quarta-feira, 24 de abril de 2019

PULSEIRINHA DE MIÇANGA



Daniel Cariello*

Daqui um mês, Louise faz nove anos. O único assunto possível com ela nesse momento é sua festa de aniversário. Quem tentar outro tema, qualquer outro, leva na hora uma invertida no rumo na conversa. Louise puxa invariavelmente todo tópico para o seu atual de predileção.

Na hora de preparar o jantar, por exemplo.

— Louise, quer sua gema mole ou dura?

— Pai, você acha que as pessoas comeriam brigadeiro confeitado de amarelo cor de gema?

— Vou servir mole, então.

— Maria-mole eu não gosto muito, acho doce demais, mas tenho amigas que a-mam! A Amanda a-do-ra! Vamos comprar pra festa?

Ou quando lemos antes dela ir pra cama.

— Vai ser o que hoje, O Menino Maluquinho?

— Não vou chamar muitos meninos pra festa. Os da minha sala não são nem um pouco maluquinhos e são muito, muito chatos!

— Prefere Pilar? O da China?

— O meu aniversário começa antes no Brasil ou na China? A gente pode passar um pedaço do dia em um país e à tarde pegar um avião pro outro? Assim dura mais tempo.

E a coisa piorou nos últimos dias. Agora já não posso nem mais ficar quieto, escondendo-me atrás de um livro. É só me ver sentado que Louise já vem me arrumando tarefa.

— Vem, pai, vamos preparar a festa.
— Mas ainda falta um mês...
— Tem muita coisa pra fazer. Vem montar as pulseirinhas de miçanga.

As pulseirinhas de miçanga fazem parte da lembrancinha do aniversário. Louise está fazendo todas. Bem, quase todas, já que terceirizou parte do trabalho ao próprio pai, sócio na empreitada financeira e agora também na braçal, literalmente pagando para trabalhar.

Ela também está criando cartões de agradecimento, “Obrigada por ter vindo!”, cada letra com uma cor diferente, em cartolina branca, enfeitada com bordas de papéis floridos diversos. Dessa vez, feitos apenas por ela, “porque se você escrever, pai, todo mundo vai saber que não é a minha letra”.

Sentei ao lado da Louise na linha de produção montada no escritório e logo fui abastecido com duas caixas de miçangas azuis e rosas, que em minhas mãos deveriam virar pulseiras com “combinações bonitas e originais”.

Fiquei tentando enfiar as pequenas miçangas no fio fino de nylon, um olho aberto e outro fechado, buscando o foco de outros tempos. Antes que eu conseguisse acertar a primeira, Louise me repreendeu e confiscou o kit que acabara de me fornecer, mostrando como se fazia.

— Entendeu, pai?

— Entendi.

— Vamos lá?

— Vamos, Louise.

Recuperei o material. Coloquei-me a postos. E escolhi a trilha sonora da labuta: Led Zeppelin. Ela também não pode comandar tudo.

*Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br



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