Ananda Sampaio
Vivemos
em um mundo de cada vez menos acasos. Antes de conhecermos alguém,
provavelmente já conhecemos sua rede social. E assim já temos um manancial de
rótulos e análises precipitadas acerca do possível desconhecido. Assim, evitamos
assuntos, cortamos ou alongamos o papo. E assim, vamos tecendo nossa rede de
relacionamentos permeada pela pré-informação sobre o outro.
Anteriormente,
em um tempo não muito distante. As pessoas chegavam quase sempre como folhas de
papel em branco. Certo que possivelmente houvesse algum conhecido em comum, ou
algum conhecido do conhecido. Mas nada que pudesse oferecer um relatório sobre
a biografia dos indivíduos. Tinha que haver conversa, contato visual, sonoro e
gestos faciais — uma gama de caracteres que nos ajudariam a compor aquela
pessoa ou o retrato particular que faríamos dela. Conhecíamos assim, um gesto
estranho, uma voz dissonante daquele que imaginamos para ela, o modo de se
vestir, o jeito de empostar a voz, o formato dos dedos. Sim, adoro observar o
formato dos dedos das pessoas.
E,
aos poucos, na nossa balança íamos pondo os prós e os contras e decidíamos, por
fim, se a relação estagnaria ali ou se perpetuaria até tempos distantes. Com
isso, aprendi a gostar dos acasos. E tenho tentado lê-los, sempre que minha
sensibilidade se diz disponível em meu agoniado espírito. Quando falta luz.
Aprendi a gostar de quando a luz elétrica some. O que ela deixa é um silêncio,
ao qual poucos estamos habituados, cessam, então, as tarefas que estavam sendo
postas em andamento. Procura-se uma vela, deita-se no sofá. E o sussurrar do
tique-taque do relógio é amplificado, e o céu mais estrelado, e o bichos que
têm ouvidos mais aguçados que os humanos descansam e se refestelam com o
engrandecimento do silêncio. E a lua aparece e a luz prata chega, finalmente
até nós.
Ouço,
e como ouço a minha voz interior crescendo. O alívio das janelas abertas. Não
só as da casa, mas as minhas próprias. As pessoas e suas silhuetas — que mais
se parecem com almas vagantes. O contorno das coisas que se parecem menos com
coisas e mais com projeções orgânicas, se permitem ser o que minha mente,
equivocada pela ausência de iluminação, quiser. Nessa brincadeira de perceber o
mundo pouco clarificado vejo o mundo mais sincero. No peito a voz, a voz. Eu
existo, derradeiramente diante das coisas e suas sombras. Do silêncio e do
delírio. Eu estou mais no mundo agora do que dantes quando aceito a
impossibilidade de visualizar a aparência definida ao meu redor. A falsa
definição das coisas, a inútil definição visível das coisas. É no mistério que
mora a incerteza e, por isso, a verdade.
Um comentário:
Minha querida, na minha idade, e depois de tanto viver, terminei por não acreditar em "acasos"...Deixa eu substuí-los por "imprevistos?" (não é correção, é coisa de velho e é só pra mim...beijo)
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