Adriana Bezerra
Manoel
não é um homem simples, jogou todas as suas fichas para ter uma vida tranquila,
aprumada, cercada de amor e conforto, mas algo o inquietava. Não conseguia, com
o tempo de casado, discernir se o que havia planejado esses anos todos,
convivendo com a esposa, era de fato amor. Foi então que resolveu procurar uma
terapia e, no segundo encontro, começou a me contar o que vinha em sua mente.
—
O nosso comportamento parece programado. Nos dias de semana, fazemos as tarefas
individuais e em conjunto, até chegar a hora de dormir. Uma rotina que não muda
há tempos. Geralmente fazemos sexo entre quintas e domingos. No momento de
lazer, fazemos as mesmas coisas. Será que estamos inebriados de amor, ou somos apenas
a imitação de marionetes? Burgueses em voos rasantes? Sinto tédio até na hora
de fazer a feira, pois colocamos no carrinho sempre as mesmas coisas. Não tem
novidade no supermercado que provoque algo diferente. O vinho, nas quintas-feiras
virou rotina. Estamos perto de quê? Do início de um colapso ou de uma maneira
confortante de viver no reino da paz? É claro que, se estou questionando o meu
amor, é porque não sei se é verdadeiro, ou talvez não esteja sabendo amar,
apesar de viver exatamente como planejei. Acredito que se tenho dúvida é porque
estou vivendo sem a certeza de que meu sentimento é universal, de acordo com
o senso comum, pois, na minha concepção, é tão resistente. Não penso em
improvisar nenhum comportamento ou criar um acontecimento inesperado, os dias
são os mesmos, desde que organizamos nossa vida. Para mim ela não é só a pessoa
que escolhi, mas também a pessoa que deu certo todos esses anos. Porém algo me
inquieta: se não aventuramos é por que não temos a mesma pulsação nas veias dos
poetas. Faço parte de uma população que muda culturalmente de geração a
geração. Assimilo valores e as novas invenções da modernidade. Não retomamos a
invenção da roda de madeira ou as rodas que existem, queremos veículos sem
rodas, que voem. No casamento, dá-se o mesmo, não aceitamos mais a mulher sem
uma profissão. Estamos juntos, conquistando nossos cargos, nossos títulos e prestígios.
Damos os parabéns às conquistas de nosso parceiro, com elogios curtos e
objetivos, sem vibrações, parabenizando como se estivéssemos cumprindo com uma
obrigação e, muitas vezes, não sabemos o conteúdo do trabalho que rendeu ao
nosso companheiro reconhecimento de pessoas importantes.
Ele
ficou em silêncio por alguns minutos, olhei para a expressão de sua face,
percebi que não iria chorar, nem fazer cara de tristeza, estava sereno. Naquele momento ele recapitulava sua análise para desmembrar uma solução, ou, talvez encontrar
a emoção no pedido de ajuda.
—
Amor, por quem? Acho que amo mesmo é andar nos trilhos.
Engano
meu, ele se protege da emoção, então cabe a mim torná-la possível.
—
Desculpe-me, mas terminou a sessão.
*Do livro “Valores Que Nunca Se
Apagam” – Contos.
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