Pracinha do Bairro Peixoto |
Daniel Cariello*
Quando
essa coisa toda acabar, quero visitar o Bairro Peixoto, um pequeno pedaço
escondido de Copacabana no qual nunca pus os pés, apesar de morar no Rio de
Janeiro pela segunda vez, e há cinco anos, e de visitar cidade desde que era
criança. Do Bairro Peixoto, só ouvi falar. E bem. Por isso imagino o lugar como
uma Pasárgada “revisited”, onde todos seriam amigos do rei.
No
Bairro Peixoto, me contaram, tem a melhor festa junina desse pedaço da cidade.
Dessas que parecem quermesse de vilarejo do interior, com comida típica, trio
de forró e pau-de-sebo. Esse ano, não vai ter festa junina no Bairro Peixoto e
em nenhum lugar. Mas quando essa coisa toda acabar eu juro que vou visitar o
Bairro Peixoto, talvez encontre ao acaso alguma celebração tardia de São João e
possa comer uma canjica ao lado de uma fogueira.
Um
conhecido meu jura que no Bairro Peixoto é possível sonhar acordado à sombra de
amendoeiras e árvores exuberantes. Essas são palavras dele, mas eu sou quase
capaz de assinar embaixo, mesmo sem ter ido lá. Imagino as árvores do Bairro
Peixoto como seres velhos e sábios, testemunhas preservadas das aceleradas
transformações pelas quais passou Copacabana nas últimas décadas. As
amendoeiras do Bairro Peixoto não devem ter pressa, reflito, pois estão dedicadas
em tempo integral à nobre missão de fornecer sombra aos sonhadores despertos.
Quando
chegar ao Bairro Peixoto, depois que essa coisa toda acabar, vou procurar um
pedaço de grama e deitar olhando para cima. Nem sei se tem grama no Bairro
Peixoto, mas tem em todo lugar em Brasília, de onde sou. O Bairro Peixoto da
minha imaginação é um pouco como Brasília, bucólico, calmo, verde. Mas se não
tiver grama, pode ser um banco mesmo. E se não tiver o céu da capital, podem
ser os altos edifícios em volta, tudo bem. O meu Bairro Peixoto é um estado de
alma que eu certamente terei quando essa coisa toda acabar.
Depois
de vasculhar todos os cantos do Bairro Peixoto, vou querer caminhar até a praia
de Copacabana, a poucos quarteirões dali, só para olhar o mar, que não vejo há
tanto tempo. As ruas estarão cheias, como sempre estão em Copacabana, mas
aposto que minha sensação será de caminhar dentro de uma bolha, ao mesmo tempo
perto e longe dos outros passantes. Querendo abraçar todos esses estranhos, mas
cauteloso de chegar perto.
Andarei
em direção à orla matutando que foi por pouco, dessa vez eles quase venceram.
Mas a doença e a ignorância, mais mortal do que qualquer moléstia, se foram. De
uma vez por todas, espero.
Ao
chegar ao Posto 3, vou colocar os pés descalços na areia e caminhar até a beira
do mar, deixando a água fria lavar os pés e uma cerveja gelada molhar a
garganta, feliz de estar de novo nas ruas e de finalmente ter conhecido o Bairro Peixoto.
--
Esse texto faz parte da série "Crônicas
isoladas", que continuará durante a quarentena.
* Daniel Cariello é escritor. Foi cronista de veículos como Veja Brasília, Le Monde Diplomatique Online e Revista Pix. É autor de Chéri à Paris e Cidade dos Sonhos. Leia também as crônicas de Paris, escrita pelo mesmo autor, no livro Chéri à Paris www.cheriaparis.com.br,
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