor preferida. Fingindo naturalidade para fazer bonito com o paquera, concordou com o proposto.
— Não tenho camelo, mas vou dar um jeito de conseguir um.
— Massa, véi!
Quando desligou o telefone, meio cabreira com essa história de véi (“Pô, só tenho 22 anos”, pensou), é que se deu conta do tamanho da encrenca. Ligou para a melhor amiga, do outro lado do país.
— Tô lascada, Maria. Me meti numa confusão. Preciso da sua ajuda.
— Ahn, miguxa, você pode sempre contar comigo. Quando te deixei na mão? Quando não te ajudei a resolver seus pepinos? Quando eu vacilei na hora de...
— Preciso arrumar um camelo!
— Fala de novo? A ligação está ruim. Entendi você dizer que precisava de um camelo, veja só.
— É isso mesmo. Tenho de conseguir um camelo!
— Mascetádoida? Para que alguém pode querer um bicho desses?
— Ideia do Fabinho, aquele garoto de quem falei. Quando finalmente marcamos um encontro, inventa essa história. Ele é meio exótico, mas eu estou tão apaixonada...
— E você já viu outros camelos pela rua por aí?
— Nunca.
— Já googou atrás de um serviço de aluguel desses bichos? Tenho certeza de que deve haver vários em Brasília. Ouvi falar da seca da cidade...
— Já. Não tem nada. Pedi ajuda até no Face. Ganhei muitos likes e dois emoticons de risadinha, mas continuo sem pista.
— Então, lascou. Vai ter de improvisar. Tenho uma ideia, miguxa…
Camila anotou a sugestão da amiga. Tão logo desligou, pegou sua bicicleta, duas almofadas, uns panos velhos e partiu para a execução do plano. Chegou ao local marcado um pouquinho antes do Fabinho, que, para decepção da menina, veio pedalando. Ela já ia reclamar da ausência da montaria do pretendente, mas ele falou primeiro.
— Caraca, véi. Você usou seu camelinho para montar uma estrutura de camelo de verdade. Tem até as carcovas.
— Corcovas — ela emendou, entendendo em um clique a gíria local. — Ficou bonito?
— Bonito? Ficou cabuloso, maluca! Bora mostrar pra galera. Geral vai pirar.
E saíram os dois, pedalando lado a lado, assoviando em uníssono aquela da Legião. Ela pensando que maluca tinha mais a ver do que véi.
*Publicado originalmente em Veja Brasília, de 13.jan.15
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Pariswww.cheriaparis.com.br

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