quinta-feira, 29 de novembro de 2012

RETRATO*



João José de Andrade Ferraz

                Simpático, apesar de bronco e xucro; alienígena, inexperiente, “responsável” por negócio alheio (então quase sem concorrentes), onde figurava como interessado. Entre incontáveis erros e acertos mínimos, obteve apoio e tolerância na incipiente atividade.
                Dado a frequentar ambientes considerados elegantes, era alvo de constantes e impiedosas pilhérias que não alcançava: cordeiro indefeso, no meio de bestas, incapaz de captar (ou reconhecer) evidente malícia nesses relacionamentos. Arrostando tudo, conheceu pessoas e angariou “amizades”.
                Nessa roda viva, logo se viu enleado por bajulador (e insidioso mau-caráter), tornando-se aplicado discípulo. Amparado nesse adjutório, fez carreira e se tornou comensal de tuxauas locais: gente da pesada, importante.
                Cavaleiro de grana (muito) fácil, gostava de receber: oferecia, quase diariamente, animadíssimas tertúlias etílico-gastronômicas. Estipulava dias (ou noites) e locais para convívio interesseiro – por faixas de valoração que, do alto do seu discernimento, o próprio atribuía: dias tais e tais eram destinados à presença de figurinhas carimbados do primeiro time; nos intervalos para outros níveis, tidos como inferiores.
                Em certa campanha resolveu apoiar, escancaradamente, candidato à sucessão – escorraçado pelas urnas e pelo carisma do adversário. Como decorrência dessa postura amargou ostracismo (correcional, disseram) que o deixou, literalmente, beijando a lona: exatamente no ponto nevrálgico do corte sumário de linhas creditícias oficiais, ilimitadas. E mais: execução imediata de débitos pendentes. Abalado, baixou facho e tomou chá de sumiço.
                Mas nada disso tem a ver com o caso; são simples detalhes de época.
                Num desses entretenimentos chega, janota, um “convidado”. Trajando calça do mais puro linho branco, assim como a camisa (fechada apenas com botões inferiores – para exibir enormes corrente e medalha de ouro maciço), engomadíssimas; cinto e chinelas café. Se tivesse composto, isto é, abotoado, ficaria numa elegância sem paralelo.
                Tentando ser gaiato, cumprimentou. Ao notar sujeito aparentemente humilde – acompanhante de primeira viagem – no meio daqueles expoentes, resolveu debochar. Não sabia, porém, da presença de espírito invulgar, conhecida, do .
                Perdendo excelente oportunidade de ficar calado, teve que escutar imediata e ferina observação de quem pensava gozar. - Ó aí, gente! Acabar dizem que consórcio não entrega... – referindo-se à roupa do pretenso almofadinha.
                Quem entendeu, na hora, se abriu; outros nem notaram o chiste.
                Tendo – finalmente – percebido a ferroada, murchou: alegando outro compromisso, desapareceu.
                Bem feito.
*Do livro “Casos Lembrados”


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