terça-feira, 20 de setembro de 2016

UH LA LA*


Daniel Cariello**
               
                 Ding dong - Acusou a campainha, com seu carregado sotaque francês.
               Achei estranho. Pensei que era um vizinho pedindo açúcar, sei lá. Abri. Parado em frente à porta um homem grande, loiro, que suava pelas ventas. Uma mistura de Gérard Depardieu com o brother do Jim Carrey em Show de Truman, mas um pouco mais bizarro.
— Bonjour - Ele disse.
— Bonjour monsieur - Respondi, caprichando no sotaque e achando que arrasava.
Daí ele desembestou a falar, rápido, papel na mão. Entendi nada.
— Pardon?
                 Ele repetiu tudo de novo, na mesmíssima velocidade. Agora pesquei uma palavra aqui e outra ali. Pelo que saquei, era alguma coisa a ver com as férias.
— Posso ler? - Pedi, apontando para o papel. Ele se enfezou.
— Mas é a mesma coisa que acabei de falar duas vezes!!! - Isso eu entendi bem. E o suor passou a sair pelo nariz também, formando umas bolhas d’água.
          Aí começamos uma guerra de nervos. Ele suando cada vez mais e eu puxando o papel, tentando entender do que se tratava. Nossa relação não começava muito bem, pensei. Não deu para ler tudo. A coisa degringolou de vez quando empaquei em uma palavra.
—Qu'est-ce que c'est Pâques? - Nunca tinha visto isso antes, Pâques. Comecei a desconfiar que ele trabalhava no zoo, ia sair de férias e estava arrecadando dinheiro pra cuidar das pacas de lá.
               Não respondeu. O nível de tensão era alto. Pelo tanto que suava, deduzi que o cara estava prestes a implodir. Era melhor encerrar aquele papo o mais rápido possível. Fiz cara de mau e fiquei olhando para ele. Ele fez o mesmo, mas era mais feio e já estava encharcado.
—Pardon monsieur, não entendi bulhufas.
— Eu também não! - Senti meus cabelos voarem com o calor do seu bafo.
               O cara deu as costas e saiu pelo corredor, bufando. Antes que eu pudesse fechar a porta, deu tempo de ouvir um urro de “putain!”, algo equivalente ao nosso “puta merda!”.
               Dei duas voltas na chave, só pra garantir.
P.S.: Pâques é Páscoa. O sujeito devia querer uma ajuda para viajar no feriado. Ou não.
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*Esse texto faz parte do livro Chéri à Paris, disponível agora apenas em ebook: www.amazon.com.br/Chéri-Paris-brasileiro-terra…/…/B00HFY2T7Q
**"Daniel Cariello - Escritor". Continuará abrigando as crônicas cariocas

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