Ananda Sampaio*
Todos os dias
procuro intervalos de tempo, momentos que me esqueço do mundo e que o mundo
parece esquecer-se de mim. Nesses intervalos folheio, leio um livro que trago
na bolsa ou debaixo do braço. Passaporte, transporte para o outro.
Até mesmo
quando saímos de casa para o trabalho, no tempo que separa os dois pontos, leio
dentro do carro enquanto meu marido dirige. Incorrigivelmente apressado,
contando os minutos. Seguimos amargurados pelo relógio. Até chegarmos ao primeiro
desembarque tenho impressão de que atravessamos um oceano. Comida para os cães,
para os gatos, água, abre porta, tranca porta, abre cadeados, tranca cadeados,
abre portão, tranca portão. Entramos no carro e naquela bolha seguimos nossos
rumos, muitos rumos para apenas duas pessoas. Tão simples e estranhas como nós.
No silêncio
que se segue livro-me do por que enquanto leio, encontro e me disfarço de
alguém mais. Ponho a máscara consciente e sinto o conforto de não estar em mim.
Carne de minha quase carne. As pessoas podem até nos abandonar e nós podemos
também deixa-las ao meio do caminho, mas as palavras permanecem. Sempre
permanecem, elas estão em todo lugar.
Às
vezes me conto histórias mentalmente, algumas vezes consigo transferi-las para
o papel. Noutras deixo no caldeirão, entornando o caldo, talvez um dia dê um
bom prato [Para quem?]. Algumas vezes apenas oralizo. Conto pra alguém e
pergunto: — a história é boa?
*Jornalista, estudante de Letras e integrante do @coletivoleitura
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