Daniel Cariello**
O pai organizou tudo: verificou a
meteorologia, escolheu um hotel na serra e com consumo liberado, reservou dois
quartos colados — um pro casal e outro pros filhos, mandou o carro pra revisão,
traçou as rotas no GPS, imprimiu-as por segurança (para o caso de a bateria
acabar), planejou a hora da partida para não pegar engarrafamento e preparou a
trilha sonora da estrada, não se esquecendo de incluir Zeca Baleiro, Arcade
Fire, Agepê, Mozart e Ratos de Porão, uma seleção eclética e tolerante, a cara
dos Camargo, que, não por acaso, haviam sido escolhidos “A família modelo” do
ano na rua em que moram.
A mãe vestiu a camiseta “Mamãe da
gatinha” e deu para a mais nova o modelo “Gatinha da mamãe”. Entregou a todos
seus bonés “Camargo’s team” e fez uma preleção das férias, citando Bernardinho
e o Papa Francisco, lembrando a força de uma equipe bem entrosada e a
importância dos valores cristãos. Deu um beijo na testa de cada filho e disse:
“aproveitem das férias”.
A pequena e a mãe correram para a
piscina aquecida e coberta e não havia quem as tirasse de lá. O pai não entrou
na água, mas ficou por perto, tomando cerveja sem álcool e verificando que tudo
ia bem, enquanto lia um livro de autoajuda. O do meio também logo encontrou sua
turma, outras crianças que preferiram o torneio de xadrez ao de futebol de
salão.
Mas aí apareceu o Tio Pudim, o
atlético animador do hotel, responsável por entreter os mais novos pela manhã e
os adolescentes na matiné da boate. O nome dele não era Tio Pudim, claro, era
Bruno. Tio Pudim era o apelido, dado pelo pai, dizendo que ele era um tiozão
pra aqueles adolescentes. E tinha uma cara tão engraçada que se trabalhasse em
circo certamente se chamaria Palhaço Pudim.
E aconteceu que a mais velha foi
ao baile, encheu a cara de Coca com uma vodka que trouxe escondida, subiu na
mesa, jogou pro alto o boné dos Camargo, se pendurou de surpresa no pescoço do
Tio Pudim e começou a beijá-lo com tanta vontade que os dois caíram no chão.
Três minutos depois, as fotos caíram no insta e no face. Uma hora mais tarde,
os Camargo caíram fora do hotel. No dia seguinte, perderam o título de família
modelo e caíram para a segunda divisão da rua, onde passaram a fazer companhia
aos Ferreira, aqueles ateus comunistas.
Por via das dúvidas, a excursão
da mais velha para a Disney já foi cancelada.
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Pariswww.cheriaparis.com.br
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