sexta-feira, 2 de novembro de 2012

DE VOLTA ÀS ANCORETAS*



A. J. de O. Monteiro

                Não temo, ao escrever artigos memorialistas, ser taxado de saudosista pois minha memória remota está repleta de boas lembranças dos 1960/70, vividos nesta querida e quente Teresina. Além disso, fatos e atos do presente vira e mexe me remetem àqueles tempos de infância e adolescência...
                Agora mesmo, durante os dois grandes cortes no abastecimento de água, vieram-me à lembrança as agruras que nossos pais viviam, naqueles anos, com a crônica falta do “precioso líquido” nos canos do IAEE (Instituto de Águas e Energia Elétrica), cuja água, quando “vinha”, era captada em uma cisterna cavada até o nível do cano da rua. Mas, mesmo assim, era raro dispor-se da água pública. O mais comum era comprar água de poços particulares.
                O transporte da água dos poços às residências, e esse é o tema, era feito em “cambos” que consistia em um pedaço de madeira resistente que os carregadores atravessavam nas costas, trazendo em suas extremidades duas latas de querosene “jacaré”, presas por cordas. Esse tipo de transporte ocasionava certo prejuízo ao comprador devido ao natural balanço do caminhar do carregador alguma quantidade de água ficava pelo caminho. Imaginem quantas “viagens” eram necessárias para encher uma cisterna de 2.000m3 de água.
                Por sua vez, os carros pipas abasteciam apenas as repartições públicas e, é claro, as residências das “autoridades” de então.
                Havia também o transporte por ancoretas (espécie de barril de madeira de lei), feito em lombo de jumentos equipados com cangalhas apropriadas. Nesse caso o produto era encarecido pois, além da água, o consumidor tinha que pagar o transporte ao dono do conjunto. Por isso algumas famílias mais abastadas trataram de adquirir seu próprio conjunto (o semovente, a cangalha e, no mínimo, duas ancoretas). Via de regra mantinham um moleque de recados para tocar o jumento e fazer outras tarefas domésticas em troca de casa, comida, vestimenta e, às vezes, estudo. Era próprio da época.
                Mas isso, que era um tormento para os donos e donas de casa, para nós, a criançada, era uma verdadeira festa.  Com cambos improvisados em tamanhos adequados às nossas forças, íamos aos poços pegar água e participar do furdunço. O piseiro, a gritaria e as brigas em torno da enorme torneira do poço eram o mote das conversas da turma, à noite, nas esquinas da rua, enquanto os pais ouviam a “Voz do Brasil”, pensando nas agruras do dia seguinte. As famílias eram grandes e a água das cisternas não durava muito.
                Hoje, não confiando nas ações de governo para corrigir definitivamente os problemas que provocaram os tais cortes no abastecimento ou adotar medidas preventivas para evitá-los, vou recorrer ao “Google” para saber onde comprar o kit água (jumento, cangalha e ancoretas)...
*Publicada originalmente em 02/11/2012

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