quinta-feira, 15 de outubro de 2015

RIO, 42*


Daniel Cariello**

- Quer um limão?
- Mais tarde.
- A banda de Ipanema sai amanhã.
- Prefiro o Bola Preta.
- Tá doido? Esse tá cheio demais. Ano passado deu mais de um milhão.
- Sanduíche natural, olha o sanduíche.
- O sujeito abre uma lata de atum, coloca no pão e chama isso de sanduíche natural.
- Chamou, freguês?
- Chamei não.
- Quem quer empada? Empada praiana.
- Tem de frango?
- Tem, mas acabou. Sobrou palmito.
- Duas.
- Dez reais.
- Ontem era oito.
- Hoje é dez. Quer ou não?
- Dá, vai...
- Açaí, açaí.
- Domingo tem o cordão do Boi Tatá.
- Eu gosto, mas é cedo demais.
- Parece que a Teresa Cristina vai tocar.
- Ela sempre dá uma palhinha.
- Tem coco, moço?
- Geladão.
- Um bem verde, faz favor.
- Tá aqui. Pega o canudinho.
- Laranja com cenoura! Suco natural.
- Caraca, que calor!
- Ontem fez 42.
- Em Paris caiu a maior nevasca.
- Olha, vou dar um mergulho. A água tá ótima hoje.
- Quer brinco, freguesa? Sou eu mesma que faço.
- Hoje não.
- Dá só uma sacada naquele argentino com camisa do River Plate.
- Tirou a camisa. Vai entrar no mar.
- Cacete, levou o maior caldo.
- Chapéu, chapeau, hat. Barato, pas cher, cheap.
- Vendedor poliglota...
- No Rio, todo mundo se vira.
- Tô achando a água escura demais. Deve estar suja.
- Suja nada. É uma alga que se prolifera com o calor, tchê. La no Guaíba tem a mesma.
- Que mania é essa de pensar que o Rio Grande é o centro do mundo?
- Baguete recheada! Calabresa, presunto, tomate.
- Hey, mister. Eu querer uma.
- De quê?
- Tomato, plis.
- Já definiu que fantasia vai usar?
- Nada. E você?
- Vou de presidiário. Até já comprei a máscara do Cerveró.
- Essa já saiu de moda, era do carnaval passado.
- Aaaaaaabacaxi.
- Esse cara do abacaxi... O maior chato da praia.
- Daniel, é melhor você sair do sol. Vai acabar se queimando.
- Sair daqui? Nem morto. Tenho que trocar esse branco Champs Élysées por um bronzeado carioca.
- Quer um limão?
- Quero. Me vê um grande, com um pouco de mate.
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br

Um comentário:

Ana Bailune disse...

Dez reais a empada praiana?!

Texto delicioso... não sou lá de gostar de verão, mas lembrei-me dos tempos em que eu gostava.