Daniel Cariello**
Naquele dia, estávamos infernais.
Nosso time jogava por música, talvez por causa do entrosamento do André e do
Daniel, os gêmeos laterais e violinistas. Tínhamos também o Vander, armador,
craque da equipe, e uma dupla de atacantes ligeiros: Fábio e o meu irmão,
Pedro. Além de uma retaguarda com o sólido zagueiro Rafael e o goleiro Mingau.
Até eu, glorioso perna de pau, tinha meu papel: ocupar espaços vazios, o que
fazia com competência, pois fugia sempre da bola. Ao menos, puxava a marcação.
Passávamos as tardes treinando,
imaginando uma final contra a Argentina. Mas não foram os hermanos que
apareceram aquele dia, e sim uma parte da temida Turma do Parquinho:
– Duda mandou dizer que vocês vão
jogar contra nós.
– Quem é Duda?
– Sou eu mesmo!
Aceitamos. Podíamos ser menores e
mais fracos, mas não éramos covardes. No entanto, o embate que se anunciava
duro foi interrompido quando ganhávamos de 3 a 0.
– Duda declarou o fim do treino.
Às 16 horas, ele voltaria com o time completo.
Estávamos lascados! Eles tinham o
Bode, assim batizado graças à habilidade em chifrar o que aparecesse pela
frente; o Max, professor de capoeira; e Suíno, Perdigueiro e Salame, trupe de
carniceiros conhecida como Trio Ternura. Nosso objetivo já não era ganhar a
partida, mas sobreviver a ela. Às 16 horas em ponto, a Turma do Parquinho
chegou.
– Duda definiu: time dos fracotes
de camisa. Nós, sem. E a bola começa com a gente.
Ninguém se opôs. Duda deu a saída
tocando para o Bode, que avançou derrubando os gêmeos, o Rafael e o Mingau.
Entrou com bola e tudo. Recomeçamos o jogo, mas Max interceptou um passe e
acertou uma bomba de longe, no cantinho. Um massacre se anunciava.
Porém, tal qual um Didi de 58,
Vander caminhou com a bola até o meio do campo. Na primeira jogada, cruzou para
o André, que tocou para o Pedro. Livre, nosso atacante driblou o goleiro e
diminuiu a diferença. No lance seguinte, Rafael armou um contra-ataque e lançou
Fábio, que empatou.
A Turma do Parquinho veio com
tudo, mas Mingau não tava para moleza. Depois de espetacular defesa, deuum chutão para a frente e a
pelota veio na minha direção. Tentei tocar para o lado, mas ela bateu no meu
joelho e encobriu o goleiro adversário. Estávamos na frente.
A cinco minutos do fim, Max deu
nova saída, tocou para Suíno, que passou para Salame, que lançou Perdigueiro.
Rafael dividiu, mas levou a pior e precisou sair para se recuperar. Duda
enxergou o buraco na defesa e entrou ali para empatar novamente o jogo.
Mesmo com um a menos, sentíamos
que podíamos ganhar. E o que aconteceu foi a mais espetacular jogada da
história da 712 Sul: Vander driblou dois e passou para o André, que tocou para
o Daniel. Este segurou a bola, atraindo a marcação. Lançou para mim, que furei,
enganando o marcador. Fábio recuperou, fintou o zagueiro e cruzou certeiro para
o Pedro, que cabeceou para baixo. Gol! Não havia tempo para mais nada.
Celebramos loucamente a vitória e, sem saber ainda, nosso rito de passagem para
a adolescência.
Como eu dizia, naquele dia,
estávamos infernais.
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Pariswww.cheriaparis.com.br
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