quinta-feira, 25 de maio de 2017

TEIMOSIA*


Ananda Sampaio**
                Fiz questão de colocar meu livro na estante abraçado ao teu. De alguma forma, agora nossos universos se cruzam. E eu, mesmo sendo uma escritora rota, no fundo do nordeste, posso dizer que agora estou na fileira de mulheres que escrevem e que publicam no Brasil continental. Confesso que não tenho muitas pretensões. Já sou uma leitora dos grandes e isso já é dádiva demais num país de analfabetos e parcos leitores.
                Sei que agora estamos ainda mais próximas. Não mais como escritora-leitora, mas como escritoras, escrevinhadoras de histórias, delirantes da terra, incapacitadas para a vida que não se percebe. Peguei a tua lupa emprestada e depois que te li, descobri que a vida se faz nas pequenas tolices do cotidiano. Naquilo tudo que se localiza num país esquecido, no músculo cardíaco e quase silencioso, acontece na correnteza das minhas veias e nos gestos dos rostos que amamos, mas que não podemos jamais tornar banais.
                Ainda acho estranheza na minha mãe e ira no meu pai. Uma ira mais gelada, sem dúvida, mais ainda assim, um vulcão de dor que explode sem muito barulho. Ainda estranho a minha mãe, mesmo sendo tão conhecedora de suas entranhas. O jeito que segura a vida, me lembra aquelas rochas nas quais a onda do mar se quebra.
                Na minha insensatez e descrença publiquei um livro só para que pudesse ficar mais perto de ti, para que pudesse me fazer de tinta e papel. Talvez ninguém me leia. Carrego essa angústia agora. Eu que tanto quero falar talvez não tenha voz suficiente nem para cruzar o rio Parnaíba. Uma mulher, no nordeste quase recôndito, numa cidade quente e quase nunca lembrada, escreve. Porque se não escrever a vida será um silêncio aterrador.
                Não suporto mais os silêncios das mulheres que vieram antes de mim. Quero causar algum mal estar, trazer desaforos, desnudar a poética que tem mãos de aço para uma poética que não apenas fale de flor, mas que seja flor. E flor só pode ser mulher. Mulher é solo. Desculpa, Lygia pelo desabafo.
                Contudo, eu precisava te dizer. Escrevo como se orasse, a diferença é que não oro mais baixinho. Decidi. Decidi. Não vou gastar minha voz apenas para unir laços familiares e equilibrar os desafetos familiares. Quero usá-la para a política, para os palavrões, para alimentar, mesmo que erroneamente, o raquitismo de minhas emoções.
*Repositório de rascunhos de uma aspirante. @coletivoleitura
**Autora do livro de crônicas O VESTIDO, à venda nas Livrarias Entrelivros e Margarida e também na loja Toccata.

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