A. J. de O. Monteiro
Era
apenas mais um princípio de manhã ensolarada, daquelas que chama a
refastelar-se numa rede em alpendre de casa de praia e eu estava exatamente
assim, quando me peguei observando um bando de urubus voando alegremente – me
pareceu – em círculos, com é próprio daquela espécie. Acho bonito o voo do
urubu, além de tecnicamente perfeito, utilizando-se das correntes de ar termais
a ave, em voo planado, faz manobras de deixar extasiado o observador.
Daquele bando
de urubus, um em especial tomou minha atenção. Postava-se como um líder, voando
afastado dos demais, parecendo delimitar o espaço de voo de todos e somente ele
fazia manobras diferenciadas, subindo e descendo além da linha em que os demais
voavam. Por vezes passava tão próximo que via seus olhos pretos brilhando como
que de prazer. Noutros momentos tive a
impressão de que ele parava no ar, o que me lembrou do folclórico e bom jogador
de futebol Dadá Maravilha, que afirmava parar no ar tal qual o colibri e o
helicóptero. Naquele dia acrescentei mais um: O urubu!
De repente,
com o sol já meio alto, o bando começa a se afastar, sob o comando do líder,
sempre aumentando os raios dos círculos concêntricos até saírem do alcance da
minha visão. Fechei os olhos, mas as imagens daquele “show aéreo” insistiram em
ficar na minha retina...
Empoleirado no
mais alto galho daquela imponente, mas desfolhada árvore, acordei com os
primeiros raios de um belíssimo e avermelhado sol litorâneo. Abri as asas para
secar o orvalho da madrugada que se acumulara nas penas e assim permaneci por
algum tempo... Bati vigorosamente as asas e alcei voo, seguido pelos demais
membros do bando para nosso melhor exercício de prazer: Voar em comunhão com o
espaço infinito e a brisa! Dois elementos essenciais para a prática dessa
maravilhosa arte com a qual fomos agraciados pela natureza. Voar, para nós,
urubus, não é apenas uma condição natural da espécie... É prazer... É vida! E
vida não apenas no sentido fisiológico, mas, muito mais, no sentido existencial,
em que pese usarmos essas habilidade e autonomia, também para garantir nossa
subsistência, claro.
Como não somos
dotados de bom faro, usamos nossa visão privilegiada para, mesmo em grandes
altitudes, localizar comida que é à base de animais em decomposição,
preferencialmente – pois somos necrófagos – e filhotes desgarrados de seus
pais. Quando avistamos alguma dessas iguarias, descemos em voo picado e, já
próximos de tocar o solo, abrimos as asas para frear a velocidade.
É no solo,
quando nos alimentamos, que somos mais vulneráveis a acidentes e ataques
perpetrados pelo nosso predador único: O HOMEM! Essa espécie não nutre qualquer
simpatia por nós – pura inveja, por não poderem voar por meios próprios...
Esses ataques covardes e despropositados deixam muitos de nós incapacitados de
voar, o que de pior pode acontecer a um urubu. Aquele que perde essa capacidade
morre lentamente, de banzo, na convicção de que servirá de repasto a sua
própria espécie.
Mas não temos
tempo para lamentar. Alimentados retomamos o prazer do voo, alternando com
refeições até o final do dia útil do urubu, quando então temos de retornar ao
nosso poleiro para o descanso necessário. Vou à frente e os direciono para a
velha e querida árvore, mas sorrateiramente embarco numa corrente de ar
ascendente e me deixo levar para o alto, muito distante do bando que segue seu
caminho. Nessa subida sem volta vou atingindo altitudes inimagináveis. Lá onde
o sol nunca se põe... Onde permanecerei de asas abertas, num voo infinito... De
lá vislumbrarei, nesse mesmo instante, outro urubu empoleirar-se no mais alto
galho da árvore, assumindo a liderança do bando. No dia seguinte ele comandará
o ritual do alvorecer e os guiará no prazer do voo e na busca da sobrevivência.
Serei esquecido... É assim mesmo!
Minha mulher
sacudiu a rede chamando-me para o almoço. Olhei para o firmamento e não havia
urubus voando. Levantei-me e ela perguntou: “Por que estás rindo"? “Porque
voei", respondi.
Um comentário:
Espetacular!
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