domingo, 26 de janeiro de 2020

VELHO QUINCAS



Carlos Alberto Monteiro Falcão

No bairro ponte, tínhamos a sensação de morar em uma grande fazenda. Quando criança, tudo parece bem maior... a nossa casa era imensa. As vezes ainda sonho correndo pelos corredores e quartos e me lembro como era gostoso caminhar com os pés descalços sobre o piso em lajota crua da casa. Mas nada nos encantava mais do que as aventuras na quinta. Assim era chamado o maior dos três quintais, separados entre si, por cercas de estacas sem arame farpado. Para nós, crianças com imaginação fértil, sem celulares e games, a quinta era uma selva em que todos os dias tínhamos algo a ser desbravado. Muitas fruteiras como mangueiras, laranjeiras de várias espécies, uma verdadeira mata de limas e muitas, muitas bananeiras. Esse era o local menos explorado por conta da advertência dos adulto.
- Não vão  para o bananal! Lá tem cobras.
Na vizinhança, morava o Seu Quincas, um senhor alto e franzino, encurvado pelo peso da idade e que caminhava com dificuldade, apoiando-se em uma velha bengala. Na nossa imaginação, ele tinha mais de 100 anos e aquela bengala, na verdade era uma arma mortal, pronta para ser utilizada no primeiro menino que ousasse invadir o seu quintal para roubar as frutas. Certo dia, Zaguinha, o mais velho do grupo, que esnobava dos demais, garantindo que não tinha medo de nada, muito menos de cobras,  desobedeceu a matriarca e foi, sozinho, claro, desbravar a selva de bananas. Ficamos todos em pânico e  admirados da coragem do primogênito. Logo ele voltou correndo, esbaforido:
- É uma cobra! das grandes, dá pra engolir um menino de uma vez só!
 Ficou só  a poeira. Menino corria tanto que os “calcanhares batiam na bunda" pense numa "tubada". - ninguém pode entrar no bananal! Muito perigoso! E não contem nada, senão seremos proibidos de brincar na quinta.
Cobra que nada, Zaguinha,  encontrou mesmo foi um cacho de bananas nanicas maduras e não  queria dividir com ninguém... depois voltou sozinho ao bananal e devorou vorazmente todo o cacho de bananas, antes que aparecesse alguém para dividir a guloseima.
No caminho de volta para casa, começou a sentir umas pontadas na barriga, essas pontadas ficaram mais frequentes e logo começou uma dor atravessada no abdômen que o impedia de ficar ereto.  Teve que pegar um graveto que servia de bengala. Para fugir de uns bons puxões de orelha ou até uns "bolos" de palmatória, teve uma ideia. Fingiu está imitando o seu Quincas esbravejando.
-seus moleques! Não venham roubar minhas mangas! 
Todos caiamos na gargalhada enquanto a mamãe brigava
-respeitem o nosso vizinho!
Alguns minutos depois, lá estava o rapazote se retorcendo de dor dentro da rede. Não teve outra alternativa a não ser narrar o  ocorrido.  Foi um Deus nos acuda!  Remédio para dor de barriga, Chá de boldo, chá de casca de laranja. Até a Dona Dica, velha curandeira da região  foi chamada para fazer uma reza na barriga do menino. Só depois de umas oito colheres de azeite de mamona  que o enfermo “cuspiu” as bananas, não se sabe se pelo efeito terapêutico ou pelo sabor horrível do remédio. O fato é que até hoje Zaguinha não consegue comer bananas.

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