A. J. de O. Monteiro
Resolvidos todos
os trâmites legais junto à Justiça Eleitoral, o Mago Manu passou a dedicar-se à
campanha. Elaborou o roteiro, a metodologia de arrecadação de fundos, listando
todos os potenciais doadores, identificou lideranças comunitárias para
promover encontros e reuniões e elaborou um cronograma de caminhadas pelo centro de
Cajuína e nos seus principais bairros, além de visitas aos mercados públicos e
feiras livres da Cidade. O corpo a corpo, o olho no olho e mão na mão eram
nossas melhores opções de abordagem de eleitores devido à escassez de recursos.
Para todas essas atividades contávamos com os
dois veículos cedidos por Erosdito Pau d’Arco e com 200 litros de gasolina por
semana ofertados por Jaconias Bardo.
Na primeira
reunião com o “staff” de campanha, o Mago apresentou então, o tesoureiro da
campanha, o Sr. Pedro Branco, apontador de jogo de bicho, mas com larga
experiência em arrecadação de fundos de campanha, o qual foi logo se impondo:
“Precisamos, de pronto, organizar as contas com a criação dos caixas 1 e 2”.
Senti um frio na barriga. Esse sujeito vai me meter em camisa de onze varas,
pensei. Mas não vou questionar o Mago.
Dando
sequência à reunião o Mago fez uma explanação detalhada da cronologia e dos
roteiros, distribuindo tarefas para cada um dos colaboradores e detalhando a postura
pública do candidato, ou seja, eu. Tentei dar algumas opiniões e alterar
algumas atividades em favor de minhas obrigações pessoais e familiares, mas o
Mago reagiu com um soco na mesa e a pergunta: “Quer ganhar a eleição, ou não?”
O passo
inicial e efetivo da campanha foi a gravação do vídeo para o horário eleitoral
gratuito, sobre o qual argumentei: Mago como vou expor o programa de governo
com apenas 30 segundos de TV? Respondeu-me ele: “Já está tudo acertado, na
inserção aparecerá apenas sua fotografia fazendo o “V” de vitória (bem
original, não?) e a apresentação será feita em “off” por um locutor desses que
recitam as recomendações do Ministério da Saúde nas propagandas de remédios.”
Mas Mago, eles falam rápido demais e ninguém entende nada daquelas mensagens...
“É o que resta,” sentenciou.
Conforme o
cronograma aprovado, as duas primeiras horas de cada dia de campanha foram
reservados ao atendimento de eleitores, para ouvir e anotar suas reivindicações.
Isso é feito no comitê de campanha, um pequeno espaço que nos foi gentilmente
cedido por D. Pequena, em seu bar. Aí vinha de tudo: solicitações de consultas
médicas e remédios, que eram encaminhadas para o Dr. Filho da Geladeira, o
esculápio da campanha. Apareceu gente pedindo minha intermediação em briga de
vizinhos e outras querelas mais. Mas o pior de tudo foi ouvir o choramingo de
um marido traído que queria porque queria que eu arranjasse alguém que desse
uma surra no amante de sua mulher por não se sentir apto a executar a tarefa.
Vejam só a que um candidato se submete... Nas nossas ausências do comitê, a
própria D. Pequena nomeada secretária de campanha pelo Mago, anotava as
postulações dos eleitores que acorriam. Não foi uma boa medida pois D. Pequena não é lá muito paciente e fez mesmo foi escorraçar muitos deles.
Descrever os
bastidores de uma campanha eleitoral não é exatamente algo prazeroso. É uma
rotina maçante, limitada pelo rígido cronograma imposto pelo Mago, razão por
que vou narrar apenas três episódios que considero relevantes: O primeiro
ocorreu logo na caminhada inicial da campanha, marcada para as 12 horas do dia.
Certo de que minha calva iria sentir os efeitos da canícula de Cajuína em pleno
meio dia, comprei um vistoso chapéu tipo panamá e segui para o local da
largada. Ao me ver com tal adereço o Mago quase teve um ataque de apoplexia:
“Mas o que é isso, candidato”? Mas Mago, tentei ponderar, esse sol está de
fritar miolos... E ele: “ É melhor fritar seus miolos que fritar a sua imagem
já construída nas inserções de TV. Tire já isso! Esse chapéu vai confundir os
eleitores. Tirei. Apenas para registrar, ele estava usando uma boina estilo Che
Guevara. O segundo episódio envolveu um sobrinho do Mago, líder comunitário na vila
Anísia Frutuoso, na zona rural de Cajuína, onde se realizaria a partida final
do campeonato de futebol local, para a qual o Mago acertou o patrocínio dos troféus de
campeão e vice, além de 12 litros de cachaça para as comemorações. No dia da
final, logo nas primeiras horas de atividades do comitê, lá estava o tal líder
para receber a cachaça. O Mago disse que só entregaria a bebida ao final do
jogo pois assim fora o combinado. O líder, tentando sensibilizar o Mago disse:
“Mas tio, tem uns seiscentos eleitores esperando... Seiscentos votos, tio.” O
Mago perdeu a paciência e retrucou: “Enfie
esses seiscentos votos no fi-ó-fó!” O líder foi embora, nós não fomos à final
e os seiscentos votos foram para outro candidato. O terceiro foi bastante
vexatório e quase acaba em delegacia de polícia. Participávamos de uma reunião em um povoado, também na zona
rural, quando ao final apareceu uma senhora portando uma enorme bacia contendo um
frito bastante suspeito: a farinha amarela e a carne bem escura e cheiro forte
não me agradaram muito. Alguém bateu no meu obro e disse: “vais comer uma
mambirinha...” Aproximei-me do Mago e disse-lhe ao ouvido: não vou comer isso,
não... “Ah Vai, vai sim senhor, respondeu. "Quer ganhar a eleição, ou não"? Salvou-me a aproximação de uma viatura policial que provocou uma debandada
geral. Ficamos só nós dois e foi difícil explicar aos policiais o que estávamos
fazendo ali com aquela turma. Por sorte o motorista da viatura era fã do
horário político na TV e lembrou-se da minha foto. Sorriu balançando a cabeça e
nos liberou.
No final,
avalio que a campanha foi bastante positiva. Tirando ter que apertar milhares
de mãos suadas todos os dias, abraçar gente com suvaqueira, aguentar o bafo de
cachaça matinal dos bêbados e beijar bochechas lambuzadas criancinhas fedendo a
cocô, tudo correu conforme o planejamento inicial. E haja álcool gel
antisséptico à noite, antes de deitar – exigência de minha mulher.
E vamos às
urnas!
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