terça-feira, 23 de agosto de 2016

AMOR?*


Adriana Bezerra

               Manoel não é um homem simples, jogou todas as suas fichas para ter uma vida tranquila, aprumada, cercada de amor e conforto, mas algo o inquietava. Não conseguia, com o tempo de casado, discernir se o que havia planejado esses anos todos, convivendo com a esposa, era de fato amor. Foi então que resolveu procurar uma terapia e, no segundo encontro, começou a me contar o que vinha em sua mente.
               — O nosso comportamento parece programado. Nos dias de semana, fazemos as tarefas individuais e em conjunto, até chegar a hora de dormir. Uma rotina que não muda há tempos. Geralmente fazemos sexo entre quintas e domingos. No momento de lazer, fazemos as mesmas coisas. Será que estamos inebriados de amor, ou somos apenas a imitação de marionetes? Burgueses em voos rasantes? Sinto tédio até na hora de fazer a feira, pois colocamos no carrinho sempre as mesmas coisas. Não tem novidade no supermercado que provoque algo diferente. O vinho, nas quintas-feiras virou rotina. Estamos perto de quê? Do início de um colapso ou de uma maneira confortante de viver no reino da paz? É claro que, se estou questionando o meu amor, é porque não sei se é verdadeiro, ou talvez não esteja sabendo amar, apesar de viver exatamente como planejei. Acredito que se tenho dúvida é porque estou vivendo sem a certeza de que meu sentimento é universal, de acordo com o senso comum, pois, na minha concepção, é tão resistente. Não penso em improvisar nenhum comportamento ou criar um acontecimento inesperado, os dias são os mesmos, desde que organizamos nossa vida. Para mim ela não é só a pessoa que escolhi, mas também a pessoa que deu certo todos esses anos. Porém algo me inquieta: se não aventuramos é por que não temos a mesma pulsação nas veias dos poetas. Faço parte de uma população que muda culturalmente de geração a geração. Assimilo valores e as novas invenções da modernidade. Não retomamos a invenção da roda de madeira ou as rodas que existem, queremos veículos sem rodas, que voem. No casamento, dá-se o mesmo, não aceitamos mais a mulher sem uma profissão. Estamos juntos, conquistando nossos cargos, nossos títulos e prestígios. Damos os parabéns às conquistas de nosso parceiro, com elogios curtos e objetivos, sem vibrações, parabenizando como se estivéssemos cumprindo com uma obrigação e, muitas vezes, não sabemos o conteúdo do trabalho que rendeu ao nosso companheiro reconhecimento de pessoas importantes.
               Ele ficou em silêncio por alguns minutos, olhei para a expressão de sua face, percebi que não iria chorar, nem fazer cara de tristeza, estava sereno. Naquele momento ele recapitulava sua análise para desmembrar uma solução, ou, talvez encontrar a emoção no pedido de ajuda.
               — Amor, por quem? Acho que amo mesmo é andar nos trilhos.
               Engano meu, ele se protege da emoção, então cabe a mim torná-la possível.
               — Desculpe-me, mas terminou a sessão.

*Do livro “Valores Que Nunca Se Apagam” – Contos. 

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