sábado, 13 de março de 2021

BRUXA



Marcelo D'Alencourt

 

Sempre discordei dessa alcunha que pouco definia o maior lateral esquerdo do Brasil depois de Nilton Santos: Marinho Chagas. Me lembro da transação que acabou o levando infelizmente para o Fluminense num troca-troca muito incomum na época. Nós o perdemos junto com o Wendel e recebemos Paulo César, Gil e Rodrigues Neto. Fui radicalmente contra o acerto porque Marinho era colossal. Disputou a minha primeira Copa: 1974. Foi considerado com sobras o melhor lateral esquerdo do evento. Com maestria e personalidade se impôs como os grandes craques. Detalhe: sem esforços. Mas tudo bem, o meu Botafogo não ia bem das pernas e tive que trocar a minha camisa número 6 (seis) pela 8 (oito) do "Estrela Solitária" ( Mendonça) que estava bem abaixo do Marinho. Mas fazer o quê? Tinha 8 (oito) anos e a infância é pródiga nas mudanças repentinas e imediatas. Com o Marinho na "Máquina Tricolor" de 75/76, quase o acompanhei, mas aí teria um seriíssimo problema dentro de casa: meu pai, fanático pelo Botafogo. Entre os dois, desculpem, Marinho e Rivelino (grande!), fiquei com meu pai e o Mendonça rs. O tempo passou. Me esqueci do Marinho. Ah, li um livro onde me deliciei com um "causo" dele. Chegando ao Botafogo num jogo (acho que contra o Palmeiras), houve uma falta perto da grande área.  Marinho era um reles desconhecido vindo do Nordeste. Barreira formada e quem ia bater? Ninguém menos que, depois de Garrincha, o maior ponta direita de todos os tempos e "como ele diz", único a marcar gols em todos os jogos de uma Copa (1970): Jairzinho!  Furacão posicionado, de repente, vem ele, Marinho, firme e resoluto, manda aquele petardo de 3 (três) dedos no ângulo do Leão. Golaço. Ele corre triunfante comemorando o gol sob o olhar de reprovação de Jair. Anos se passaram e me esqueci do grande craque. Me acostumei àquelas figuras assombrosas que envergavam a nossa gloriosa camisa  6(seis). Em 1981, disputávamos a fatídica classificação pra final do brasileiro com o São Paulo e quem era o lateral deles? Marinho Chagas. Fui ao jogo e o observei durante a peleja. Cabeça erguida, passes certeiros e a fineza que Deus destina somente aos grandes craques. O jogo era muito tenso. Maraca lotado. De repente, corner pro Botafogo na esquerda do São Paulo. Um ovo é lançado da geral e acerta em cheio o Marinho nas costas. A torcida alvinegra vibra. Eu gelo, me calo e observo a reação do craque, que se vira e volta pra área são-paulina sem sequer limpar a sujeira que escorre pelo seu corpo. Incrível.  Pensei: fez isso pra eu ver e contar 40 (quarenta) anos depois aqui! Nunca mais o vi nem tive notícias dele. Anos depois, no aniversário de 100 (cem) anos do Botafogo, em 2004, quem está lá em General Severiano? Ele, Marinho Chagas! Uns amigos o levaram ao Cristo Redentor pra missa das 6(seis) rs junto com a "Enciclopédia" Nilton Santos. Me chamaram, mas não pude ir por causa do trabalho. Que arrependimento! À noite, a turma foi com ele, depois de várias cervejas, ao Caio Martins, assistir a um jogo do Botafogo. Também não fui. Todos dizem que ele sentou no meio da galera, torceu, xingou, vibrou e distribuiu autógrafos como um autêntico torcedor alvinegro. Não vencemos, mas pouco importa. Me faz lembrar a minha primeira vez no Maracanã: time entrando em campo, camisas listradas em preto e branco, hino alvinegro cantado pela torcida, faixa branca na cintura, meiões cinzas e cabelos amarelos, longos e esvoaçantes dele, Bruxa, que a todos encantava.

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