Daniel Cariello**
Amigos,
ganhei na mega. Não é fake news. Um amigo me ligou, alertando. Ele disse:
“ganhamos na mega”. Eu perguntei: “mega-sena?” Ele acrescentou: “isso, nosso
bolão”. Eu duvidei: “é pegadinha?”. Ele confirmou: “dessa vez é sério”. A
partir daí, entrei em um estado meio febril, meio delirante, e não consegui
mais acompanhar o que ele falava, sua voz ficou longe. Só me lembro dele
comentando algo como doze pessoas, ou doze milhões, e eu concordando com tudo,
naquela concordância besta dos afortunados.
Estava
sem o meu cartão premiado comigo, é claro, pois um volante da mega-sena é algo
que não saímos carregando por aí, por medo de perder ou por medo do ridículo. A
probabilidade de ganhar com uma aposta simples é uma em 50 milhões, segundo os
estatísticos, duas vezes menor do que a de ser canonizado. Então, mais seguro
mantê-lo em casa.
Atordoado,
parei pra tomar um chope no balcão de um boteco. “Não posso perder esses
hábitos”, comentei comigo mesmo, em voz alta, para o estranhamento do sujeito
ao meu lado, que preenchia continuamente seu copo americano com o conteúdo da
garrafa de cachaça à sua frente. “Pois não perca”, disse ele, levantando o
copo, do alto de sua sabebedoria.
Lembrei-me
do meu avô paterno, que uma vez acertou os 13 pontos na loteria esportiva, a
mega-sena da época. Era início dos anos 70, ele e a família já vivam em
Brasília, e o prêmio então só era entregue no Rio de Janeiro. Meu avô não
hesitou: colocou todo mundo em um avião e se mandaram para a Cidade Maravilhosa,
esperando o resultado do rateio, que demorava alguns dias, naquele mundo
analógico. Gastaram por conta da fortuna que inevitavelmente chegaria em
algumas horas, despedindo-se da vida de classe média para entrar no clube dos
milionários. Só faltou ele acender seu inseparável Hollywood sem filtro com
notas de dólares. Ainda bem que não o fez, pois nesse concurso muita gente
acertou os 13 pontos, e, nas contas mais otimistas, meu avô gastou 4 vezes mais
do que ganhou.
Eu,
escaldado por essa história, não repeti o mesmo erro. Apenas passei em casa,
peguei o bilhete premiado, fui a uma loja chique e comprei os melhores queijos
importados e a melhor garrafa de vinho (“Não quero ver o preço. Passa no
débito. Parcelar?, claro que não. Tá aqui uma gratificação. Obrigado”).
Comemorar, sim, mas discretamente.
Cheguei
à lotérica meio constrangido, meio com medo de me revelar em frente aos outros
clientes. Cochichei à caixa: “Vim re...er um ...êmio”. Ela gritou: “É o quê?”.
Aumentei um pouquinho a voz: “Prêmio. Vim buscar”. Ela berrou: “Ah, é um
prêmio, é?”. Eu: “É…”. Ela: “Dá aqui o cartão”. Eu: “Toma”. Ela: “É da mega!”.
Nesse momento, todos os clientes me olharam, e eu já pensava em contratar dali
mesmo uma escolta para me acompanhar em casa.
Ela
continuou: “Tô vendo aqui, são doze”. Eu: “Milhões?”. Ela gargalhou alto,
acompanhada dos demais ali presentes: “Doze ganhadores, meu lindo”. Pensei que
não seria mal dividir o prêmio cumulado com onze pessoas: “Então, quanto dá?”.
Ela: “Deixa ver…”. Fiquei tenso. Aquele número mudaria minha vida. Agora,
poderia me dedicar exclusivamente à escrita e ao ócio, “a ave onírica que choca
os ovos da existência”, como dizia meu professor Eli.
“Então”,
disse ela. “Depois da divisão, dá cento e cinquenta e cinco e trinta e dois”. Assustei:
“Milhões?”, pensando em quantas instituições e necessitados iria poder ajudar.
Ela: “Claro que não, meu lindo”. Corrigi, meio frustrado: “Mil?”, diminuindo
consideravelmente a lista de beneficiados. Ela: “Cento e cinquenta e cinco
reais e trinta e dois centavos, você acertou a
quadra, meu lindo, e o prêmio foi dividido pelos doze do bolão, essa é a parte
que te cabe nesse latifúndio”, vaticinou, me esticando cinco notas e uma moeda,
que caiu e saiu rolando pelo chão, eu correndo atrás.
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*Lembrando que as crônicas também
são publicadas no site do Diário do Rio, o "jornal 100% carioca"

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