quinta-feira, 21 de maio de 2015

ALHOS, BUGALHOS E BAGULHOS.


A. J. de O. Monteiro

No início da década de 60 – no início mesmo – circulava um livreto da autoria de Paulo Guilherme Martins com o título de “Um Dia Na Vida de Brasilino.” Nesse livreto o autor narra o cotidiano de um brasileiro, do despertar ao adormecer. Começa assim: “Não sei se você conhece Brasilino, mas isso não importa... Brasilino é um homem qualquer, numa cidade qualquer... Situemo-lo em Santos, por exemplo. Brasilino, como todo bom burguês, começa o dia acordando; sim, porque o operário, este, levanta-se ainda dormindo a fim de chegar a tempo ao serviço...”
Daí pra frente o autor vai narrando o cotidiano de Brasilino, na sequência normal de um dia ordinário. Todas suas ações, e produtos e serviços que utiliza para atender suas necessidades, como neste exemplo: “Brasilino acorda e aperta o botão da campainha à cabeceira da cama, campainha essa que soa na copa; porém soa, consumindo energia — energia que é da Light, e, assim, o Brasilino inicia o seu dia pagando dividendos ao Capital Estrangeiro. Mas Brasilino não pensa nisso e começa o seu dia, feliz!” E assim por diante. O texto, é claro, tem viés nacionalista e, também, é claro, teve sua circulação proibida em março de 1964. Mas isso é outra história... Fazendo um pequeno exercício de imaginação, posso mentalizar Brasilino remoendo seu desprezo por esse povo que se contenta em viver minimamente, consumindo produtos de qualidade duvidosa produzidos por indústrias nacionais de forma quase artesanal e sem nenhuma tecnologia: “Onde já se viu?” “Trocar meu cigarro ‘king size’, produzido pela inglesa ‘British, American Tobacco Co. ’ por um cigarrinho de palha dos ‘mineirim’?” “Deixar de saborear o pão francês feito com trigo canadense ou argentino (naquele tempo a Argentina era um pedacinho da Europa no Hemisfério Sul), para me empanturrar com beiju de tapioca?” “Ou, ainda, usar um sapato ‘Motinha’ ou ‘Samello’, fabricados em Franca, em detrimento de um legítimo cromo alemão?” “Não, é inconcebível renunciar a produtos que trazem em si o charme europeu e/ou a alta tecnologia americana por “coisas” fabricadas no Brasil de maneira rudimentar e com matéria prima de segunda qualidade e mão de obra desqualificada.
A verdade é que eu, com nove ou dez anos de idade, àquela época, não enxergava motivação política ou ideológica no texto. Era pra mim, então, apenas uma história engraçada, mas que, não sei por que cargas d’água ficou na minha memória. Só vim entender o verdadeiro sentido crítico do texto, um bom tempo depois (quem conheceu o texto e quiser matar saudade; ou quem não conheceu e quiser conhece-lo, é só pesquisar na internet, pelo título, que vai encontra-lo, na íntegra).

Se alguém, agora, se dispusesse reescrever “Um Dia Na Vida de Brasilino”, iria ainda se deparar com aquelas marcas de então e com as novas surgidas na esteira da revolução tecnológica (leia-se, informática), mas constataria um fato novo: Quase tudo vem da Ásia, principalmente da China. E se perguntaria: “Estamos agora pagando dividendos ao Capital Chinês?” A resposta é não, claro que não! Ocorreu que as grandes corporações transferiram suas linhas de produção (sujas) para aquele país, aproveitando a mão de obra bem mais barata e disciplinada, bem como uma legislação ambiental bastantes frouxa (a China, precisando desesperadamente gerar empregos, não iria se preocupar com esses “detalhes”). Nos países de origem ficaram o comando político das empresas e seus laboratórios de desenvolvimento tecnológico (a indústria limpa). Isso se deu principalmente com os produtos eletroeletrônicos, de vestuário e material esportivo. Os chineses que de bobo nada têm, criaram uma indústria paralela de genéricos dessas marcas, para despejar nos países periféricos, inclusive no nosso... Basta frequentar os centros de comércio popular – os tais “camelódromos” – para verificar. Ao mesmo tempo investiram pesadamente em educação, formando cientistas em todas as áreas do conhecimento humano, e hoje dominam tecnologia de ponta, destacando-se nas indústrias aeroespacial, transporte e construção pesada, além da militar, “of course”!
Mas eles não precisavam ir tão longe nessa sanha invasora e tomar dos nossos lavradores, o comércio do alho – isso mesmo, o velho e bom Allium Sativum. Essa especiaria que tanto sabor dá às nossas mais triviais iguarias tupiniquins, que antes comprávamos em réstias (ilustração) pelas feirinhas ou mesmo nos eram oferecidas por vendedores de porta em porta, hoje estão expostas nos supermercados a granel, em grandes caixas. Têm cabeças enormes e dentes cavalares. Mas uma coisa lhes garanto: O alho chinês não tem, nem de perto, o cheiro e o sabor do nosso alho caboclo, bem aí de Picos.
PS – O gerente do setor de hortifrúti do supermercado disse estar esperando para comercializar, em breve, uma maquininha de socar alho, “Made in China”.

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