Daniel Cariello**
Dezenove
dirhams, cerca de quatro reais, é quanto custa o meu café da manhã. Quatro pelo
suco de laranja fresco, tomado em uma das dezenas de barracas que vendem a
bebida a preço tabelado na praça Jemaa el-Fna, com direito a chorinho de quase
meio copo, e quinze pelo chá de hortelã e pelo pain au chocolat, consumidos em
um café. Muito barato, ainda mais levando em conta a vista privilegiada da
maior praça de Marrakech, provavelmente o principal ponto turístico do
Marrocos.
—
Tem que pagar o chá e o croissant agora, mon ami.
—
Tá aqui.
Do
alto dos minaretes, os almuadens chamam quase simultaneamente à prece pela
segunda vez do dia. A primeira me acordou às seis da manhã. O belo e
incompreensível canto logo cessa, e as escalas árabes das flautas dos múltiplos
encantadores de cobra voltam a todo fôlego. De onde estou, conto doze deles,
oito especializados em najas que permanecem indefinidamente em posição de bote,
quase nunca o concluindo. O último acidente com uma serpente aconteceu já faz
um tempo, mas parece que o turista nunca voltou pra reclamar.
Vejo
também um sujeito perambulando com um macaco no ombro, propondo fotografias aos
passantes, dois tocando percussão local, oferecendo mini shows para os
dispostos a pagar, e ainda um outro com um chapéu típico do país, de formato
parecido com uma lata de goiabada mais alta, do centro do qual sai uma espécie
de corda trançada de cinquenta centímetros com uma bola de tecido na ponta.
Este cidadão abaixa o pescoço e descreve voltas rápidas com a cabeça, fazendo a
corda girar como se fosse uma hélice. Não entendi se ele propõe algo aos
transeuntes ou apenas tenta refrescar as ideias nesse inverno do quase Saara,
onde as temperaturas variam até trinta graus durante o dia.
Há
charretes decoradas que passam procurando passageiros e turistas que encontram uma realidade totalmente diferente das suas.
Há
mulheres vestindo véu completo e moças que usam jeans e camisas e cobrem apenas
as cabeças.
Há
pedintes estendendo a mão em árabe e comerciantes que abordam em francês,
oferecendo uma promoção relâmpago, exclusiva e imperdível.
Há
milhares de pedestres desavisados e dezenas de scooters e bicicletas que
costuram em um balé tão caótico que quase sincronizado e então se embrenham
pelas ruelas e souks.
Há
todas as baixas construções circundantes da praça pintadas invariavelmente em
vermelho terra e com detalhes em verde, as cores da bandeira do país, e ao
fundo as altas montanhas do Atlas, no topo das quais ainda há neve.
A
vida do lugar se impõe tão intensamente que decido ficar um pouco mais para
vê-la desfilar diante dos meus olhos.
—
Mais um chá de hortelã, min fadlak.
—
Dez dirhams.
—
Aqui. Chokran.
—
Ma haalihch, mon ami.
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br
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