terça-feira, 21 de abril de 2015

INFERNAIS F.C.*



Daniel Cariello**

Naquele dia, estávamos infernais. Nosso time jogava por música, talvez por causa do entrosamento do André e do Daniel, os gêmeos laterais e violinistas. Tínhamos também o Vander, armador, craque da equipe, e uma dupla de atacantes ligeiros: Fábio e o meu irmão, Pedro. Além de uma retaguarda com o sólido zagueiro Rafael e o goleiro Mingau. Até eu, glorioso perna de pau, tinha meu papel: ocupar espaços vazios, o que fazia com competência, pois fugia sempre da bola. Ao menos, puxava a marcação.
Passávamos as tardes treinando, imaginando uma final contra a Argentina. Mas não foram os hermanos que apareceram aquele dia, e sim uma parte da temida Turma do Parquinho:
– Duda mandou dizer que vocês vão jogar contra nós.
– Quem é Duda?
– Sou eu mesmo!
Aceitamos. Podíamos ser menores e mais fracos, mas não éramos covardes. No entanto, o embate que se anunciava duro foi interrompido quando ganhávamos de 3 a 0.
– Duda declarou o fim do treino. Às 16 horas, ele voltaria com o time completo.
Estávamos lascados! Eles tinham o Bode, assim batizado graças à habilidade em chifrar o que aparecesse pela frente; o Max, professor de capoeira; e Suíno, Perdigueiro e Salame, trupe de carniceiros conhecida como Trio Ternura. Nosso objetivo já não era ganhar a partida, mas sobreviver a ela. Às 16 horas em ponto, a Turma do Parquinho chegou.
– Duda definiu: time dos fracotes de camisa. Nós, sem. E a bola começa com a gente.
Ninguém se opôs. Duda deu a saída tocando para o Bode, que avançou derrubando os gêmeos, o Rafael e o Mingau. Entrou com bola e tudo. Recomeçamos o jogo, mas Max interceptou um passe e acertou uma bomba de longe, no cantinho. Um massacre se anunciava.
Porém, tal qual um Didi de 58, Vander caminhou com a bola até o meio do campo. Na primeira jogada, cruzou para o André, que tocou para o Pedro. Livre, nosso atacante driblou o goleiro e diminuiu a diferença. No lance seguinte, Rafael armou um contra-ataque e lançou Fábio, que empatou.
A Turma do Parquinho veio com tudo, mas Mingau não tava para moleza. Depois de espetacular defesa, deuum chutão para a frente e a pelota veio na minha direção. Tentei tocar para o lado, mas ela bateu no meu joelho e encobriu o goleiro adversário. Estávamos na frente.
A cinco minutos do fim, Max deu nova saída, tocou para Suíno, que passou para Salame, que lançou Perdigueiro. Rafael dividiu, mas levou a pior e precisou sair para se recuperar. Duda enxergou o buraco na defesa e entrou ali para empatar novamente o jogo.
Mesmo com um a menos, sentíamos que podíamos ganhar. E o que aconteceu foi a mais espetacular jogada da história da 712 Sul: Vander driblou dois e passou para o André, que tocou para o Daniel. Este segurou a bola, atraindo a marcação. Lançou para mim, que furei, enganando o marcador. Fábio recuperou, fintou o zagueiro e cruzou certeiro para o Pedro, que cabeceou para baixo. Gol! Não havia tempo para mais nada. Celebramos loucamente a vitória e, sem saber ainda, nosso rito de passagem para a adolescência.
Como eu dizia, naquele dia, estávamos infernais.
*Publicado originalmente em Veja Brasília de 22.abr.2015
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Pariswww.cheriaparis.com.br

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