*No dia da convocação pra Copa,
minha crônica sobre a última partida de um dos maiores jogadores de todos os
tempos e protagonista máximo do mundial de 62: Mané Garrincha.
Daniel Cariello – Escritor**
14 de maio às 14:25
— Querem ver o Mané Garrincha
jogar? - Perguntou meu avô. - Queremos! – Respondemos quase em uníssono meu
pai, meu irmão e eu.
A proposta nos pegou de surpresa
em meio a um almoço de Natal. Era uma chance imperdível de ver ao vivo o
jogador sobre quem já havia escutado inúmeras histórias, trazidas pela memória
infalível de meu pai e pelo lirismo de meu avô.
— Ele tem as pernas tortas, por
isso mesmo ninguém conseguia pará-lo. Foi o grande craque da Copa de 62. –
Dizia um.
— E chama todos os seus
marcadores de João. Era comum deixá-los tão perdidos que acabavam caindo no
campo, desconcertados. – Completava o outro.
— Uau – Espantávamos meu irmão e
eu, garotos que sonhávamos jogar na seleção.
A
partida ocorreria em Planaltina, naquele 25 de dezembro de 1982. Era uma das
exibições que Mané passou a fazer depois de pendurar as chuteiras, para
descolar alguns trocados. Compramos os ingressos sem dificuldades, não estava
cheio, e tratamos de escolher um bom lugar, do lado pelo qual ele atacava.
Já
com quase 50 anos, Garrincha não tinha mais o mesmo fôlego e nem a mesma saúde
de seus anos de ouro, mas ainda era capaz de levantar as arquibancadas. Como
ocorreu no momento em que dominou a bola no lado direito do campo e parou
diante de um João, exatamente em frente onde estávamos. Ficaram, Mané e João,
um encarando o outro, estáticos, a pelota entre eles, naquela calmaria que
antecede a tempestade. O público prendeu o fôlego.
— Olha lá, Pedro, as pernas dele
são tortas de verdade! – Sussurrei.
— E o que ele vai fazer agora? –
Quis saber meu irmão.
— Não sei...
Provavelmente
nós dois éramos os únicos ali a não conhecer o roteiro que se seguiria,
repetido inúmeras vezes ao longo da carreira do gênio da bola.
Como
se o tempo não tivesse passado, naquele momento o pequeno estádio Adonir
Guimarães era o Maracanã e aquele João era Jordan, considerado o melhor
marcador do gênio, Mané jogou o corpo pro lado. O João foi junto. Depois,
balançou para o outro. O João bailou com ele. Em seguida, sacudiu novamente
para a direita e, quando parecia que voltaria à posição inicial, deu um leve
toque na redonda, levando-a consigo rumo à linha de fundo, de onde cruzou para
um felizardo atacante. O João ficou para trás, sem saber o que havia acontecido.
Não
me lembro se o lance resultou em gol ou não. E isso não tem nenhuma
importância. A sorte do dianteiro sobre quem me refiro era que, naquele
momento, ele estava recebendo o último cruzamento de Garrincha, que saiu do
jogo em seguida e da vida menos de um mês depois, em 20 de janeiro de 1983. A
pequena torcida, encantada, aplaudiu pela derradeira vez o maior mágico do
futebol de todos os tempos.
Mais
tarde, em uma justa homenagem, Mané Garrincha virou nome de estádio em
Brasília. Depois desvirou, virou de novo e quase desvirou novamente, numa
récita que parece a narração de seus dribles. Felizmente, depois de tantas
reviravoltas, o episódio do nome terminou como as fintas do craque, deixando
todos os joões para trás.
**Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br,
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