Ananda Sampaio**
Fiz questão de colocar meu livro
na estante abraçado ao teu. De alguma forma, agora nossos universos se cruzam.
E eu, mesmo sendo uma escritora rota, no fundo do nordeste, posso dizer que
agora estou na fileira de mulheres que escrevem e que publicam no Brasil
continental. Confesso que não tenho muitas pretensões. Já sou uma leitora dos
grandes e isso já é dádiva demais num país de analfabetos e parcos leitores.
Sei que agora estamos ainda mais
próximas. Não mais como escritora-leitora, mas como escritoras, escrevinhadoras
de histórias, delirantes da terra, incapacitadas para a vida que não se
percebe. Peguei a tua lupa emprestada e depois que te li, descobri que a vida
se faz nas pequenas tolices do cotidiano. Naquilo tudo que se localiza num país
esquecido, no músculo cardíaco e quase silencioso, acontece na correnteza das
minhas veias e nos gestos dos rostos que amamos, mas que não podemos jamais
tornar banais.
Ainda acho estranheza na minha
mãe e ira no meu pai. Uma ira mais gelada, sem dúvida, mais ainda assim, um
vulcão de dor que explode sem muito barulho. Ainda estranho a minha mãe, mesmo
sendo tão conhecedora de suas entranhas. O jeito que segura a vida, me lembra
aquelas rochas nas quais a onda do mar se quebra.
Na minha insensatez e descrença
publiquei um livro só para que pudesse ficar mais perto de ti, para que pudesse
me fazer de tinta e papel. Talvez ninguém me leia. Carrego essa angústia agora.
Eu que tanto quero falar talvez não tenha voz suficiente nem para cruzar o rio
Parnaíba. Uma mulher, no nordeste quase recôndito, numa cidade quente e quase
nunca lembrada, escreve. Porque se não escrever a vida será um silêncio
aterrador.
Não suporto mais os silêncios
das mulheres que vieram antes de mim. Quero causar algum mal estar, trazer
desaforos, desnudar a poética que tem mãos de aço para uma poética que não
apenas fale de flor, mas que seja flor. E flor só pode ser mulher. Mulher é
solo. Desculpa, Lygia pelo desabafo.
Contudo, eu precisava te dizer.
Escrevo como se orasse, a diferença é que não oro mais baixinho. Decidi.
Decidi. Não vou gastar minha voz apenas para unir laços familiares e equilibrar
os desafetos familiares. Quero usá-la para a política, para os palavrões, para
alimentar, mesmo que erroneamente, o raquitismo de minhas emoções.
*Repositório
de rascunhos de uma aspirante. @coletivoleitura
**Autora do
livro de crônicas O VESTIDO, à venda nas Livrarias Entrelivros e Margarida e
também na loja Toccata.
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